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Para especialistas, vermífugo reduz carga viral, mas não diminui mortes nem sintomas graves de Covid


 
 

Especialistas ouvidos pelo G1 afirmam que o vermífugo nitazoxanida, anunciado pelo governo federal como capaz de tratar a Covid-19, não atende aos objetivos principais do tratamento, como redução dos desfechos graves e risco de morte, apesar de reduzir a carga viral.


Na segunda-feira (19), o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, informou que uma pesquisa coordenada pela pasta mostrou que o medicamento apresentou resultados positivos no tratamento precoce de pacientes com Covid-19. O ministro, no entanto, não deu detalhes.

Nesta sexta-feira (23), um artigo do estudo foi publicado. Os especialistas ouvidos pelo G1 fizeram uma análise da publicação. "O objetivo principal do estudo, reduzir mortes e sintomas graves da Covid-19, não foi alcançado. Foi apresentado apenas um objetivo secundário, de que o medicamento é capaz de reduzir a carga viral. Isso, na prática, não resolve o problema do coronavírus", afirmou o epidemiologista Paulo Lotufo. Redução da carga viral De acordo com a publicação, a nitazoxanida reduziu a carga viral em pacientes com sintomas leves e diminuiu a febre em pacientes no início do tratamento.

O virologista Anderson Brito, do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, explica que a carga viral é uma medida aproximada da quantidade de vírus em uma amostra extraída do paciente.

"Essa medida é feita medindo-se a quantidade de material genético do vírus por mL", diz. "Em casos graves, há estudos mostrando uma associação entre carga viral e risco de morte. Não é esse o caso desse estudo, que focou em casos leves da Covid", explica Brito. "A nível de tratamento da Covid, o benefício do uso da droga para ser muito baixo. Como são indivíduos com casos leves, essa redução na carga viral não traria grandes reflexos a nível de transmissão da doença", conclui o virologista. Hospitalizações e sintomas graves O infectologista Alberto Chebabo, avalia que o medicamento não foi capaz de reduzir hospitalizações nem sintomas graves. "O artigo não demonstrou que a nitazoxanida seja capaz de reduzir risco de morte ou desfechos graves, como necessidade de oxigênio e evolução para respirador mecânico. Apenas diminuiu a ocorrência de febre e baixou a carga viral. Isso é muito pouco para a gravidade da doença", afirma Chebabo. "É um trabalho bem feito, que mostra que o medicamento tem uma atividade antiviral, que foi a de reduzir a carga viral, mas não sabemos o que isso quer dizer na prática, precisa de mais investigação. Não dá para afirmar que diminuiu risco de contágio somente por diminuir carga viral e que não precisa mais fazer isolamento", explica Chebabo.

O artigo com os resultados foi publicado em versão pré-print na plataforma medRxiv e segue em avaliação por uma revista científica. O estudo foi coordenado pela pesquisadora Patricia Rieken Macedo Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), que participou da cerimônia do governo federal de divulgação da pesquisa. 'Não justifica uma produção em massa' Questionado se faz sentido, de acordo com o demonstrado no artigo, o nitazoxanida entrar para o protocolo de tratamento da Covid-19, Chebabo afirma que não, e compara o medicamento com o antiviral remdesivir.

"Os efeitos apontados no tratamento com nitazoxanida são mínimos, não justifica uma produção em massa e adoção em tratamentos. Porém, tem atividade antiviral, então pode ser mais estudado", diz. "A título de comparação, é muito melhor que cloroquina, que é cara e não tem efeito. Ou, então, podemos comparar com o remdesivir, que tem algum efeito, mas não tem impacto nos casos graves e em diminuição de mortes", compara Chebabo. Brito também compara a droga com o remdesivir.

"O que se está tentando fazer é adaptar uma droga existente para tentar identificar algum efeito positivo, como o que se tem feito com o remdesivir, desenhada para o vírus Ebola, e que tem sido usada contra o SARS-CoV-2, porém com efeitos muito marginais, não é a bala de prata", explica Brito.

"Não é como o Tamiflu, por exemplo, que foi criado do zero, especificamente para interferir no ciclo viral do vírus da gripe", ressalta o virologista. Gráfico 'ilustrativo' sem dados Na segunda-feira (19), o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, junto com o presidente Jair Bolsonaro, anunciaram a conclusão do estudo em questão e apenas disseram, sem mostrar dados, que o medicamento apresentou "resultados positivos". Sem dar detalhes dos resultados ou apresentar a íntegra do estudo, o governo informou que os testes clínicos com voluntários mostraram que o medicamento reduziu a carga viral quando foi tomado em até 3 dias depois do início dos sintomas.

Segundo o governo, o trabalho havia sido submetido para a análise de uma revista científica e, por isso, o ministério não podia dar detalhes dos resultados.

Durante o anúncio, o governo apresentou um vídeo que mostra a trajetória da pesquisa. Nele, os organizadores exibiram um gráfico sem dados, idêntico ao disponível no serviço de banco de imagens ShutterStock.

As imagens são exibidas quando o narrador afirma que "a missão dada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação foi cumprida" e "o resultado comprovou de forma científica a eficácia do medicamente na carga viral." Procurado pelo G1, a assessoria de imprensa do MCTIC informou que "o gráfico usado no vídeo apresentado no evento de anúncio dos resultados dos ensaios clínicos com a nitazoxanida não faz parte dos dados do estudo e aparece apenas de forma ilustrativa". Medicamento com receita A nitazoxanida é um medicamento utilizado no país pelos nomes comerciais Azox e Annita e faz parte do grupo dos antiparasitários e vermífugos. O remédio também tem ação antiviral e é receitado em casos de rotavírus.

Para evitar automedicação, a droga passou a ser vendida apenas com prescrição médica em abril deste ano. Entretanto, uma decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de 1º de setembro retirou a exigência de retenção da receita.

O medicamento contendo nitazoxanida, disponibilizado comercialmente, não tem a indicação para o coronavírus, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 1,5 mil voluntários Segundo o ministro Marcos Pontes, mais de 1.500 voluntários de sete cidades do Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro participaram do estudo clínico. Eles foram divididos em dois grupos: um tomou a nitazoxanida e o outro tomou um placebo. Segundo o governo, o grupo que recebeu o medicamento, um vermífugo, apresentou diminuição da carga viral.

“Ele [nitazoxanida] é de baixo custo, não tem efeitos colaterais importantes” afirmou Pontes. “A nitazoxanida não pode ser usada para fazer prevenção [da Covid-19]”, complementou o ministro. O presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michele Bolsonaro, participaram da cerimônia de apresentação das primeiras conclusões da pesquisa.

“Houve uma redução significativa da carga viral neste grupo”, afirmou a coordenadora geral do estudo, Patrícia Rieken Macedo Rocco, chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Fonte: G1

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