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Morte encefálica: quem pode fazer o diagnóstico?

Atualmente, médicos de todas as especialidades podem fazer o diagnóstico de morte encefálica. Há dois anos, ser neurologista não é mais um pré-requisito, tendo sido substituído por capacitação ou experiência prévia. Esta foi uma das mudanças trazidas pela resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de 2017, [1] que, com força de lei, atualizou as diretrizes para o diagnóstico de morte encefálica.

Dr. Glauco Westphal

A resolução do CFM instituiu pré-requisitos e procedimentos, assim como a necessidade de comprovação de experiência ou de capacitação específica dos médicos.

“Logo após a resolução houve um grande movimento, de diferentes entidades, oferecendo cursos de capacitação. Até junho de 2019 havia quase 4.000 médicos capacitados” nos diferentes estados brasileiros, disse o Dr. Glauco Westphal, médico intensivista e presidente do comitê de doação de órgãos para transplantes da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib).

O Dr. Glauco é autor de um trabalho destinado a divulgar o tema entre os intensivistas. [2] “Antigamente, apenas o neurologista era considerado capacitado, mas a Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM, que tinha quatro neurologistas como membros, entendeu que essa não é uma prerrogativa exclusiva da neurologia, mas de qualquer médico que tenha experiência com pacientes neurológicos graves que possam evoluir com morte encefálica. Sem dúvida, isso facilita a realização do diagnóstico.”

O médico destacou que a preocupação do CFM com a segurança é demostrada pela obrigatoriedade de pré-requisitos, que podem, em tese, prejudicar o diagnóstico caso não sejam seguidos. A exigência abrange exames complementares que, em alguns países, são facultativos ou reservados a situações de dúvida.

A equipe deve registrar no prontuário do paciente uma análise sobre a situação, e justificar as medidas adotadas para a correção das alterações que possam confundir o quadro. O relatório do diagnóstico reúne o registro de todos os procedimentos realizados em um único documento.

“Ao ser documentado em um formulário específico por cada um dos médicos que participa do diagnóstico, os dados devem ter correspondência no prontuário. Além disso, todo o processo é acompanhado desde o início pela central de transplante de cada estado. Há rastreabilidade desde o primeiro momento”, afirmou o Dr. Glauco.

Capacitação

Os profissionais que realizam o diagnóstico de morte encefálica são indicados pela direção técnica de cada hospital, e nenhum deles pode participar da equipe de remoção e transplante.

Para ser considerado capacitado para realizar o diagnóstico, o médico precisa ter no mínimo um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma, e ter acompanhado ou realizado, pelo menos, 10 determinações de morte encefálica ou ter concluído treinamento específico em algum programa que atenda as normas determinadas pelo CFM.

Durante o processo de diagnóstico da morte encefálica são exigidos dois exames clínicos, que devem estar a cargo de dois médicos diferentes. É indicado que um deles seja especialista em medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. Todavia, no caso de indisponibilidade de especialistas capacitados, o procedimento pode ser concluído por qualquer outro médico que esteja capacitado, portanto, não existe mais o pré-requisito de especialidade, mas sim de experiência ou treinamento específico.

A capacitação permite padronizar os procedimentos e mitigar a possibilidade de falhas no processo. Uma pesquisa realizada antes da publicação da resolução pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) [3] avaliou a capacitação de 174 médicos que trabalhavam em unidades de terapia intensiva (UTI) pediátricas ou não, unidades coronarianas e em serviços de emergência da região. Quase a metade (45%) teve dificuldades de seguir os critérios diagnósticos, 90% indicaram que a própria formação acadêmica era insuficiente e uma proporção significativa considerou ter um baixo nível de confiança para explicar o conceito de morte encefálica para os familiares.

“Constatações como essa reforçam a necessidade e a importância dos cursos de capacitação”, avaliou Dr. Glauco.

A capacitação é um curso teórico-prático com duração mínima de oito horas das quais quatro são discussão de casos clínicos, que permite não apenas aprender sobre os pré-requisitos e a metodologia para a determinação da morte encefálica, mas também sobre a conduta posterior, incluindo a comunicação com os familiares.

Procedimentos

Morte encefálica é definida como perda completa e irreversível das funções cerebrais. Os procedimentos para determinar este diagnóstico são realizados em todos os pacientes em coma profundo ou com ausência de reflexos supraespinhais e apneia persistente, que atendam aos pré-requisitos, que são: presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar morte encefálica, ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte encefálica e tratamento, e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, o período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas.

Outros pré-requisitos são: temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) > 35 °C, saturação arterial de oxigênio > 94% e pressão arterial sistólica ≥ 100 mmHg ou pressão arterial média ≥ 65 mmHg para adultos – para menores de 16 anos há uma tabela com valores de referência para diferentes idades.

Para determinação da morte encefálica, é obrigatória a realização de pelo menos dois exames que confirmem de forma inequívoca a existência de coma não perceptivo e a ausência de reatividade supraespinhal manifestada pela ausência de tosse e de reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico. O intervalo mínimo entre os dois exames clínicos varia conforme a faixa etária

O teste de apneia deve confirmar ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios. Nas situações clínicas que cursam com ausência de movimentos respiratórios por causas extracranianas ou farmacológicas, é vedada a realização do teste de apneia até a reversão da situação. Em caso de lesão pulmonar grave, são sugeridas alternativas ao teste de apneia.

O laudo dos exames complementares, comprovando de forma inequívoca a ausência de perfusão sanguínea encefálica, de atividade metabólica encefálica ou de atividade elétrica encefálica, deve ser feito por um médico especialista no método em situações de morte encefálica. Os exames complementares obrigatórios no Brasil são opcionais em outros países, que os realizam apenas em caso de dúvidas, ou quando outros exames não são possíveis – por falta de ambos olhos, dano timpânico bilateral ou impossibilidade de completar o teste de apneia.

Comunicação

A família deve receber a informação clara, inequívoca e atualizada sobre cada passo do processo. A equipe médica assistente do paciente ou, na sua impossibilidade, a equipe de determinação da morte encefálica, deve informar a situação crítica do paciente desde o início, e falar sobre o significado da morte encefálica.

“A comunicação com a família é um tema muito pouco explorado ao longo da formação médica, e a importância do treinamento para uma comunicação adequada é muito grande. Não conheço outros documentos dessa natureza que enfatizem a importância da comunicação adequada com os familiares, dando ênfase no fato de esta família precisar ser acolhida. Talvez seja um dos pontos mais fortes da resolução”, disse o Dr. Glauco.

O diagnóstico preciso e oportuno da morte encefálica, juntamente com uma explicação adequada sobre a condição do paciente para os familiares dele pode evitar o prolongamento do sofrimento familiar e do próprio paciente. O processo agora também é mais ágil. O intervalo mínimo entre as avaliações clínicas, que anteriormente era de seis horas (para maiores de dois anos), agora é de uma hora, e a indicação de fazer o exame complementar a qualquer momento (e não apenas no final do protocolo) também reduz o tempo.

Mais agilidade reduz os custos de intervenções desnecessárias e aumenta o fornecimento de órgãos de transplante. Estima-se que um dos motivos da baixa adesão à doação de órgãos é a dificuldade dos médicos em seguir o protocolo de morte encefálica. [4]

“De modo geral, a resolução teve um efeito bastante positivo. O avanço em termos de segurança, não pode ser quantificado, mas é uma inferência baseada na obrigatoriedade do atendimento a alguns pré-requisitos, assim como na capacitação do médicos”, concluiu o Dr. Glauco.

Alguns aspectos controversos da versão inicial da resolução do CFM foram ajustados nestes dois anos desde a sua publicação em pareceres específicos emitidos pela Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM. Eles se referem a um critério técnico muito específico, relacionado com o teste de apneia, e a um dos exames complementares.

“A partir de algumas discussões, foram realizadas correções na redação da resolução e as controvérsias foram sanadas.”

O Dr. Glauco Westphal informou não ter conflitos de interesses relevantes.

Fonte: Medscape

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