Gripe aviária: é seguro comer ovos e frango? Qual o risco para a população? Especialistas respondem
- Portal Saúde Agora
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O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou, ontem, o primeiro caso de gripe aviária em granjas comerciais do Brasil. Desde que o vírus da influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) foi detectado no país, em maio de 2023, o agente estava restrito a aves silvestres.
De acordo com a pasta, o caso foi identificado num estabelecimento em Montenegro, município do Rio Grande do Sul. Medidas de contenção previstas no Plano de Contingência Nacional do Setor Saúde para Influenza Aviária foram tomadas, como o abatimento dos animais para evitar a disseminação do vírus.
Segundo a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação gaúcha (Seapi), as autoridades atenderam a suspeita da doença no último dia 12, e amostras coletadas foram encaminhadas ao Laboratório Federal de Diagnóstico Agropecuário, em Campinas, São Paulo, que confirmou a gripe aviária.
Abaixo, entenda em 10 perguntas e respostas o que é a gripe aviária, qual o risco da sua identificação na avicultura brasileira e quais as chances de ela provocar uma nova pandemia entre humanos.
1. O que é gripe aviária?
A gripe aviária diz respeito a um conjunto de cepas do vírus influenza que geralmente circulam entre aves, mas causam casos esporádicos em outras espécies. No Brasil, foi detectada pela primeira vez em maio de 2023 em aves silvestres. Porém, segundo informações do Mapa, não há novos focos da doença entre esses animais desde julho do ano passado.
2. A gripe aviária infecta humanos?
Não existe registro de disseminação da gripe aviária entre humanos. No entanto, pessoas são contaminadas esporadicamente devido ao contato com o animal infectado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2003 até o fim do ano passado foram registrados 939 casos humanos de gripe aviária em 24 países, dos quais 464 evoluíram para a morte (49%).
3. Qual o risco hoje para a população brasileira?
— A transmissão para os humanos é esporádica e ocorre principalmente pelo contato de pessoas que têm ocupação no manuseio, no contato com esses animais, que têm um risco moderado. Mas para a população geral esse risco é muito baixo — reforça a virologista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Helena Lage, que trabalha na resposta à gripe aviária no Brasil.
Rosana Richtmann, médica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, explica que seria preciso que o vírus passasse por alguns processos evolutivos para conseguir se disseminar entre pessoas:
— Nós não somos bons para esse vírus, não temos receptores para ele. Então primeiro teria que haver um contato maior entre o humano e as aves, por isso que as pessoas que trabalham nesses locais estão sob maior risco. E, uma vez que o humano tenha esses casos, o vírus precisaria de mutações para poder ser transmitido de pessoa para pessoa.
Mas o temor de que isso aconteça e desencadeie uma nova pandemia tem crescido, já que a expansão do vírus entre espécies e países favorece a ocorrência das mutações que podem o levar a ter uma maior afinidade com os seres humanos.
— Um caso de coinfecção de gripe aviária com H1N1, que é o vírus que está circulando hoje entre humanos, por exemplo, é um risco porque a mesma pessoa com esses dois vírus pode funcionar como um "laboratório" para que eles se combinem e criem pequenas mutações. Daí sim teríamos uma gripe aviária que se adaptou a humanos — cita Rosana.
Por isso, ela explica que as medidas mais importantes agora são as do uso do equipamento de proteção por trabalhadores que atuam com o manuseio desses animais. Além disso, indivíduos que tiveram contato com aves doentes e que manifestem sintomas gripais devem procurar ajuda imediatamente.
Para a população geral, algo positivo que a infectologista sugere é garantir a vacinação contra a gripe humana, disponível nos postos de saúde, para reduzir o risco desse cenário de coinfecção.
4. Há risco no consumo de frango ou ovos?
O Mapa reforça que a doença não é transmitida pelo consumo de carne de aves nem de ovos, “não havendo qualquer restrição ao seu consumo”. Além disso, o vírus foi detectado em um lote de matriz comercial, ou seja, em aves criadas para reprodução, que não têm o destino direto para o consumidor.
— Não há risco no consumo nem de frango nem de ovos, a transmissão através da ingesta é extremamente rara e depende de uma manipulação inadequada, um cozimento inadequado, algo muito difícil de acontecer — diz a infectologista do Emílio Ribas.
5. A gripe aviária infecta outros animais?
Uma preocupação sobre o momento atual da gripe aviária é que, desde 2022, uma versão do patógeno chamada de H5N1, identificada pela primeira vez ainda em 1996, tem ganhado tração e chegado a novas espécies de mamíferos, como leões-marinhos na América do Sul, furões na Europa e gado leiteiro nos Estados Unidos.
Nos EUA, principal ponto de atenção hoje, o patógeno infectou vacas leiteiras pela primeira vez em março do ano passado e, até o último dia 12, já são 1.065 rebanhos afetados em 17 estados. Além disso, o país acumula 70 casos em humanos, 41 deles em trabalhadores rurais expostos ao gado, e uma morte.
Um estudo publicado na revista Science, conduzido pelo Departamento de Agricultura dos EUA, concluiu que o surto entre o gado começou depois de um único evento de transmissão de uma ave selvagem que contaminou um boi ou uma vaca no Texas em meados de 2023.
6. Qual o risco para outros animais de criação no Brasil?
Helena, da USP, explica que o vírus tem circulado mais em aves silvestres, que têm sido as grandes disseminadoras para outras espécies. Casos em outros animais de criação são mais raros, como o surto americano no gado. Entre porcos, por exemplo, há poucos registros e que têm sido esporádicos.
— O foco agora é a eliminação e a erradicação da doença, incluindo a limpeza, desinfecção do galpão e depois uma depopulação dessa granja afetada. Isso só reforça a necessidade que temos de mantermos a biosseguridade, que são medidas importantes que as granjas precisam implementar, e que vêm implementando, para que o vírus não se dissemine para outros estabelecimentos — diz.
Rosana explica ainda que o maior risco é a disseminação para outras aves, pois elas são facilmente contaminadas e excretam o vírus pelas fezes. Como voam, podem espalhá-lo por um raio de distância muito grande.
7. Quais medidas estão sendo tomadas?
Segundo o Mapa, o Brasil realizou a comunicação oficial aos entes das cadeias produtivas envolvidas, à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), aos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, bem como aos parceiros comerciais do Brasil. Segundo a Seapi, o Serviço Veterinário Oficial do RS (SVO-RS) isolou a área em Montenegro e abateu aves restantes para que seja iniciado o protocolo de saneamento da granja.
“Será conduzida uma investigação complementar em raio inicial de 10 km da área de ocorrência do foco, e de possíveis vínculos com outras propriedades. A mortalidade de aves no Zoológico de Sapucaia do Sul, que está fechado para visitação, também foi atendida e a Seapi aguarda o resultado do sequenciamento”, continuou a secretaria, comentando sobre uma suspeita de foco próximo à granja.
As medidas estão previstas no Plano de Contingência Nacional do Setor Saúde para Influenza Aviária, documento lançado no ano passado pelo governo federal que estabelece as responsabilidades nos âmbitos federal, estadual e municipal em caso de uma emergência pela doença.
De forma contínua o Brasil também realiza o monitoramento de aves silvestres, a vigilância epidemiológica na avicultura comercial e de subsistência, o treinamento constante de técnicos dos serviços veterinários oficiais e privados, ações de educação sanitária e a implementação de atividades de vigilância nos pontos de entrada de animais e seus produtos no país.
8. A vacina contra a gripe protege contra a gripe aviária?
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Flávia Bravo explica que as doses contra a gripe humana disponíveis hoje nos postos de saúde não são eficazes contra a versão aviária:
— A versão do vírus Influenza não é a mesma. As cepas da gripe aviária ainda são muito restritas às aves e têm diferenças para a da Influenza humana, que é o alvo da vacina.
9. Existem vacinas para a gripe aviária?
Existem algumas vacinas antigas aprovadas para uso em caso de emergência e outras em desenvolvimento. Nos EUA, a Food and Drug Administration (FDA) já aprovou três imunizantes destinados à cepa H5N1 da gripe aviária desde 2007. As doses foram criadas por farmacêuticas que também produzem a vacina contra a gripe humana: CSL Seqirus, GSK e Sanofi.
Elas não podem ser comercializadas para o público geral, apenas adquiridas pelo governo para o estoque no caso de um surto. Há ainda novas doses em desenvolvimento, como uma pela Moderna de RNA mensageiro, a mesma tecnologia utilizada na dose para a Covid-19.
Países como EUA e as nações da União Europeia estão mais avançados na criação de estoques para caso o vírus provoque uma pandemia humana. Mas a Finlândia foi o primeiro país a de fato oferecer a dose à população, ainda em junho do ano passado, quando passou a imunizar trabalhadores que têm contato com animais.
10. O Brasil tem vacinas?
No Brasil, nenhuma dose tem aprovação da Anvisa, mas, em abril do ano passado, a agência criou regras para o registro e atualização de vacinas pré-pandêmicas contra a gripe aviária. Segundo a norma, as empresas podem protocolar o registro de doses que apenas precisem ser atualizadas na hora de uma eventual emergência sanitária.
Neste ano, o Ministério da Saúde anunciou uma parceria com o Instituto Butantan para a fabricação e o acesso a uma vacina contra a gripe aviária para humanos em desenvolvimento na instituição paulista. De acordo com a pasta, a capacidade produtiva será superior a 30 milhões de doses anuais, o que poderá permitir a criação de um estoque estratégico para o caso de um surto.
A dose começou a ser desenvolvida ainda no começo de 2023 e já foram conduzidos os testes pré-clínicos (em laboratório com animais). Agora, o instituto aguarda a liberação da Anvisa para o início dos estudos clínicos, com humanos.
— Quando acontecer a transmissão entre humanos e de forma sustentada teremos um problema grande, como foi com o surto de H1N1, que ficou conhecido como gripe suína. Quando isso acontece, temos o risco de pandemia porque é um vírus novo para a população, não temos um arsenal imunológico para brigar com ele. Por isso, existem essas estratégias para bloquear com rapidez o vírus caso isso aconteça — afirma Flávia, da SBIm.
Fonte: O Globo
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