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Pandemia isola Províncias argentinas do resto do país e impede pai de dizer adeus a filha doente



Após dirigir 12 horas entre a Patagônia, no extremo sul da Argentina, e a Província de Córdoba, o argentino Pablo Gustavo Musse foi informado que não podia entrar no território cordobês, dentro de seu próprio país.


Musse foi barrado depois que dois testes rápidos para covid-19 deram resultados duvidosos. Não estava claro se ele tinha ou não o novo coronavírus. Na dúvida, a equipe do posto policial e da vigilância sanitária o fez voltar para casa.

Mas Musse tentava visitar a filha, Solange, internada em Córdoba, que acabou morrendo sem se despedir do pai. "Nosso carro foi acompanhado pela polícia de Córdoba e, depois, pelas polícias de cada Província por onde passamos até a porta de casa, em Plottier, na Província de Neuquén, na Patagônia. Não nos deixaram parar nas lojas de conveniência na estrada sequer para ir ao banheiro", recorda Musse à BBC News Brasil.

Novos exames apontaram que ele e a cunhada que o acompanhava não tinham coronavírus. Quando conseguiu a autorização da Justiça para ver a filha, ela já tinha morrido. Agora, conta, está apelando à Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Justiça local contra o que chamou de "perda da liberdade, direito de ir e vir e direito de se despedir da filha". Numa carta aberta, Solange escreveu antes de morrer que sentia "impotência" pelo que seu pai tinha passado e afirmou que "até o último suspiro tenho meus direitos". O caso de Solange chamou atenção para as "ilhas" — ou "vários países" — que se formaram dentro da Argentina na pandemia. São fragmentações territoriais, ou fronteiras internas, que surgiram a partir da tentativa de se bloquear a expansão do coronavírus.

Nesse sistema, que começou quando a quarentena foi instalada há seis meses, no dia 20 de março, municípios, Províncias e governo federal aplicaram medidas para colocar um freio na mobilidade urbana — por terra e por ar — e assim tentar conter o vírus.

Mas agora as medidas geram polêmicas, apesar de o país estar entre os que menos óbitos por Covid-19 registra por milhão de habitantes, segundo levantamentos internacionais.

São várias histórias de argentinos "ilhados" (ou 'varados'), desde então, dentro da Argentina. Algumas trágicas como a de Solange, que ocorreu no mês passado, e a de um motorista que morreu em um acidente, quando tentava driblar uma barricada de areia instalada entre as Províncias de San Luís e Córdoba, em junho.

"O problema é que o vírus circula em Córdoba", disse o governador de San Luís, Alberto Rodríguez Saá, justificando as barricadas de areia na estrada. Isolada longe de casa Existem também histórias de quem viajou de férias no próprio país e há quase seis meses não consegue voltar para casa. A dermatologista Stella Carrá, de 63 anos, e o marido, Norberto Landolfi, de 77 anos, contam que tentam retornar ao bairro portenho de Flores, em Buenos Aires, mas não há voos entre San Martín de los Andes, na região da Patagônia, onde foram passar férias, e a capital argentina.

Eles tinham marcado voo de volta para casa no dia 21 de março, um dia depois do início da quarentena, quando as restrições foram iniciadas.

"Nosso voo foi reprogramado várias vezes durante seis meses e meio e agora esperamos poder embarcar no dia primeiro de outubro. Estou a mil quilômetros da minha casa, sem poder trabalhar. Nossa única alternativa era voltar dirigindo 25 horas sem parar e com autorização especial que o governo concedia. Somos idosos", diz Carrá, falando de San Martín de los Andes, ao lado de Bariloche.

Assessores do Ministério dos Transportes dizem que os voos internos dependem das autorizações dos governadores.

"Há governadores que não autorizam voos ou ônibus de longa distância porque não querem correr o risco de entrada do coronavírus", explicam à BBC News Brasil. E acrescentam que famílias já voltaram, de carro, para suas casas, após o preenchimento da autorização especial emitida pelo portal do governo federal.

A expectativa, segundo eles, é que os voos sejam normalizados em outubro, tanto os nacionais quanto os internacionais, mas a palavra final será do presidente Alberto Fernández.

A frequência dos voos internacionais dependerá, porém, das autoridades migratórias de cada país, que aceite ou não estrangeiros.

"Hoje, não há problema para viajar daqui para os Estados Unidos, mas sim para a Espanha, por exemplo. "Hoje, a Argentina realiza cerca de cinco voos internacionais diários - muito menos do que as centenas de antes da pandemia, e é permitida a entrada somente de quem é argentino ou viaja a trabalho e tem comprovações dos consulados de seus países, dizem os assessores. Existem outras situações inusitadas, internamente.

Como as dos donos de casas de veraneio em balneários argentinos que realizaram protestos, há cerca de dez dias, para poder entrar nas cidades onde estão suas residências de férias. No caso do Partido de la Costa, a cerca de 400 quilômetros do centro de Buenos Aires, os veranistas receberam a autorização para passar entre três e quatro dias no local. A preocupação das autoridades, nesse caso municipais, é com a expansão do vírus e a capacidade do sistema de saúde.

Na semana passada, a Suprema Corte de Justiça pediu informações a pelo menos cinco Províncias, entre elas Córdoba e San Luís, sobre estes controles internos dentro do país. Os pedidos foram feitos a partir de ações protocoladas por argentinos, incluindo empresas e produtores rurais, que se sentiram afetados em seus direitos de ir e vir ou de transportar mercadorias.

"Mesmo depois do que aconteceu, continuam surgindo casos tristes de gente que não pode visitar seus parentes nem na despedida. Isso não é correto", diz o pai de Solange.


Fonte: G1

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