Por que os filmes com cachorros nos emocionam e nos fazem chorar com tanta facilidade?
- Portal Saúde Agora
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Os filmes melodramáticos com cachorros ganham as bilheterias e o emocional das pessoas há anos. São inúmeros os exemplos, como "Marley e eu" (2008), onde o fofo golden retriever muda, para melhor, a vida de uma família; ou "Sempre ao seu lado" (2009), baseado em uma história real na qual o fiel cachorro espera o dono, já falecido, em frente a uma estação de trem por anos. Nos últimos anos houve ainda outros sucessos, como "Quatro vidas de um cachorro" (2017), "A caminho de casa" ou "Caramelo", estreia recente que vem chamando atenção do público na Netflix.
A recente produção nacional conta a história de Pedro, um chef de cozinha, interpretado por Rafael Vitti, que está prestes a realizar seu sonho de comandar seu próprio restaurante quando, em uma noite chuvosa, um cachorro caramelo (interpretado pelo dócil Amendoim) invade sua casa. O cão, além de se tornar um companheiro, o ajuda a superar desafios, como um diagnóstico que pode mudar sua vida para sempre.
Desde que estreou na plataforma, no dia 8 de outubro, a produção tem feito história e batido recordes. Ela registrou a melhor semana de lançamento de um filme brasileiro na história do streaming e entrou no top 10 de 90 países e territórios diferentes, tornando-se o título nacional de maior alcance na plataforma. Até meados de outubro, o longa havia conquistado mais de 15 milhões de visualizações.
A fórmula do sucesso não é mágica ou original, porém o que conquista é a brasilidade do filme, visto que o termo "vira-lata caramelo" se tornou popular como uma forma de chamar os cães sem raça definida no Brasil. Facilmente encontrado pelas ruas das cidades brasileiras, o animal virou um símbolo não oficial do país. Não à toa uma das perguntas que mais aparecem ao se tratar da produção é se o “cachorrinho morre no final”.
— Eu demorei para assistir porque não queria que o cachorro morresse no final. Só depois que eu descobri o desfecho dele é que eu tive coragem de assistir — afirma a psicóloga e psicanalista Fabiana Guntovitch.
Segundo a especialista, é justamente essa identificação com as experiências vividas pelo cachorro que faz com que esses filmes sejam tão emocionais e fáceis de chorar. O animal funciona como um espelho simbólico, uma personificação de tudo o que o ser humano precisa lidar, mas não consegue, como frustrações, desafios e relações humanas complicadas. Ele consegue escancarar as dores do ser humano que não são solucionáveis como, por exemplo, a finitude da vida e as injustiças.
— A nossa defesa despenca porque o cachorro é um amor seguro, confiável, no qual existe a certeza de que se você o tratar bem, ele vai te amar, não vai te abandonar, trair ou rejeitar, como outras pessoas fariam. É um vínculo muito profundo, um amor incondicional que, enquanto humanos, amaríamos experimentar e, por isso, não damos conta de ver esse amor morrer ou sofrer. A gente se vê diante da perda de valores inegociáveis como a perda da inocência, da lealdade, da justiça, crueldades implacáveis que acometem de um ser tão vulnerável quanto um cachorrinho — explica a psicanalista.
Essa projeção também é outro motivo do florescer emotivo diante dessas produções. Ao assistir a um filme com a presença de cachorros, os nossos neurônios espelhos são ativados e tendemos a sentir e vivenciar as emoções provocadas pelo cachorro.
— Quando se trata de cachorros, nossas defesas psíquicas são derrubadas. Nós podemos duvidar de um ser humano, de suas ações, emoções ou interesses. Se perguntar do porquê aquela pessoa está comigo ou ao meu lado, mas o cachorro não. Eles são leais, amorosos, bondosos, protetores, sem precisar de nada em troca. Não há por que temer ou duvidar de suas ações — explica a psicóloga Cristiane Moreira, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia.
Diante da impossibilidade de racionalizar essas emoções, vem a catarse. A liberação das emoções reprimidas por meio do choro. A ação que nada mais é do que uma resposta fisiológica e psicológica de autorregulação emocional, que nos ajuda a aliviar a tensão emocional e a restaurar a homeostase do corpo.
Segundo Guntovitch, as pessoas não estão mais acostumadas a se abrirem ou se permitirem a ser vulneráveis no dia a dia, mesmo diante de todas as dificuldades que enfrentam.
Socialmente, chorar ou se emocionar é significado de fraqueza e coloca em risco a percepção das pessoas sobre a nossa força e potência.
O filme com o cachorro nos coloca de encontro com emoções, sensações, conceitos e valores internos que não entramos em contato há muito tempo por conta dessas barreiras externas que criamos no dia a dia.
— Esse acúmulo, quando encontra o símbolo de amor incondicional, vulnerabilidade e inocência, na figura de um cachorro, é incontrolável e ele acaba se soltando. Surge um estado de vulnerabilidade autêntica. O filme nos oferece uma licença poética para o sentir de uma forma mais palatável socialmente — diz Guntovitch.
Liberação de ocitocina
Outro motivo para tanto chororô e emoção é a conexão criada entre humanos e cachorros vinda de milhares de anos de coevolução que deram aos cães maneiras especiais de sintonizar com as nossas vozes, rostos e até mesmo nossa química cerebral.
Os humanos e os cachorros quando cruzam o olhar, mesmo que de leve, conseguem liberar ocitocina, ou hormônio do amor, como é conhecido popularmente. Um estudo conduzido pelo Mahattanville College, em Nova York, por exemplo, mostra que os donos de cachorros são mais felizes e conscientes do que os donos de gatos e, uma boa parte disso, devido à liberação dessa substância.
Outro estudo de 2016, transmitido pela emissora britânica BBC, mostra que os cachorros são os animais que mais amam os seus donos, em comparação com outros animais. Os cientistas analisaram o índice de ocitocina em gatos e cachorros ao interagirem com seus donos. Eles coletaram amostras de salivas de dez felinos e dez caninos em duas ocasiões — dez minutos antes dos jogos e depois do fim das brincadeiras.
O nível do hormônio, um indicador de felicidade, cresceu, em média, 57,2% nos cachorros, e apenas 12% nos gatos.
— Esse amor é como eles proporcionam um bálsamo no nosso coração. É um amor quentinho — resume a psicanalista Fabiana Guntovitch.
Os cachorros podem não ser capazes de ler nossas mentes, mas certamente conseguem se conectar emocionalmente de uma forma que poucos outros animais conseguem — seja nas grandes telas ou na vida real.
Fonte: O Globo


