Novo estudo genético reconstitui as origens dos coronavírus em morcegos vendidos em mercados da China
- Portal Saúde Agora
- há 1 dia
- 4 min de leitura

No início dos anos 2000, um coronavírus que infectava morcegos saltou para cães-guaxinim e outros mamíferos selvagens no sudoeste da China. Alguns desses animais foram vendidos em mercados, onde o vírus saltou novamente — desta vez, para humanos. O resultado foi a pandemia de SARS, que se espalhou por 33 países e causou 774 mortes. Meses depois, cientistas encontraram o vírus em civetas vendidas em um mercado no epicentro do surto.
Em um estudo publicado nesta quarta-feira, pesquisadores compararam a trajetória evolutiva da SARS com a da Covid, 17 anos depois. Eles analisaram os genomas dos dois coronavírus pandêmicos e outros 248 relacionados em morcegos e mamíferos.
Jonathan Pekar, virologista evolucionista da Universidade de Edimburgo e coautor do estudo, afirmou que as histórias dos dois vírus seguem caminhos “extraordinariamente semelhantes”. Em ambos os casos, os vírus saltaram de morcegos para mamíferos selvagens no sudoeste da China. Comércios de animais os transportaram por centenas de quilômetros até mercados urbanos, onde causaram surtos em humanos.
— Quando se vende animais selvagens no coração das cidades, vai haver uma pandemia de tempos em tempos — disse Michael Worobey, biólogo evolutivo da Universidade do Arizona e coautor do estudo.
O estudo foi publicado em um momento politicamente sensível. No mês anterior, a Casa Branca criou uma página chamada “Vazamento de laboratório: a verdadeira origem da Covid-19”, alegando que a pandemia se originou de um acidente em um laboratório em Wuhan, e não de um mercado.
Em sua proposta de orçamento divulgada na sexta-feira, o governo americano descreveu o vazamento como “confirmado” e justificou um corte de US$ 18 bilhões no NIH (Institutos Nacionais de Saúde), alegando que a agência não provou que seus repasses ao Instituto de Virologia de Wuhan não contribuíram para o suposto vazamento.
O governo chinês negou categoricamente e sugeriu que o vírus teria vindo de um laboratório de biodefesa dos EUA: “Uma investigação completa e aprofundada sobre a origem do vírus deve ser conduzida nos EUA”, disse em comunicado.
Sergei Pond, virologista da Universidade Temple, afirmou que a origem da Covid ainda não está resolvida e que a retórica inflamada entre os governos dificulta o trabalho científico.
Origem natural?
Nas primeiras semanas da pandemia, surgiram alegações de que o vírus SARS-CoV-2 teria sido uma arma biológica criada pelo Exército chinês. Cientistas rejeitaram essa ideia com base nos dados disponíveis na época. Embora não descartassem totalmente um vazamento acidental, favoreciam uma origem natural.
Michael Worobey, que inicialmente defendia mais investigações, acabou se convencendo de que o surto teve origem no mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan, com base em uma série de estudos publicados posteriormente.
No novo estudo, os pesquisadores compararam os genomas de 250 coronavírus, reconstruindo a história evolutiva do SARS-CoV (SARS) e do SARS-CoV-2 (Covid). Ambos circularam por milhares de anos em morcegos por várias regiões da China e países vizinhos. Nos últimos 50 anos, seus ancestrais infectaram morcegos do sudoeste da China e do norte do Laos. Ocorriam recombinações frequentes, nas quais dois vírus diferentes dentro da mesma célula formavam híbridos genéticos.
O SARS-CoV passou por sua última recombinação genética por volta de 2001, antes da pandemia de 2002. Como os morcegos não poderiam ter levado o vírus até Guangzhou em tão pouco tempo, acredita-se que mamíferos selvagens vendidos em mercados tenham sido os vetores. Pesquisadores encontraram o vírus em civetas e outros animais à venda.
Com o SARS-CoV-2, a última recombinação ocorreu entre 2012 e 2014, anos antes da Covid começar em Wuhan, centenas de quilômetros distante das regiões de origem dos morcegos. A trajetória, afirmam os cientistas, reflete a da SARS, facilitada pelo comércio de animais silvestres.
Defensores da teoria do vazamento em laboratório destacam a distância entre Wuhan e o local onde parentes próximos do SARS-CoV-2 foram encontrados. Mas os pesquisadores do novo estudo argumentam que o comércio de animais pode transportar vírus por longas distâncias, sem envolvimento de cientistas.
Eles apontam que o mercado de Huanan vendia mamíferos selvagens, concentrou os primeiros casos de Covid e continha diferentes variantes do vírus. Segundo os autores, o SARS-CoV-2 saltou para humanos pelo menos duas vezes a partir de animais no mercado.
Sergei Pond disse que o estudo apoia a hipótese de origem natural, mas que o debate ainda está em aberto — inclusive porque há críticas estatísticas ao estudo anterior, de 2022. Marc Eloit, do Instituto Pasteur, destacou que o SARS-CoV-2 é bastante diferente de seus parentes mais próximos nos morcegos, o que levanta a possibilidade de uma recombinação laboratorial, acidental ou não.
Segundo ele, encontrar uma forma intermediária do vírus em um mamífero selvagem seria uma evidência poderosa de que a origem foi natural. Porém, os animais do mercado foram retirados antes de serem analisados, e o fim do comércio de animais silvestres na China levou ao abate de muitos deles. — Falta uma peça importante, e não dá para ignorar isso — disse Pond.
Stephen Goldstein, geneticista da Universidade de Utah, afirmou que o estudo serve de alerta: mamíferos selvagens vendidos em mercados podem levar coronavírus para cidades distantes. — Os fragmentos desses vírus estão por toda parte — disse.
Fonte: O Globo
Comentarios