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Como orientar pacientes oncológicos sobre alimentação?

Seattle — Orientar os pacientes oncológicos sobre nutrição e tendências dietéticas por um lado é ciência, por outro é uma arte, segundo Kerry McMillen, coordenadora da Medical Nutrition Therapy no Seattle Cancer Care Alliance, nos Estados Unidos.

“É especialmente confuso para os pacientes que, em plena era da internet, podem encontrar provas de basicamente qualquer coisa, positivas ou negativas”, disse Kerry em um workshop no 2019 JADPRO Live, a reunião anual da Advanced Practitioner Society for Hematology and Oncology (APSHO).

Dieta cetogênica

Tomemos como exemplo a dieta cetogênica. A hipótese desta dieta é que os tumores dependem de glicose para atender suas demandas energéticas, e que diminuir os níveis de glicose no sangue pode matá-los de fome, explicou Kerry.

“Quer saber? O açúcar realmente alimenta o câncer, mas também alimenta todas as outras células do corpo, então não se trata apenas do açúcar”, disse a nutricionista.

“Sabemos que a relação entre o açúcar e o câncer está mais ligada ao metabolismo de regulação da glicose, e quando as pessoas têm hiperglicemia durante dias, isso aumenta a cascata metabólica do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 e altera o ambiente e como suas células se comportam.”

Não há nenhum ensaio clínico rigoroso fundamentando a eficácia da dieta cetogênica na oncologia, embora existam pesquisas em andamento. Além disso, esta dieta vai de encontro às recomendações do American Institute for Cancer Research (AIPC) para consumir frutas, vegetais e grãos integrais, e restringir o consumo de carne vermelha (que agora inclui porco e cordeiro) a não mais que 500 g por semana.

“Você realmente precisa pensar em como equilibrar as necessidades de sobrevivência com as dietas. Isso é algo a ser conversado com os pacientes”, observou Kerry.

“Se o paciente quer fazer a dieta cetogênica, é muito importante entender que ele não vai obter todas as vitaminas e minerais que obteria tendo uma alimentação saudável, de modo que você deve se certificar de que ele tome algum multivitamínico com minerais e sem carboidratos, contendo selênio, e que também tome cálcio e vitamina D”, recomendou. “E, recomendamos muito que o paciente seja encaminhado a um nutricionista, para que este possa ajudá-lo a compreender quais são as suas opções alimentares.”

Dieta alcalina

Outro tema sobre nutrição em voga entre os pacientes com câncer é a dieta alcalina. A hipótese desta dieta é que os tumores não crescem em um ambiente alcalino, de modo que aumentar o pH do sangue através de escolhas alimentares pode ser benéfico.

No entanto, “não existem fundamentos científicos sobre a possibilidade de alterar o pH do sangue”, disse Kerry, dado que o mecanismo de homeostase do organismo se dedica a evitar a alcalose (e a acidose).

“Trata-se na verdade de um golpe de marketing, tentando levar as pessoas a pagar muito caro por águas alcalinizadas e máquinas automáticas de água que irão curar o seu câncer porque você está alcalinizando o seu corpo”, afirmou Kerry.

“No frigir dos ovos, a promoção de uma dieta alcalina e água alcalinizada para a prevenção do câncer não tem fundamentos, nem se baseiam em evidências.”

Dito isto, acidentalmente os alimentos alcalinos incluem frutas, vegetais, nozes e lentilhas. “No meu consultório, eu digo para as pessoas que, se estiverem fazendo uma alimentação saudável e satisfazendo as suas necessidades calórico-proteicas, não tem nenhum problema comerem alimentos alcalinos, por serem alimentos saudáveis”, disse a nutricionista.

“É quando a alimentação começa fica restritiva a ponto de não contemplar adequadamente as necessidades calórico-proteicas, que o paciente começa a perder peso. Essa é a hora de começar a pensar na flexibilização da dieta”, acrescentou.

A opção do jejum

Os pacientes oncológicos têm feito cada vez mais perguntas sobre o jejum para reduzir os efeitos colaterais da quimioterapia ou conseguir perder peso. Aqui, existem evidências de benefícios para a saúde com o jejum intermitente, no qual simplesmente os pacientes se abstém de comer durante a noite.

“Existem estudos mostrando que o jejum intermitente de 12 horas, das 19 h às 07 h, ajuda a controlar a glicemia, diminuir os níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) e controlar o peso, e alguns dados mostraram que ajuda na sobrevida ao câncer de mama”, disse Kerry.

Em geral, os alimentos consumidos tarde da noite também costumam ser pouco nutritivos e hipercalóricos. “Nossas escolhas alimentares podem ser menos saudáveis quando estamos comendo de qualquer maneira”, observou a nutricionista.

“É importante quando as pessoas falam sobre jejum que nós investiguemos porque estão comendo naquele horário, e até mesmo algumas reduções ou simples modificações no que comem podem ajudar.”

Existem tipos mais extremos de jejum. Apesar de dados de pequenos estudos sugerirem que o jejum durante vários dias pode diminuir os efeitos tóxicos da quimioterapia contendo compostos de platina, existem diferenças acentuadas entre os tumores e os esquemas quimioterápicos, e ainda não foram feitos ensaios clínicos rigorosos. Além disso, pacientes com risco de perda ponderal (ou que já estão abaixo do peso normal) que optam por jejuar podem perder massa e função muscular.

“Atualmente, nos faltam evidências para poder recomendar o jejum de 24 horas ou de vários dias. Até termos um ensaio clínico randomizado e controlado, melhor e robusto, essa não é uma recomendação nutricional que corroboramos enquanto especialistas diplomados em nutrição oncológica”, resumiu Kerry.

Separando mitos de fatos

Para ajudar os pacientes com câncer a navegar nessas águas turvas, Kerry recomenda ter um nutricionista especializado em oncologia na equipe multidisciplinar, conscientizando os pacientes sobre prevenção, dando orientações de sobrevivência e direcionando-os para fontes de informação confiáveis.

“Algumas vezes, você pode encontrar um meio-termo e não entrar em grandes discussões sobre alguma crença profunda do paciente, porque isso pode alterar a relação paciente-nutricionista. Mas é importante que, como profissionais, sempre defendamos as últimas evidências”, sustentou Kerry.

“Primeiro conquiste a confiança do paciente, e então aborde o tema de forma objetiva e científica”, concordou Natalie Ledesma, nutricionista especializada na Smith Integrative Oncology, nos EUA, e nutricionista sênior no San Francisco Helen Diller Family Comprehensive Cancer Center da University of California.

“Quero que todo o meu trabalho seja baseado em evidências. De modo que tento deixar de lado as opiniões, a mídia e os modismos, e realmente procuro buscar o que sabemos, o que não sabemos e onde isso nos leva”, disse Natalie ao Medscape.

Quando os pacientes são inflexíveis em adotar algum tipo de alimentação que não tem embasamento, a primeira consideração é a segurança, que pode significar um monitoramento extra, continuou Natalie. Vale ressaltar que os nutricionistas devem ter o cuidado de não alienar os pacientes.

“Se ignorarmos ou formos veementemente contrários a algum tipo de dieta – não dá para fazer isso ou aquilo – os pacientes vão fazer o que quiserem”, disse Natalie.

“Assim é muito melhor para a nossa comunidade e para ajudar as pessoas através da nutrição ter uma postura aberta, mesmo se não estivermos necessariamente de acordo, para que essa porta não se feche”, advertiu Natalie. “Porque se o fizermos, eles simplesmente não vão nos contar, e isso pode trazer riscos e consequências negativas.”

Fonte: Medscape

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