Saúde mental: governo enfrenta percalços com novo protocolo para atendimento psicossocial
- Portal Saúde Agora
- 28 de abr.
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Contrário às políticas de internação adotadas há décadas no país, o governo Luiz Inácio Lula da Silva resolveu implantar um novo modelo de atendimento a pacientes psiquiátricos e proibir o funcionamento de manicômios. Esses centros foram responsáveis, ao longo de vários governos, pela violação de direitos humanos. As novas diretrizes e regulamentações do Ministério da Saúde, porém, estão aquém da necessidade de quem precisa de cuidado especializado, segundo especialistas e gestores. Para eles, não houve uma transição capaz de suprir a demanda. O diagnóstico é que faltam vagas no Sistema Único de Saúde (SUS) e estrutura. Também persiste o tratamento inadequado.
O governo batizou essa nova política de Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Entre as medidas prometidas está a ampliação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), locais com equipes multidisciplinares para atendimento e tratamento humanizado, sem isolamento do paciente.
A nova política também engloba o atendimento em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e determina que internações devem ser feitas em hospital geral, em leitos de clínica médica. Esses pacientes normalmente são cuidados por um clínico. Hoje, porém, há críticas sobre esse tipo de assistência, principalmente em casos graves.
Quadros complexos
A médica psiquiátrica Maria Dilma Alves Teodoro, integrante da Associação Brasileira de Psiquiatria e médica do SUS há mais de 30 anos, pontua que a política não absorve toda a demanda.
— Eu pergunto: um paciente grave, internado em leito de hospital geral, sendo cuidado por um não especialista, é de fato a melhor assistência? Se fizer um contraponto com um paciente cardíaco: ele é melhor cuidado por um cardiologista ou por um clínico? Estamos falando de complexidade de quadros — destaca a médica: — Temos experiência de pacientes sem tratamento que cometeram atos ilícitos por causa da doença. São pacientes graves, que cometem assassinatos pela doença. Se hoje a gente tem dificuldade de internar quem não tem conflito com a lei por causa de estrutura, imagina um paciente com essa gravidade sem um local com estrutura e atendimento especializado?
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil conta com 2 mil leitos psiquiátricos pelo SUS em hospitais gerais. Os dados mostram uma redução da oferta, que em 2013 chegava a 33.454. A quantidade é considerada insuficiente para internações.
Ainda de acordo com a especialista, seria possível melhorar o modelo de hospital psiquiátrico, com o objetivo de reorganizar o sistema e aperfeiçoar a assistência.
José Alves Ribeiro, de 60 anos, sofre de esquizofrenia, ansiedade, bipolaridade e depressão. Ele já foi internado em hospitais psiquiátricos ao longo da vida. Apesar de ressaltar que “odeia manicômios”, também afirma que o modelo hoje adotado não funciona.
— Temos que melhorar para gestores também não transformarem os CAPS em “mini manicômios”.Estão nos dizendo que estamos sendo tratados em liberdade, mas não estão nos dando o tratamento que merecemos. Não há qualidade na área de saúde mental em nenhum local do Brasil.
Financiamento
Procurado, o Ministério da Saúde afirma que investiu nos últimos anos na abertura de novos CAPS em diversas modalidades. Há, por exemplo, centros dedicados a casos específicos, como o atendimento a dependentes de drogas.
Em 2024, segundo a pasta, foram 3.019 novos centros habilitados, ultrapassando a meta prevista para aquele ano. O governo diz ainda que investiu R$ 4,7 bilhões em saúde mental em 2024.
Os centros de atenção funcionam com um modelo de financiamento tripartite, ou seja, com verba federal, estadual e municipal. Uma das dificuldades apresentadas por estados e municípios é superar os processos burocráticos impostos para conseguir “habilitá-los”.
O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) afirma que as redes hoje estão sobrecarregadas e que o financiamento é “desproporcional ao desafio”.
Em nota, o Conasems diz que espaços como “Centros de Convivência” seriam alternativas essenciais para a reintegração social e recuperação de pacientes, mas continuam sem financiamento federal.
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), crítica da lógica manicomial, vê necessidade de aperfeiçoando, mas defende a política do governo.
— Você precisa fortalecer a rede de CAPS, melhorar o hospital geral para atender pessoas em crise e melhorar esse atendimento em CAPS. Precisa de equipes multisserviços, com relações familiares, comunitárias, com tratamentos terapêuticos para garantir o acolhimento, a humanidade e o tratamento.
Fonte: O Globo
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