Aos 26 anos, Simone Biles impressionou o mundo da ginástica artística ao executar um novo salto nas classificatórias no Mundial da Antuérpia. A atleta executou um movimento tão difícil, que foi registrado com a maior pontuação no código da Federação Internacional de Ginástica (FIG). O movimento não a fez ganhar, dias depois, de Rebeca Andrade na final do salto, mas entrou para a história: foi batizado de Biles II. O espanto, no entanto, não é apenas pela performance em si. Biles havia ficado afastada de competições esportivas por dois anos. Em 2021, durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, a atleta desistiu de disputar quatro das cinco finais para as quais se classificou. Desde então, se dedicou a cuidar de sua saúde mental.
“Tive que me colocar em consideração por uma das primeiras vezes ao longo da minha carreira. Na maioria das vezes, sempre me coloquei em segundo plano, porque sempre me importei e pensei em todos os outros antes de mim. Eu estava tipo, ‘Quer saber? Eu tenho que fazer o que é melhor para mim, o que é seguro e o que é saudável para mim’”, revelou a atleta em um evento de lideranças do qual participou no ano passado. “Eu sei que muitas pessoas pensaram que eu falhei porque esperavam que eu saísse com cinco ou seis medalhas, mas sair (das Olimpíadas) foi minha maior vitória”.
Assim como a ginasta, o surfista Gabriel Medina fez parecido, ao anunciar no início do ano passado que não participaria das primeiras etapas da Liga Mundial de Surfe (WSL), no Havaí, alegando que precisa preservar sua saúde mental. Depois da pausa, Medina voltou mais forte. No início de setembro, o cantor Wesley Safadão fez uma pausa de algumas semanas em sua agenda de shows para tratar um transtorno de ansiedade.
Pausas desse tipo, no auge da carreira, não têm sido incomuns em diversas áreas de trabalho. Na maioria das vezes, elas são consequência de um esgotamento físico e psíquico. E de acordo com especialistas, tirar esse tempo é fundamental para cuidar da saúde mental.
— Pegando como exemplo a Simone Biles, ela provavelmente se viu soterrada em um excesso de demandas. E para que ela não precisasse renunciar a tudo o que construiu, porque poderia “pifar” publicamente, preferiu se afastar. E quando ela se afasta e volta desta forma, em alto nível, vemos que conseguiu preservar sua identidade profissional. Se ela fosse um pouco mais além, isso poderia ser rompido. E reestabelecer sua identidade profissional e a relação que se tem com o trabalho poderia ser mais difícil — avalia a psicóloga Patricia Bader, gestora dos Serviços de Psicologia Rede D'or São Luiz, em São Paulo, e diretora do núcleo Pró-Creare.
A especialista pontua que é normalmente esse rompimento que faz com que uma pessoa que passou por um evento traumático em seu ambiente de trabalho decida mudar radicalmente de profissão depois que restabelece sua saúde mental.
Quando o ambiente de trabalho é o motivo para o sentimento de exaustão e estresse, afastar-se dele — ou de quem dentro dele lhe faz tão mal — é parte importantíssima do tratamento. E isso tem se tornado cada vez mais comum. Nos últimos anos, levantamentos feitos por empresas de Recursos Humanos apontam que questões de saúde mental estão entre as três principais causas de afastamento por mais de 15 dias do trabalho.
— A orientação geral é afastar a pessoa do fator estressor. No caso da Biles, ela ficou de fora de competições, se recolheu e foi cuidar de si mesma. Em situações corporativas, por exemplo, quando a pessoa está sob uma chefia opressora, a orientação é que ela mude de local de trabalho. Além disso, dependendo do sintoma do paciente, ele pode precisar recorrer a medicamentos e psicoterapia — comenta Estevam Vaz, psiquiatra e psicanalista e autor do livro “Burnout: a doença que não existe”. Quais são os sinais de alerta da exaustão? Se sentir extremamente desmotivado, exausto e ineficaz no trabalho são alguns dos sinais de que é preciso dar uma pausa. Não é incomum que pessoas que tenham chegado ao limite relatem crises de choro a caminho do emprego ou sensação de incapacidade de atender demandas que antes eram realizadas sem grandes problemas.
Segundo Bader, em muitas relações trabalhistas os profissionais são demandados a entregar resultados “impossíveis”.
— Quando nós nos comprometemos com o impossível, o efeito disso é a impotência. E quem vai dar a medida daquilo que é impossível em um mundo em que se espera que você sempre atinja o impossível? Então, o sujeito se sente solitário, pois mesmo esgotado do ponto de vista psíquico, ele continua sendo demandado— pondera a psicóloga. Quando é o tempo ideal para voltar? Quanto tempo cada um leva para se reorganizar é algo pessoal e avaliado de caso a caso. — Tratamento e avaliação psiquiátrica é uma via de duas mãos. Esse tempo vai depender do contato que o médico tem com o paciente, se houve remissão dos sintomas e, sobretudo, se ela conseguiu viabilizar a saída daquele ambiente de trabalho. Quando a pessoa consegue a troca, normalmente o problema se resolve rapidamente — afirma Vaz.
Fonte: O Globo
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