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O impacto da pandemia na menstruação e no desejo feminino


 
 

Em tempos nos quais a vacinação contra a covid-19 vem se consolidando em diversos países do mundo e no Brasil, em especial, a taxa de imunizados com as duas doses chega a 62,72% (de acordo com dados do Consórcio de Veículos de Imprensa), pesquisadores e cientistas se voltam para uma nova tarefa. Mapear os impactos da pandemia em outros âmbitos da vida pessoal, como o da saúde mental, por exemplo. Mas agora, essa investigação chega a outras áreas, entre elas, a da saúde reprodutiva das mulheres.


Uma pesquisa feita em abril de 2021 por estudiosos do Trinity College Dublin, na Irlanda, com 1.300 mulheres do Reino Unido, mostrou que mais da metade delas experimentou alterações em seus ciclos menstruais desde que se instalou a pandemia de covid-19. Menstruações irregulares ou ausência de sangue menstrual, mais dores ou fluxo intenso, além de sintomas de TPM mais fortes estão entre as queixas do grupo estudado. Nos números, chama a atenção que 56% disseram que seu ciclo menstrual mudou desde o início da pandemia, enquanto 54% contaram sentir o desejo sexual diminuir. As participantes também relataram um aumento na insônia, ansiedade e depressão, informa a pesquisa, que foi apresentada na conferência anual da Sociedade de Endocrinologia, em Edimburgo, na Escócia, na primeira semana de novembro.


“A pandemia aumentou o nível de estresse e ansiedade da população, em geral, e nas mulheres, isto pode repercutir no ciclo menstrual. Sabe-se que níveis elevados de estresse podem promover alteração na produção dos hormônios sexuais e causar alterações no ciclo menstrual”, explica a ginecologista Daniela Yela Gomes, membro da Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Endócrina da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e docente da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).


Estresse X ciclo menstrual


Esses relatos, no entanto, não estão restritos a quem vive no Reino Unido. Por aqui, muitas mulheres também sentiram o impacto de todo o estresse causado pela chegada do vírus para além apenas do medo do contágio. É o que conta, por exemplo, a paraibana Cris Matos, de 27 anos, que trabalha como Community Manager e é mãe de duas meninas, uma de 7 e outra de 5 anos de idade. Ela começou a sentir seu ciclo menstrual se desregular entre setembro e outubro de 2020, quando passava não só pelos anseios da pandemia como também enfrentava um pico de estresse altíssimo com o trabalho e estava decidindo se separar depois de 10 anos de casamento. “Fiquei sem menstruar por 40 dias e, depois disso, os ciclos ou eram muito curtos, de 24 dias mais ou menos, ou então longos demais, chegando aos 35, 37 dias e tendendo mais a esse último”, afirma.


Assustada com a mudança repentina na menstruação, Cris buscou atendimento em um posto de saúde e mesmo usando DIU (Dispositivo intrauterino) de cobre como método contraceptivo teve receio de estar grávida. “Desde este ciclo, no ano passado, tive alterações significativas. Procurei o médico e, primeiro, me disseram que era por causa do DIU. Essa condição foi se seguindo irregular até julho de 2021, quando eu simplesmente não menstruei e fiquei 60 dias atrasada”, lembra. “Procurei novamente por atendimento e comecei a investigar o que era. Até encontrei uma mínima alteração na hipófise e na produção de prolactina, hormônio responsável pela amamentação, mas elas eram muito baixas, não podiam ser responsabilizadas pelo atraso”, afirma.


Cris também consultou uma endocrinologista e uma neurologista para tentar encontrar as causas dessa variação menstrual. “Foi a partir daí que os especialistas apontaram que a menstruação desregulada poderia ser emocional, porque não havia nenhuma alteração clínica relevante, nem nos exames de sangue, em nada”, completa. “Fui encaminhada para fazer atividade física, para ajudar na ansiedade, e para a terapia. Foi assim que finalmente menstruei e lembro bem porque foi no feriado de 7 de setembro. Acho que dei aquela relaxada que eu precisava”, declara.


“Não dava tempo de ser mulher”


“Em meio à pandemia, medidas de segurança como distanciamento social, confinamento domiciliar e quarentena foram necessárias para prevenir a propagação. Além do estresse psicológico, que pode agravar a TPM e a dismenorreia (dor uterina perto do período menstrual), o fato das mulheres terem que se manter em isolamento e deixarem de praticar atividades físicas ajudou a piorar esses quadros. Uma alimentação inadequada também pode ter ocorrido em detrimento ao isolamento social e seu confinamento”, explica a Dra. Daniela Gomes. “Níveis de estresse muito elevados podem alterar a produção dos hormônios sexuais e levar a quadros de ausência de menstruação (amenorreia hipotalâmica funcional)”, diz a especialista.


A experiência de Cris Matos confirma, justamente, esse quadro exposto pela médica: “Eu me movimentava bastante antes da chegada da covid-19, ia a pé até o ponto de ônibus, circulava pelo bairro na hora do almoço. Tenho certeza de que esse sedentarismo, ao ficar isolada em casa com a família, sem ter um lugar para descomprimir, com uma carga de trabalho dobrada, inclusive, impactou no meu bem-estar menstrual. Foi muito difícil, eu ficava às vezes 12 horas na frente do computador e estava bastante infeliz com aquele emprego”, relembra.


Com a pressão de sustentar a casa sozinha – o namorado acabou perdendo o emprego – e o desgaste da relação entre os dois, Cris conta que foi só na terapia que ela entendeu a pressão pela qual passava no momento: “Não dava tempo de ser mulher: tive que ir morar com a minha mãe, mudei de emprego duas vezes e esse peso sobre mim com a pandemia me afetou tanto que causou a ausência de menstruação. Mas estou buscando um espaço para respirar, tive que cuidar de mim”, desabafa.


Pandemia X libido


Já no caso de Rafaella Caropreso, de 42 anos, que vive em São Paulo, a pandemia mexeu com sua vida sexual. Ela diz que sentiu um impacto gigantesco na libido e que a rotina com o marido mudou totalmente: “Percebemos essa alteração. Éramos muito ativos, a gente transava duas, três vezes na semana. Temos uma filha, a Lara, de um ano e meio, e eu acho que a pandemia e a maternidade juntas acabaram trazendo um cansaço”, conta. “Mas acho que foi menos o cuidado com a minha filha, que nasceu em abril de 2020, e mais o fato de ficar trancada dentro de casa – porque nós dois trabalhamos remotamente – e depois que acaba o expediente nossa vontade é de comer e dormir. Nos sentimos cansados, há pouca vontade de fazer sexo”, relata a representante comercial.


“Alguns hábitos mudaram e eu digo que o relacionamento caiu em qualidade de forma desesperadora: começamos a nos ver como roommates [colegas de quarto], porque a gente agora come em casa, trabalha, se exercita… Chegamos a ficar seis meses sem transar”, revela.


A ginecologista Daniela Yela Gomes adianta que esse é um quadro bastante comum em decorrência das dinâmicas impostas pela covid-19: “O aumento do estresse e da ansiedade causados pela pandemia global pode ser um fator precipitante para problemas sexuais”, explica. “O estresse pode afetar a libido e isto é mais frequente em mulheres que nos homens”, diz a médica.


Rafaela reforça que o fato de fazer absolutamente tudo dentro de casa teve resultados tanto na rotina, como na saúde dos dois: “Nosso emocional ficou abalado. A visão do meu marido piorou, porque ele fica muito no computador; nos sentimos constantemente cansados, abalados por estarmos trancados. Perdeu-se a espontaneidade. A gente gosta de estar junto, a gente sabe que o sexo relaxa, mas mesmo assim, fica complicado”, afirma Rafaela.


De acordo com a pesquisa dos especialistas do Trinity College Dublin, as descobertas mostram como é necessário prever cuidados médicos apropriados para cuidar da saúde física e mental das mulheres em face à pandemia. “Este estudo foi conduzido em um estágio relativamente inicial do programa de vacinação da covid, portanto, a duração da pandemia e a eficácia da vacina podem influenciar descobertas futuras, sendo necessária investigação adicional com dados objetivos e mensuráveis. Nossas descobertas destacam uma necessidade real de fornecer cuidados médicos apropriados e apoio de saúde mental para mulheres afetadas por distúrbios menstruais, dado o fardo psicológico sem precedentes associado à pandemia”, afirma a médica Dra. Michelle Maher, autora do estudo.


Fonte: Revista Crescer

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