Quando a birra se torna um caso de saúde
- Portal Saúde Agora
- 8 de jan. de 2020
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O comportamento agitado do pequeno Pedro Henrique, 5, parecia apenas coisa de criança até que as birras começaram a se tornar mais e mais frequentes. Foi quando a família decidiu buscar ajuda e consultou uma psicopedagoga pela rede pública de saúde. Depois de passar também pela avaliação de um neurologista, o menino recebeu laudo preliminar de Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD): em que a criança ou adolescente “não consegue elaborar bem situações em que é contrariada e o quadro não se modifica com o tempo”. É o que explica a psicopedagoga Luciana Brites, que escreveu, ao lado do marido, o neurologista infantil Clay Brites, o livro “Crianças Desafiadoras”. O estudioso considera como possíveis causas para o problema “fatores genéticos e do ambiente, como quando a criança não tem uma rotina de disciplina”.
Se inicialmente a sigla causou algum estranhamento, hoje é parte do vocabulário do avô de Pedro, o livreiro Luis Pércio Garcia, 48. A descoberta do transtorno, aliás, modificou o repertório da família: no lugar de “birra”, por exemplo, passaram a usar a palavra “crise” – mais adequada para classificar o comportamento da criança sem estigmatizá-la.
“Meu neto tem dificuldades de atender ordens. Ele desafia qualquer autoridade – da mãe, da avó, do padrasto. Na escola, não seria diferente. E já estávamos preparados para isso”, diz. O que eles não esperavam é que o colégio decidisse afastar a criança, em outubro do ano passado. “Isso nos destruiu, doeu, pois, mesmo explicando a situação, a direção achou por bem pedir que ele não frequentasse mais o lugar. Se na escola ele já sofreu esse tratamento, imagina fora?”, lamenta.
A exclusão de uma criança com diagnóstico preliminar de TOD dos espaços de convívio social não é, definitivamente, algo que contribua para o tratamento, explica o psicólogo Tiago Henrique, pós-graduado em psicomotricidade clínica e relacional. Além disso, insiste ele, espera-se que as instituições de ensino contribuam para o desenvolvimento dessas pessoas.
Henrique lembra que o transtorno exige tratamento multidisciplinar, envolvendo médicos (psiquiatras, pediatras ou neurologistas), psicólogos e, se necessário, outros profissionais. Mas, ainda assim, não se pode “deixar de destacar também a importância da escola na formação dessa rede”. “É fundamental que os pais e a escola, principais instituições das crianças, falem a mesma língua, atuem em sintonia, como uma equipe que possui o mesmo objetivo de melhorar a qualidade de vida daquela criança ou adolescente”, ressalta.
Enfatizando que não há um programa específico e predeterminado, Henrique cita que o principal tratamento indicado para esse transtorno é a psicoterapia – em que o psicólogo vai contribuir para uma reestruturação cognitiva da criança e dar orientação aos pais. “Pode ser necessária a inserção dos pais em uma espécie de programa de treinamento, e a família pode ainda ser encaminhada à terapia familiar como forma de potencializar uma dinâmica que favoreça a saúde emocional de todos”, indica.
A exemplo do que fez a família de Pedro, “o essencial é que, aos primeiros sinais de dificuldades maiores que aquelas do cotidiano da família, os pais busquem auxílio com profissionais de saúde mental para juntos pensarem na melhor estratégia de enfrentamento”, conclui.
Em família
De forma geral, diz o psicólogo Tiago Henrique, é preciso que os pais estejam psicológica e fisiologicamente bem para uma lida assertiva com os comportamentos da criança.
E ainda que uma estrutura na qual só a mãe participa do tratamento permaneça muito presente nas famílias, é fundamental a participação dos pais e demais educadores em todo o processo, defende o psicólogo.
Reações emocionais muito exageradas são sinal de alerta
O neurologista infantil Clay Brites aponta como sinal de alerta para casos de Transtorno Opositor-Desafiador (TOD) reações emocionais extremamente exageradas. “Eles chegam a quebrar objetos da casa, desestabilizar a família e a escola, porque as reações são desafiadoras. Chegam a tomar atitudes maldosas, usando palavras de baixo calão e fazendo chantagem emocional. Isso dos 3, 4 anos até os 8, 9 anos, que é uma fase em que as demais crianças já têm o pleno entendimento do não e das frustrações”, afirma.
Ele lembra ainda que é comum o TOD ser acompanhado de outras condições, como o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o autismo e o transtorno bipolar.
Fonte: Jornal O Tempo
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