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Terapia no cabeleireiro? Por que o salão de beleza tem sido eleito por clientes um bom lugar de desabafos emocionais

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A morte de um filho pode fazer com que uma mulher perca parte da sua identidade. Karine Carrijo Lima, de 30 anos, viveu isso ao perder o seu primeiro filho aos 9 meses de gravidez em janeiro de 2024.


— Foi um período muito traumático da minha vida. Meu bebê ia nascer na terça-feira, mas no domingo não conseguimos mais ouvir os batimentos cardíacos. E depois de tudo, eu não conseguia mais me reconhecer ao me olhar no espelho. Eu estava me preparando, até aquele momento, para a maternidade — relata.


O luto e essa crise de identidade de Karine perdurou por meses. Preocupado, o marido da influenciadora buscava um novo estímulo para ela e decidiu procurar a cabeleireira e visagista Gue Oliveira por e-mail.


— Ele me contou, mas não pensávamos que a Gue fosse responder. Quando veio a mensagem, pouco tempo depois, decidimos por algo que representasse um recomeço. Quando fui ao salão, mudei a cor do cabelo e, ao me olhar no espelho, foi como se surgisse um marco importante. Foi uma forma de tentar seguir em frente — conta.


Para ela, o momento serviu como um ponto de virada que mudou a forma como encarava a vida. Um ano depois, ela engravidou novamente e deu à luz a gêmeos.


— Ter optado por mudar meu cabelo foi importante para mim. Não foi só sobre o corte, foi sobre voltar a me enxergar — diz.


Há milênios, o cabelo pode representar momentos de mudança. Mas a ideia de auto expressão por meio dos fios, ligada à identidade, é mais moderna e tem ocupado um espaço cada vez maior nos salões, onde os cabeleireiros não apenas dominam a técnica da tesoura, mas também a arte de ouvir e dar conselhos às clientes.


Mudança de vida


Uma trend que se espalha cada vez mais por redes sociais como o Instagram mostra uma transformação do “antes” e “depois”. Nelas, além do pedido de corte ou mudança na cor dos fios, as clientes querem que a mudança reflita uma nova etapa em suas vidas. E os cabeleireiros agora são os influenciadores de estética, que fazem cortes com visagismo, e atuam muito além das tesouras e das tintas, mas no íntimo das pessoas.


— Tem uma frase da Coco Chanel que eu adoro: “uma mulher que corta o cabelo está prestes a mudar de vida”. Todos passamos por coisas grandes e difíceis. Quantas vezes Adriane Galisteu chorou na minha cadeira... O que importa é o jeito de dar o primeiro passo para uma mudança e, muitas vezes, cortar ou mudar a cor do cabelo representa isso — afirma o renomado cabeleireiro Marco Antônio de Biaggi, que tem 40 anos de carreira.


Conhecido por fazer transformações em madeixas de celebridades brasileiras, ele acredita que o atendimento precisou encontrar uma nova força, principalmente após a pandemia.


— Nós, como cabeleireiros, percebemos na volta à vida normal que tudo passou a importar mais no digital. E outra coisa que mudou bastante é que o salão de beleza precisa se tornar uma local de relaxamento. O cabeleireiro que não perceber essas duas coisas não vai conseguir chegar longe. As clientes não querem mais um salão muito barulhento, com 10 pessoas na cabeça dela. Além disso, com a calma do atendimento e da escuta, podemos compartilhar essas histórias nas redes sociais — aponta.


Para a psicóloga Julia Bittencourt, mudar o cabelo é uma maneira de representar de forma concreta uma decisão, uma fase que se encerra ou o início de um novo ciclo. O ato concreto pode funcionar como um ritual de transição, ajudando a pessoa a reforçar internamente uma nova etapa.


— Esse gesto pode representar o fechamento de um ciclo e a abertura para o novo, reforçando a ideia de que a pessoa está assumindo uma nova versão de si mesma — explica.


Denise Mitiko, cabeleireira e visagista de 43 anos, dona de um salão em Belo Horizonte, Minas Gerais, faz vídeos que chamam atenção por retratar mulheres acima dos 40 anos optando por transformações radicais.


— Há três anos, me redescobri através do meu próprio cabelo. Foi só depois de viver isso na pele que comecei a enxergar o quanto o cabelo carrega uma conexão emocional poderosa. Não é só sobre estética, é sobre identidade, fases da vida, coragem e verdade. E foi aí que passei a perguntar mais, escutar mais, entender o que motivava cada mulher a sentar na minha cadeira — conta Mitiko.


Conexões


A cabeleireira e visagista Gue Oliveira, que atendeu Karine após sua dolorosa perda em seu salão no Rio, também defende o “atendimento emocional”. Para ela, faz parte da profissão entender o rumo que o corte de cabelo dará para a história que se desenrola na vida da cliente.


— Não corto só pelo formato do rosto, corto pelo momento de vida. Quando a cliente sente que o corte representa algo real pra ela, o resultado vem com um brilho diferente. Ela se olha e diz: “era o que eu precisava agora”. E é isso que dá sentido pra mim. O cabelo é só o meio, o significado está no que acontece entre uma conversa e a tesoura. Como eu sempre digo: cabelo foi a desculpa que achei pra me conectar às pessoas — comenta.


Bittencourt aponta que, quando a cliente coloca em palavras o que está vivendo, consegue organizar melhor as experiências internas para dar sentido a elas.


— Por isso, combinar as duas coisas (cortar o cabelo e desabafar) é poderoso. Compartilhar a própria história cria vínculo e humaniza as relações. Quando uma pessoa se abre e divide suas vivências, ela não apenas organiza as próprias emoções, mas também se sente validada e compreendida — reforça Ana Lara Vilar, psicóloga clínica.


Assim, o salão representa um espaço amigável, majoritariamente feminino, onde as mulheres se permitem estar focadas em si mesmas e mais abertas. Os profissionais que sabem trabalhar esse lado humano acabam em uma condição propícia para aprofundar essa troca.


Segundo a psicóloga Marcela Ometto, pós-graduanda em neurociência e comportamento pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), é comprovado pela ciência que os humanos são seres biologicamente programados a pertencer, e esse pertencimento ocorre dentro das relações.


— O afeto constrói as relações. Em trocas afetuosas, respeitosas, acolhedoras e saudáveis, o nosso cérebro se sente conectado, seguro, amparado e mais capaz de processar emoções desagradáveis e passar por situações difíceis — ressalta.


Fonte: O Globo

 
 
 

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