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Como preconceito na medicina dificulta que mulheres cuidem da saúde mental


 
 

Pessoas com transtornos mentais sofrem preconceitos de toda natureza, resultando em exclusão social, o que pode aumentar ainda mais seu estado de vulnerabilidade. Os distúrbios são minimizados e, infelizmente, o estigma pode acabar afastando os indivíduos do tratamento, causando sofrimento e dor para pacientes e familiares. No caso das mulheres, entretanto, há relatos de que os próprios profissionais de saúde invalidam suas queixas.


É cientificamente comprovado que os transtornos mentais, como depressão e ansiedade, são mais prevalentes no gênero feminino. A depressão, por exemplo, atinge duas vezes mais as mulheres do que os homens. O fator hormonal é um dos elementos biológicos, assim como o genético, mas questões ambientais e sociais podem estar relacionadas a tal vulnerabilidade.


"Nas mulheres, a depressão pode se manifestar com sintomas somáticos de dores crônicas, fadiga, aumento do apetite e alterações gastrointestinais. Muitas procuram clínicos que acabam sugerindo que elas 'não têm nada', invalidando as queixas e o sofrimento", diz Amaury Cantilino, vice-coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental da Mulher da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).


Segundo ele, homens deprimidos apresentam irritabilidade, agressividade, abuso de substâncias e comportamento de risco em decorrência da depressão, e os médicos tendem a considerar esses sintomas mais significativos e dignos de atenção.


"Na psiquiatria, trato muitas mulheres grávidas e puérperas. Muitas delas reclamam que os profissionais de saúde, de forma geral, tendem a minimizar os seus sintomas ansiosos e depressivos, como se avaliassem que são bobagens e que o tratamento para tanto é opcional", complementa Cantilino.


Na opinião de Maila Castro Lourenço das Neves, professora do Departamento Saúde Mental da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), existe um machismo que permeia a sociedade brasileira e influencia a forma como as mulheres são vistas. "Esse machismo enquadra as mulheres sob a ótica dos homens e influencia a interpretação de oscilações típicas do gênero feminino como fraqueza ou frescura. As próprias mulheres são afetadas por esse tipo de estigma tendo dificuldades em lidar com seus ciclos hormonais e se culpando sob uma visão machista e capitalista na qual o único valor se resume à produção de capital" diz.


Cantilino observa ainda que alguns médicos levam menos em consideração alguns efeitos colaterais que são mais incômodos para as mulheres. "Por exemplo, muitas delas referem que ganho de peso é um evento adverso relevante. Mesmo assim, saem com prescrições de medicamentos que aumentam o apetite. Parece mais difícil acontecer com os homens, que frequentemente se incomodam com a possibilidade de disfunção sexual como efeito colateral. Vejo que tanto os médicos quanto as médicas tendem a valorizar essa restrição colocada pelos homens na hora da escolha terapêutica", comenta.


"Bons profissionais não discriminam"


Falando em termos de gênero, Joel Rennó, diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do IPq-HCUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), primeiro serviço especializado no Brasil em psiquiatria da mulher, afirma ver preconceitos semelhantes enfrentados por homens e mulheres quando o assunto é buscar ajuda, principalmente quando é um psiquiatra.


"É fato que as mulheres, de uma forma geral, procuram mais ajuda psiquiátrica do que os homens e as questões culturais e de hábitos influem. É muito mais provável a mulher ir ao médico, fazer seus check-ups de rotina do que os homens. Geralmente, na minha prática clínica, os homens são levados por suas esposas e costumam chegar com quadros mais graves de depressão, ansiedade e dependência. Os homens, como grupo, podem achar que precisam ser fortes o tempo todo e comparam a doença mental a um sinal de fraqueza", diz Rennó, que também é um dos autores do livro "Tratado de Saúde Mental da Mulher".


Para ele, em um padrão ainda vigente de cultura machista, o estigma pode ser acentuado em algumas situações, mas os bons profissionais não discriminam. "Trabalho há 30 anos no Hospital das Clínicas, em São Paulo, com saúde mental da mulher. Todos os atendimentos são feitos 100% pelo SUS. Temos psiquiatras mulheres e psiquiatras homens no serviço e todos procuram acolher respeitosamente as dores psíquicas das pacientes, ouvindo-as sem pré-julgamentos. Isso sempre fez parte de nosso treinamento. O bom profissional da psiquiatria não pode deixar que seu sistema de crenças e preconceitos interfira nas suas avaliações", afirma.


Segundo Rennó, sem o devido acolhimento e respeito às dores da alma dessas mulheres, elas podem procurar ajuda tardiamente e ter uma doença mental crônica instalada com pior prognóstico.


A psiquiatra Neves concorda que o estigma e preconceito dos profissionais de saúde estão associados a não adesão ao tratamento pelas pacientes. "O que pode estar associada ao agravamento de quadros psiquiátricos com aumento da morbidade e mortalidade", diz.


De acordo com Rennó, qualquer mulher que não se sinta respeitada pelo médico no serviço público ou privado, e tenha dúvidas quanto ao diagnóstico, tem o direito de reclamar junto à ouvidoria do hospital ou da instituição onde foi avaliada e exigir uma segunda opinião. "O que não pode é se desanimar e desistir de procurar ajuda, porque isso terá uma repercussão negativa em vários aspectos de vida pessoal, familiar e profissional, e que podem levar a riscos muitos sérios".


Fonte: UOL


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