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Doença coronariana aguda: dois casos clínicos

O atendimento ao paciente com doença coronariana aguda traz algumas questões relevantes, por exemplo, como interpretar a troponina ultrassensível dentro e fora do contexto da dor torácica, em quais pacientes utilizar antiagregantes plaquetários e até quando, e como, abordar o paciente com doença multiarterial.

Estas e outras questões foram discutidas por especialistas durante o II Simpósio Internacional de Cardiologia da Rede D’Or São Luiz, realizado em agosto no Rio de Janeiro.

Primeiro caso clínico

O cardiologista Dr. Bruno Bandeira, do Hospital Caxias D’Or, apresentou o primeiro caso clínico.

Um homem de 70 anos, com diabetes tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemia, obesidade e história de asma procurou atendimento no pronto-socorro devido à uma dor torácica tipo B (possivelmente anginosa) que havia começado há dois dias e cujo o último episódio ocorreu seis horas antes da busca por atendimento.

O paciente fazia uso de ramipril (10 mg/d), anlodipino (5 mg/d), sinvastatina (20 mg/d), ácido acetilsalicílico (100 mg/dL), metformina (2 mg/d), insulina glargina (30 U/d), salmeterol + fluticasona.

O paciente estava assintomático na admissão, negou dor torácica ou dispneia. Ectoscopia sem alterações, pulsos amplos e simétricos. A pressão arterial (PA) era 210 × 100 mmHg, frequência cardíaca (FC) = 80 batimentos por minuto (bpm), saturação de oxigênio (SO2) em ar ambiente = 94%, peso = 85 kg e índice de massa corporal (IMC) = 33,2 kg/m2. Ritmo cardíaco regular B4VE, sem sopros, discretos sibilos bilaterais em ápices ao final da expiração, eupneico em repouso. Pulsos um pouco reduzidos em membros inferiores, mas com boa perfusão distal.

Os exames laboratoriais revelaram troponina = 0,5 ng/mL, peptídeo natriurético tipo B (BNP, sigla do inglês,B-type natriuretic peptide) de admissão = 170 pg/dL, creatinina = 1,7 mg/dL, hemoglobina (Hb) = 11,5 g/dL, HBA 1C = 8,5%. Os outros exames não apresentaram anomalias.

A radiografia de tórax não revelou sinais de congestão. Já o ecocardiograma mostrou função global do ventrículo esquerdo preservada, HVE (1.2/1.2), discreta hipocinesia anterolateral, disfunção diastólica grau 1 e ectasia da aorta ascendente.

O médico do pronto-socorro interpretou a troponina positiva como indicativo de síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST) de alto risco. O escore GRACE foi de 90. O médico solicitou cateterismo precoce (< 6 horas).

O cateterismo foi realizado três horas após a admissão do paciente e revelou: tronco da coronária esquerda (TCE) sem lesões; artéria descendente anterior com lesão de 90% no terço proximal e bom leito distal; artéria circunflexa (CX) com irregularidades; diagonalis com lesão de 80% proximal; coronária direita com lesão moderada distal e ventriculografia com contratibilidade normal. Nenhuma lesão com aspecto instável.

O grupo optou por fazer angioplastia da artéria descendente anterior e ramo diagonalis, com implante de stent farmacológico em cada. O procedimento obteve sucesso angiográfico. Para a coronária direita, o paciente recebeu ácido acetilsalicílico (AAS).

O Dr. Andre Feldman, cardiologista do Hospital São Luiz nas unidades Anália Franco e São Caetano e do Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, foi o moderador da sessão. O médico explicou que ao comparar os exames de troponina cardíaca padrão com a troponina de alta sensibilidade, se observa que a troponina de alta sensibilidade mostra menor especificidade e maior acurácia. Este exame apresenta maior valor preditivo negativo para infarto agudo do miocárdio (IAM). Além disso, os níveis de troponina de alta sensibilidade devem ser interpretados como marcadores quantitativos de dano e aumento e/ou queda dos níveis diferenciam danos agudos nos cardiomiócitos de dano crônico.

O Dr. Andre lembrou ainda que, quando um paciente com SCASSST é classificado como de muito alto risco o procedimento invasivo deve ser imediato, mais especificamente, em até duas horas. Já no paciente de alto risco a equipe tem até 24 h para investigar a anatomia.

Segundo caso clínico

O Dr. Bruno Ferraz, do Hospital Barra D’Or, apresentou o segundo caso da sessão.

Homem com 76 anos de idade, hipertenso e diabético, sem acompanhamento regular. Procurou a emergência com quadro de dor torácica em aperto, intermitente, que piorava ao fazer esforço e que havia começado na noite anterior. Ele buscou atendimento porque houve piora do quadro, com dor intensa.

O paciente fazia uso de ácido acetilsalicílico (100 mg), enalapril (10 mg/d), atenolol (25 mg/d) e metformina (1.500 mg/d). História de ataque isquêmico transitório (AIT) há dois anos. Negou etilismo e/ou tabagismo.

Durante o exame físico, estava acordado, orientado, sudoreico, com leve taquipneia em ar ambiente. PA = 110 × 80 mmHg, FC = 110 bpm e SO2 = 88%.

Murmúrio vesicular universalmente audível (MVUA) com crepitações finas bibasais, ritmo cardíaco regular (B3), sem sopros.

Os exames laboratoriais revelaram: Hb = 10,4, hematócrito = 30,8%; plaquetas = 158 mil; ureia = 88; creatinina = 2,1; sódio = 144; potássio = 4,8; proteína C reativa (PCR) = 2,4; troponina = 1,22; e BNP = 480.

Como a sala de hemodinâmica estava ocupada com uma angioplastia complexa, a equipe optou por administrar 300 mg de ácido acetilsalicílico + de 75 mg clopidogrel e realizar trombólise, o que resultou em melhora discreta da dor e do supra de ST. No entanto, o paciente manteve-se com sinais de insuficiência cardíaca, evoluindo com choque cardiogênico.

Neste momento, a sala de hemodinâmica já estava liberada. O paciente apresentava várias lesões. Então foi feita uma angioplastia de descendente anterior + balão intra-aórtico e o paciente teve boa evolução. Foi realizada também uma angioplastia de artéria marginal, sem intercorrências.

O ecocardiograma posterior mostrou disfunção sistólica grave do ventrículo esquerdo e o eletrocardiograma com rimo sinusal, zona inativa anterior extensa, bloqueio do ramo esquerdo com QRS 150 ms.

No quarto, ele se cansava aos médios esforços, negava palpitações e tolerava decúbito. Nesse caso, o cardiodesfibrilador implantável (CDI) foi uma opção.

O Dr. Luiz Alberto Mattos, [cardiologista] da Rede D’Or São Luiz de São Paulo e do Hospital Esperança Recife, em Pernambuco, que também moderou a sessão, comentou que o estudo STREAM mostrou que, quando não há possibilidade de intervenção coronária percutânea primária, a fibrinólise pré-hospitalar com angiografia coronária oportuna resulta em reperfusão efetiva em pacientes com IAM com elevação do segmento ST. “Não há diferenças com relação à mortalidade”, lembrou.  

[O médico] destacou que, em pacientes com IAM supra ST e choque cardiogênico, a meta é revascularizar rápido, seja com angioplastia, fibrinolítico ou mesmo cirurgia. “Tempo é músculo; organizar a logística é o desafio”, destacou, e lembrou que intervenção coronária percutânea deve ser feita preferencialmente nos primeiros 120 minutos.

Sobre quando e como tratar o paciente multiarterial com IAM, o Dr. Luiz explicou que estas são questões que ainda não foram totalmente resolvidas. Dados do estudo CULPRIT-SHOCK  são favoráveis à não intervenção simultânea de múltiplos vasos, mas sim à abordagem isolada da artéria principal. “Tratar apenas a artéria culpada e completar a revascularização prévia à alta hospitalar é a recomendação vigente”, disse.

Quanto ao balão intra-aórtico, segundo o moderador, é recomendado em pacientes com defeitos mecânicos associados, mas não é mais uma rotina nos outros casos. “Quanto pior a fração de ejeção, menor o benefício do balão intra-aórtico”, afirmou, acrescentando: “Stents coronarianos são para todos, mas balão intra-aórtico e CDI, só em casos específicos.”

Fonte: Medscape

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