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"A favela cuida da favela": Paraisópolis tem médicos e ambulâncias próprias



"Meu número de telefone acabou se tornando o 192 da comunidade", diz a produtora Renata Alves, 39. Há dois meses, é ela quem recebe as chamadas de emergência em Paraisópolis, favela na zona sul da capital paulista. Ela nasceu lá e conhece todas as vielas.


192 é o número para chamar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Mas como o Samu não acessa a região, a associação de moradores contratou, por conta própria, equipes médicas e veículos para resgatar pacientes que precisem de atendimento de urgência durante a pandemia do novo coronavírus.


"Já teve dia com 30 atendimentos de ambulância, a maioria de covid-19. Na maioria dos casos, mandam mensagem por WhatsApp, eu falo com o morador, entendo o que está acontecendo e passo para o médico. O médico faz a avaliação e vai até a casa da pessoa", relata Renata.


Esse serviço é parte de um plano de contingência próprio, elaborado pelo G10 das Favelas (bloco que reúne as dez favelas com maior poder econômico do país), para tentar controlar a disseminação do vírus na comunidade e oferecer assistência às famílias.


O grupo montou um gabinete de crise, onde prepara e distribui marmitas e cestas básicas, produz e fornece máscaras de proteção, levanta doações para diaristas que ficaram sem renda e estabelece responsáveis por cuidar de cada uma das ruas de Paraisópolis. Tudo custeado por doações de empresas e pessoas físicas, em vaquinhas na internet.


A reportagem do UOL esteve no local, uma unidade para acolhimento de idosos da Prefeitura, desativada durante a quarentena. O movimento é frenético e o uso de máscara ali é obrigatório. Na rua, moradores passavam e conversavam entre si sem o equipamento de proteção, recomendado em todo o estado.


É reunião atrás de reunião, carros chegando e saindo com mantimentos e doações. Uma dezena de moradores se reveza em linha de montagem para preparar as marmitas — são 10 mil refeições por dia, distribuídas a moradores que não param de chegar em busca das embalagens.


'É mais uma pandemia que o periférico enfrenta'


Renata não desgruda as mãos do celular. Ela estende o aparelho e mostra um vídeo em que um dos socorristas carrega nas costas uma moradora, idosa, agachando-se entre uma viela íngreme. Ela parecia bem, mas quando a equipe médica mediu a oxigenação do sangue, estava abaixo do recomendado.


Decidiram levá-la até a unidade de saúde do bairro. "De uma hora para outra, ela começou a ficar ofegante. O que não pode é ter uma parada respiratória aqui e a gente não ter um equipamento para resolver a situação dela", relata Ricardo Vieira, médico que agora

integra a equipe de resgate em Paraisópolis. "Graças a Deus, agora ela está bem."


"O periférico sabe bem o que é não ter leito nos hospitais, o que é não ter medicação, não ter um

profissional especializado. A covid-19 é devastadora, mas é mais uma pandemia que o periférico enfrenta", diz Renata.


A produtora - e, agora, socorrista - dorme há dois meses no centro de contingência de Paraisópolis e diz estar preocupada com a reabertura do comércio na cidade. "Isso que os números [de casos] divulgados não são reais, esse número é muito maior", comenta.


Não tinha nem que questionar se vai reabrir. Como passa três meses falando que não tem leito, todo dia atualizando o número de pessoas mortas, e vai falar em reabertura? Volta o comércio, mas não volta às aulas? Vai vender carro, mas e a creche? Não tem muita lógica.


'Não adianta reabrir sem ter feito a lição de casa'


Para Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis e coordenador nacional do G10 Favelas, a quarentena aconteceu em fases em Paraisópolis. No começo, conta, a população se preocupou. "Depois, houve um processo de 'ah, é uma gripezinha', essa coisa pegou, as pessoas saíam para a rua sem proteção. Agora, estão mais conscientes de que a situação vai se agravar."


Ele também teme pelas consequências da reabertura nas favelas. Em Paraisópolis, moradores relatam que alguns comércios funcionaram mesmo sob a proibição do governo estadual.

Ao passar pela avenida Hebe Camargo, na região, a reportagem viu bares abertos, com frequentadores em mesas de sinuca, e lanchonetes onde clientes comiam nos balcões — setores ainda proibidos de funcionar na capital.


O momento de reabertura é importante, as pessoas precisam trabalhar e estão tendo que escolher pela saúde ou pela comida. Mas não adianta ter feito reabertura sem lição de casa. O governo não fez a lição de casa. Sem isso, reabrir significa um aumento de morte, como a gente já sentiu. Pagar um preço tão alto com a vida das pessoas não é justo com a população, principalmente a mais carente.


Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis


Fonte: UOL

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