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‘Socorristas e voluntários já estão com muitos sinais de burnout’, diz psicólogo gaúcho sobre equipes que atuam no RS




Durante pouco mais de duas semanas, as enchentes no Rio Grande do Sul, decorrentes das fortes chuvas que assolaram o estado, mobilizaram não apenas equipes de bombeiros e socorristas, como militares, profissionais da saúde, voluntários civis e muitos outros que foram convocados ou se sensibilizaram com a tragédia. Segundo a Defesa Civil, já são mais de 500 mil desalojados em 446 municípios, além de cerca de 150 mortos pelas inundações.


Uma preocupação de profissionais da saúde, que têm mobilizado estruturas de acolhimento, é o apoio psicológico às vítimas das enchentes. Porém, há um outro grupo que também já demonstra sinais de exaustão emocional, o que começa a receber um olhar atento de especialistas: as próprias equipes que atuam nos resgates e assistência às vítimas.


— Temos pessoas fazendo o resgate, reiterando as pessoas das suas casas, que foram diretamente expostas a situações muito traumáticas. E temos profissionais envolvidos no acolhimento nos abrigos, que estão envolvidas nesse atendimento aos sobreviventes. Em ambos os casos já vemos pessoas apresentando muitos sinais de exaustão, de desgaste emocional, de cansaço — conta o coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Christian Kristensen.


— Alguns porque foram muito demandados, até mesmo fisicamente, e outros porque estão sobrecarregados emocionalmente com tanto sofrimento. O burnout é esse desgaste emocional que as pessoas estão tendo, de exaustão. Até fadiga por compaixão, que é um termo que usamos muito nesse momento — continua.


Flávia Wagner, psicóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que tem atuado em abrigos de Porto Alegre, diz que essa de fato tem sido uma das principais preocupações. Ela conta que equipes de cursos da Saúde, assim como de Direito, Serviço Social, e outros da instituição, foram chamadas para oferecer assistência às vítimas. Mas que agora já existem até mesmo grupos prestando atendimento psicológico para os próprios voluntários que fazem o acolhimento.


— Para conseguirmos ajudar o outro precisamos estar bem. Mas muitos voluntários têm feito turnos seguidos, sem período de descanso. Alguns ficam direto nos abrigos. E sabemos que isso não se sustenta por muito tempo, esse esgotamento muito forte já está surgindo. Se fosse algo emergencial por dois, três dias, seria possível. Mas sabemos que levará mais tempo. E precisamos de voluntários em condições de acolher. Até porque muitos voluntários também perderam muitas coisas com as enchentes, estão passando por muitas dificuldades — diz.


Ela conta que atende pessoas sem condições de ajudar que relatam um sentimento de culpa, mas reforça que é importante também preservar o autocuidado nesse momento: — Mantermos na medida do possível nossas atividades normais para conseguir estar bem para ajudar, temos batido muito nessa tecla agora. É importante não passar dos seus limites.


Christian Kristensen acrescenta que, quando a situação estiver mais estabilizada, vai ser preciso lidar ainda com as consequências da exposição a situações traumáticas que, segundo ele, “são reconhecidas como um critério para um quadro possível de transtorno de estresse pós-traumático”:


— Vamos ter uma série de preocupações e medidas que precisarão ser tomadas com as pessoas que estão apoiando agora. Um transtorno de estresse pós-traumático é um transtorno em que ocorre uma exposição a um estressor que geralmente envolve ameaça à vida, à integridade física da pessoa, como a enchente, e isso vem acompanhado por reações que iniciam ou se agravam após o evento estressor primário.


Ele diz ainda que o transtorno se caracteriza especialmente quando a pessoa começa a ter problemas em quatro grandes dimensões. A primeira é o que chama de revivência, quando o indivíduo repete o ocorrido em sua cabeça na forma de pensamentos intrusivos, pesadelos, memórias indesejadas. Uma segunda dimensão é a evitação, quando ela faz recorrentemente esforços para não se lembrar do que aconteceu e, ao mesmo tempo, evita pessoas, lugares, tudo que seja associado àquela situação.


— Outra dimensão está ligada à alteração na cognição e no humor, a pessoa sente culpa, começa a pensar de forma muito negativa sobre si mesma e passa por alterações emocionais. Por fim, a quarta são mudanças de alerta e reatividade. A pessoa fica hipervigilante, tem dificuldade de dormir, de se concentrar. Quando isso se mantém por mais de 30 dias e causa sofrimento, começamos a falar no transtorno — continua Kristensen.


Fonte: O Globo

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