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Doença coronariana crônica em debate: dois casos clínicos

Doença coronariana crônica foi o tema do debate realizado em agosto durante o 2º Simpósio Internacional de Cardiologia da Rede D’Or São Luiz no Rio de Janeiro.

A partir da apresentação de dois casos clínicos, especialistas discutiram como utilizar o cardápio de exames na estratificação do risco na evidência de isquemia miocárdica; uso de métodos invasivos para avaliação da gravidade anatômica e funcional da estenose coronária; revascularização anatômica versus funcional; doença coronariana multiarterial em diabéticos; tratamento otimizado; e uso de ácido acetilsalicílico.

Primeiro caso clínico

O Dr. João Luiz Fernandes Petriz, cardiologista da Rede D’Or do Rio de Janeiro, apresentou o primeiro caso clínico:

  1. Mulher de 64 anos com hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e dislipidemia, apresenta dor retroesternal há dois anos ao fazer grandes esforços – com melhora em repouso. A dor é intermitente, porém, quando presente é incapacitante. A paciente não tem história de eventos cardiovasculares.

  2. Ela está em uso de atenolol (50 mg/dL), ácido acetilsalicílico (100 mg/dL), atorvastatina (20 mg/dL), metformina (2g/dL) e enalapril (20 mg/dL).

  3. Ao exame físico, apresenta-se eupneica com ectoscopia normal; pressão arterial (PA) 120 × 70 mmHg, frequência cardíaca (FC) 75 batimentos por minuto (bpm); saturação de oxigênio (SO2) de 95%; e índice de massa corporal (IMC) 22 kg/m2. Sem sinais de congestão pulmonar ou edema periférico, ritmo cardíaco regular (RCR) B4, pulso normal e boa perfusão distal.

  4. Os exames laboratoriais mostraram clearence de creatinina (ClCr) = 80 mg/dL; colesterol = 204 mg/dL; LDL = 120 mg/dL; HDL = 50 mg/dL; e triglicerídeos = 170 mg/dL.

  5. A equipe fez ecocardiograma seguido por cintilografia miocárdica com dipiridamol. O primeiro exame revelou função do ventrículo esquerdo preservada, hipocinesia inferior (basal e médio), hipertrofia ventricular esquerda leve e disfunção diastólica tipo I. Já a cintilografia mostrou hipoperfusão transitória nos segmentos ínfero-lateral (médio e basal), inferior (médio e basal) e ápex cardíaco. A carga isquêmica foi estimada em 11%.

  6. O cateterismo (cinecoronariografia) realizado em seguida revelou artéria coronária direita (ACD) dominante com oclusão no terço inicial; artéria descendente anterior (ADA) com lesões de 70% no terço proximal e 70% no terço médio; primeiro ramo diagonal com lesão de 70% no óstio; artéria circunflexa (ACX) com lesão de 90% no terço proximal; circulação contralateral de grande intensidade da ADA e ACX ACD e circulação intracoronariana discreta na ACD. O Syntax Score foi de 23,8.

  7. O fluxo fracionado de reserva do miocárdio (FFR) confirmou a gravidade das lesões e a equipe decidiu fazer revascularização completa. A paciente evoluiu bem, teve melhora na qualidade de vida, conseguindo inclusive voltar a praticar atividade física regular.

O Dr. Luis Felipe Cicero Miranda, cardiologista do Hospital Copa Star e do Instituto Nacional de Cardiologia (INC), ambos no Rio de Janeiro, lembrou que o diagnóstico de doença arterial coronariana inicialmente envolve eletrocardiograma, ecocardiograma, bioquímica, radiografia de tórax, avaliação da função ventricular e probabilidade pré-teste. Na sequência, é feita a estratificação de risco e a avaliação funcional invasiva.

Com relação à intervenção, o Dr. Luis Felipe lembrou que dados da literatura mostram que a medida de rotina do FFR em pacientes com doença coronariana multiarterial sendo submetidos à intervenção coronariana percutânea com stents farmacológicos reduz a mortalidade, a incidência de infarto agudo do miocárdio (IAM) não fatal e a repetição da revascularização em um ano. [1] No entanto, o médico explicou que ainda faltam evidências com relação ao benefício da avaliação funcional na revascularização cirúrgica.

O palestrante apresentou dados de um estudo publicado este ano que comparou diferentes abordagens para orientar a intervenção coronária percutânea: FFR versus imagem intravascular (ultrassom intravascular, ultrassom intracoronário – IVUS e/ou tomografia de coerência óptica, OCT) versus padrão (guiada apenas por coronariografia). Os resultados mostraram que as abordagens de imagem funcional e intravascular têm desempenhos semelhantes em termos de resultados clínicos, mas ambas superam a estratégia padrão. [2]

Segundo caso clínico

O médico cardiologista, Dr. Carlos Dornas, do Hospital do Coração do Brasil, no Distrito Federal, apresentou o segundo caso clínico:

  1. Homem de 68 anos com diabetes tipo 2, hipertensão, hipertrigliceridemia, obesidade e história de IAM em 2018 que foi gerenciado por tratamento clínico. Em avaliação ambulatorial, referiu dor torácica anginosa de início há cerca de 30 dias (CCS 2) com piora do limiar de angina há sete dias (CCS 3).

  2. Ele utilizava losartana (50 mg duas vezes/dia), gliclazida (60 mg/d), metformina (500 mg duas vezes/dia), atorvastatina (40 mg/d), ciprofibrato (100 mg/d) e ácido acetilsalicílico (100 mg/d).

  3. Ao exame físico, apresentou ectoscopia sem alterações e sem sinais de congestão.

  4. IMC = 30 kg/m2; RCR; sem sopros; pulsos simétricos e amplos. FC = 75 bpm; PA = 160 × 80 mmHg; pulmões limpos; frequência respiratória = 14 incursões por minuto; SO2 = 96% em ar ambiente; e membros inferiores sem edema e com boa perfusão.

  5. Os exames laboratoriais revelaram: creatinina = 1,68 mg/dL (ClCr 54 ml/min) e glicemia de jejum = 285 mg/dL.

  6. A coronariografia mostrou Syntax Score de 12 e o ecocardiograma revelou hipocinesia da parede inferior e ínfero-lateral, FE 62%.

  7. Os especialistas lembraram que, diferentemente do caso anterior, o Syntax Score deste paciente foi classificado como baixo (< 22).

O Dr. Vinicius Esteves, cardiologista intervencionista do Vila Nova Star/Itaim/Morumbi, em São Paulo, defendeu a intervenção percutânea para o segundo caso: “creio que seja um triarterial com lesões passíveis de intervenção coronária percutânea; é possível fazer e com bons resultados desde que usemos todo o arsenal disponível”.

O Dr. Marco Antonio Praça Oliveira, cirurgião cardiovascular da Equipe Prof. Dr. Sergio Almeida de Oliveira, lembrou que não há uma conduta com 100% de concordância, sendo o mais importante a discussão individualizada de cada caso para que se chegue a um consenso.

“Neste caso específico, apesar de ser um paciente obeso e com diabetes descompensado, creio que conseguiríamos interná-lo, compensar o diabetes e fazer uma cirurgia. Meu medo é que se for tratado de forma totalmente percutânea, sabemos que, em longo prazo, principalmente no paciente descompensado diabético, o stent não funciona bem e aí terá de fazer mais outra angioplastia posterior. Ele poderá sofrer pequenos infartos ao longo do tempo, e sua função pode ir deteriorando. É provável que retorne daqui a alguns anos, mais velho, com pior função, ou seja, com um quadro exigindo cirurgia. Será um paciente muito pior para operar do que na fase anterior. Uma alternativa seria um híbrido, porém, como é muito obeso, a mini-incisão ficaria bem grande”, ponderou.

O Dr. Rafael Alves Franco, cardiologista do Hospital São Luiz, Unidade Itaim, e do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, que também foi moderador da sessão, lembrou que as diretrizes europeias de 2018 indicam especificamente que, nos pacientes trivasculares, a questão do diabetes surge como um divisor de águas.

“Neste cenário, a cirurgia é classe I e a angioplastia é classe III com um Syntax maior que intermediário (> 22), mas com um Syntax baixo pode ser classe IIB”.

Sobre o tratamento otimizado da doença arterial coronariana, o médico fez analogia com uma pirâmide, na qual a base está relacionada com as medidas não farmacológicas, como dieta saudável, atividade física regular, controle do peso e cassação do tabagismo.

“O segundo andar da pirâmide diz respeito ao tratamento farmacológico da doença arterial coronariana com antiplaquetários (ácido acetilsalicílico ou clopidogrel)”, afirmou, lembrando que, na prevenção primária, não há evidências quanto ao benefício da aspirina, inclusive em populações de risco, como diabéticos e idosos: “Neste cenário, o ácido acetilsalicílico é um medicamento em decadência, mas, no contexto da doença crônica, no qual o segundo caso clínico se encaixa, todas as diretrizes recomendam o ácido acetilsalicílico como classe I e nível de evidência A, então definitivamente o ácido acetilsalicílico não está em decadência no cenário de doença crônica”, afirmou.

Por outro lado, no cenário da síndrome coronariana aguda em sujeitos submetidos à angioplastia ou com indicação anticoagulante associado, explicou o Dr. Rafael, “desde o final da década de 80 sabe-se que o ácido acetilsalicílico reduz a mortalidade, e o tratamento com inibidor P2Y12 sempre foi o padrão. Entretanto, a redução dessa combinação tem sido cada vez mais comum e sempre a droga a ser retirada foi o inibidor P2Y12; estratégia que mostrava que os pacientes tinham os mesmos desfechos de eficácia e de segurança. No entanto, estudos publicados recentemente mostram que a suspensão do ácido acetilsalicílico em vez do P2Y12, manteve eficácia e reduziu sangramento, mostrando que talvez o ácido acetilsalicílico deva ser suspenso quando passa o período mandatório”.

Por último, o médico lembrou que, no caso de pacientes que têm indicação de anticoagulantes, o estudo AUGUSTUS mostrou que ácido acetilsalicílico combinado com anticoagulante e inibidor P2Y12 é um marcador de risco de sangramento sem proporcionar nenhum benefício adicional relacionado com a  prevenção. “Nesse cenário, talvez o ácido acetilsalicílico esteja começando a entrar em decadência”, destacou.

Fonte: Medscape

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