Você posta foto do prato? Entenda como a ‘alimentação performática’ está mudando nossa relação com a comida
- Portal Saúde Agora
- há 2 horas
- 4 min de leitura

Já pediu uma salada em um primeiro encontro quando, na verdade, queria mesmo era o hambúrguer? Muitos de nós comemos de forma diferente quando estamos perto de outras pessoas, muitas vezes sem perceber. Nossas escolhas alimentares mudam dependendo de quem está à mesa, de quem está nos observando ou de quem pode ver nossa comida se ela for compartilhada online.
Não se trata apenas de boas maneiras ou apetite. Especialistas estão cada vez mais interessados nas maneiras pelas quais as refeições não são apenas consumidas, mas também organizadas. Psicólogos e pesquisadores em nutrição chamam isso de "comer performativo".
O exemplo viral mais recente disso vem do TikTok, na forma do matcha performático. Esses vídeos mostram jovens bem-vestidos andando em público com uma bebida de matcha em uma mão e um livro na outra – supostamente para parecerem atraentes às mulheres.
O que é alimentação performática?
Alimentação performática refere-se à forma como escolhemos ou evitamos certos alimentos não com base no sabor ou na nutrição, mas no que acreditamos que isso significa para os outros. A comida pode ser uma ferramenta poderosa para sinalizar identidade e construir conexões.
As pessoas podem consumir certos alimentos para enviar uma mensagem sobre sua:
Saúde: ao optar por uma salada para parecer “disciplinado”;
Gênero: ao pedir um bife ou uma cerveja para parecer “masculino”, ou evitar uma sobremesa ou coquetel considerados “femininos”;
Moral: ao adotar uma alimentação à base de plantas, para enfatizar valores ambientais;
Estética: quando alguém monta refeições para que fiquem bonitas em publicações nas redes sociais
A forma como comemos é frequentemente moldada por influências sociais. Estamos conscientes de algumas dessas influências, como quando escolhemos certos alimentos para nos encaixar entre familiares ou amigos. Outras acontecem sem que percebamos.
O papel das redes sociais
A comida tem sido performática há centenas de anos (talvez mais) – basta lembrar dos hábitos luxuosos e decorativos das famílias reais.
As redes sociais ampliam muito essa dinâmica da alimentação performática. Plataformas como Instagram e TikTok estão repletas de conteúdo sobre comida, desde tigelas de smoothie elaboradas e criações com matcha até os virais vídeos de “o que eu como em um dia”.
Essas postagens não apenas entretêm – elas influenciam.
Os espectadores podem copiar as refeições, os estilos de vida ou até os valores de criadores que admiram. Assim, as redes sociais não apenas refletem tendências alimentares, como também ajudam a criá-las e reforçá-las.
A psicologia e a sociologia da comida
Como seres sociais, nossos hábitos alimentares são profundamente influenciados pelo modelamento social, no qual tendemos a espelhar o que e quanto os outros comem – especialmente quando gostamos deles ou nos sentimos semelhantes a eles.
Pesquisas mostram que saber quais comidas ou bebidas outras pessoas escolheram pode nos influenciar a fazer escolhas semelhantes. Também há indícios de que as pessoas geralmente comem mais quando estão com amigos ou familiares, em comparação a quando comem sozinhas. Isso sugere que a familiaridade e a conexão social desempenham um papel em quanto comemos.
Nossas escolhas alimentares também são moldadas por crenças culturais mais amplas, ou pelo que a sociedade diz ser “bom” ou “ruim”. Tendências online, como esposas “tradicionais” fazendo pão de fermentação natural, regimes de desintoxicação e dietas rigorosas como o frugivorismo, podem representar ideais de “pureza” ou disciplina, ou ainda o desejo de pertencer a uma comunidade específica.
O oposto também é visível na cultura popular, onde o excesso é celebrado. É o caso dos mukbangs – vídeos em que pessoas comem grandes quantidades de comida (geralmente pouco saudável) enquanto conversam com os espectadores. Originados na Coreia do Sul, os mukbangs se tornaram uma tendência global, com alguns vídeos ultrapassando 30 milhões de visualizações.
Pesquisas mostram que os mukbangs podem influenciar os hábitos alimentares dos espectadores. Uma revisão recente das evidências sugere que, para alguns, eles são úteis por encorajar uma alimentação mais regular e reduzir episódios de compulsão ou solidão. Mas, para outros, podem desencadear hábitos alimentares restritivos ou recaídas em episódios de “perda de controle” ao comer.
Quando isso se torna um problema?
A alimentação performática existe em um espectro. Às vezes, compartilhar certos alimentos pode ser positivo, como para se conectar com amigos ou familiares, ou para celebrar sua cultura.
Mas ela ultrapassa o limite quando o foco maior está em parecer de determinada forma para os outros. Essa influência é particularmente forte entre adolescentes e jovens adultos. Pessoas nessas faixas etárias ainda estão descobrindo quem são e onde pertencem, então a necessidade de se encaixar pode parecer muito importante.
Há uma série de possíveis consequências negativas da alimentação performática. Em casos mais extremos, pode levar a transtornos alimentares e preocupações com a imagem corporal.
Por exemplo, tentar manter uma dieta “perfeita” e socialmente aprovada pode se transformar em regras rígidas ou restrições que prejudicam a saúde mental e física.
A alimentação performática também pode reduzir o prazer de comer, já que as refeições passam a ser mais sobre espetáculo do que sobre momentos de nutrição ou prazer.
Além disso, pode levar a escassez ou pressão no abastecimento de certos alimentos, como já vimos em episódios de falta de matcha.
Um novo olhar para a alimentação
A alimentação performática nem sempre é prejudicial. Mas, se você acha que isso pode estar afetando sua saúde física ou mental de alguma forma, pode se fazer algumas perguntas:
Estou consumindo este alimento ou bebida porque gosto, ou porque serei visto de determinada forma por causa disso?
Peço o que realmente quero comer, ou o que acho que deveria pedir?
Que emoções sinto antes e depois de interagir com conteúdos sobre comida online?
Pais e cuidadores podem ajudar crianças a construir uma relação positiva e duradoura com a comida ao modelar hábitos saudáveis, evitar restrições alimentares e incentivar a autonomia na escolha dos alimentos.
Fonte: O Globo