Cheiro de dinheiro, de talco de bebê, comida: não é mito, veja como como os aromas do passado fazem bem pra saúde
- Portal Saúde Agora

- 6 de jul.
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Caminhando pelo meu bairro à noite, sou tomada pelos cheiros do verão: grama recém-cortada, hambúrgueres na grelha e um leve toque de cloro de piscina. Esses também são os aromas dos verões da minha adolescência e me lembram das noites de sexta-feira na piscina comunitária com meus amigos e nossas famílias reunidas em volta das mesas de piquenique entre um mergulho e outro. Essas memórias sempre me arrancam um sorriso.
Como psicóloga social, eu não deveria me surpreender ao sentir esse calor reconfortante. Minha pesquisa é focada na nostalgia: um anseio sentimental por momentos preciosos do nosso passado pessoal, e em como ela está ligada ao nosso bem-estar e à sensação de conexão com os outros.
Desencadeada por estímulos sensoriais como música, cheiros e alimentos, a nostalgia tem o poder de nos transportar mentalmente ao passado. Pode nos levar a ocasiões importantes, momentos de triunfo e, o que é fundamental, a instantes vividos com a família, amigos íntimos e outras pessoas significativas em nossas vidas.
Acontece que essa experiência faz bem para nós.
Como o conceito de nostalgia evoluiu
Durante séculos, a nostalgia foi considerada algo prejudicial à saúde. No século XVII, um estudante de medicina suíço chamado Johannes Hofer estudou mercenários nas regiões baixas da Itália e da França que sentiam uma saudade intensa de suas terras montanhosas. Ao testemunhar seu choro e desespero, ele cunhou o termo "nostalgia" e o atribuiu a uma doença cerebral. Outros pensadores da época ecoaram essa visão, que persistiu pelos séculos XVIII e XIX.
No entanto, os primeiros pensadores cometeram um erro: eles assumiram que a nostalgia era a causa dos sintomas desagradáveis. Pode ter sido o contrário. Experiências desagradáveis, como solidão e luto, podem despertar a nostalgia, que, por sua vez, ajuda as pessoas a lidarem de forma mais eficaz com essas dificuldades.
Hoje, os pesquisadores veem a nostalgia como uma experiência emocional predominantemente positiva, embora com um toque de melancolia, que serve como fonte de bem-estar psicológico. E, o mais importante, essa visão tem sido apoiada por pesquisas científicas.
Como a nostalgia inspira conexão e sentimento de pertencimento
A nostalgia traz muitos benefícios. Ela aumenta os sentimentos de otimismo e inspiração, e faz com que as pessoas tenham uma visão mais positiva de si mesmas. Quando alguém se sente nostálgico, tende a perceber sua vida como mais significativa.
Os benefícios sociais da nostalgia são especialmente bem documentados. Ela aumenta a empatia e a disposição das pessoas para ajudar os outros, seja se voluntariando em eventos comunitários ou fazendo doações para instituições de caridade.
Esse afeto por memórias antigas também fortalece os laços sociais com pessoas queridas, ao intensificar a sensação de que somos amados, conectados, protegidos e que podemos confiar nos outros. A nostalgia ajuda a fortalecer o senso de segurança nos relacionamentos íntimos e melhora a satisfação com esses vínculos.
Embora essa conexão com o passado seja uma experiência universal, ela também é profundamente pessoal. Os momentos pelos quais sentimos nostalgia e os estímulos que a despertam variam de pessoa para pessoa, dependendo das experiências de vida de cada um. No entanto, pessoas de uma mesma cultura podem compartilhar estímulos nostálgicos semelhantes. Em um estudo realizado em 2013, por exemplo, minha equipe descobriu que participantes norte-americanos classificaram o aroma de torta de abóbora com especiarias como o mais evocativo de nostalgia entre várias opções apresentadas.
O poder nostálgico dos aromas e dos alimentos
Em 1922, o romancista francês Marcel Proust escreveu sobre a força dos aromas e dos alimentos para despertar a nostalgia. Ele descreveu vividamente como a experiência de cheirar e comer um bolo embebido em chá o transportou mentalmente de volta à infância, às experiências com sua tia em sua casa e vila. Esse tipo de vivência é hoje frequentemente chamado de efeito Proust.
A ciência confirmou o que Proust descreveu. Nosso sistema olfativo, o sistema sensorial responsável pelo olfato, está intimamente ligado a estruturas cerebrais associadas às emoções e às memórias autobiográficas. Os cheiros se combinam com os sabores para formar nossa percepção do paladar.
Os alimentos também costumam estar no centro dos encontros sociais, o que os torna facilmente associados a essas memórias. Por exemplo, um churrasco de verão pode parecer incompleto para algumas pessoas sem fatias de melancia suculenta. E uma torta caseira de abóbora pode ser uma sobremesa essencial em muitas mesas no Dia de Ação de Graças. A melancia ou a torta podem, então, funcionar como o que a psicologia social chama de substitutos sociais: alimentos que representam relacionamentos valiosos por estarem presentes em ocasiões passadas com pessoas queridas.
Minha equipe de pesquisa e eu queríamos entender de que forma as pessoas se beneficiam ao sentir nostalgia quando reencontram os aromas e alimentos do seu passado. Começamos em 2011, expondo participantes do estudo a 33 aromas e selecionamos 12 deles para análise. Os participantes classificaram alguns cheiros, como o de especiarias de torta de abóbora e talco de bebê, como altamente evocativos de nostalgia, enquanto outros, como cheiro de dinheiro e cappuccino, foram considerados menos evocativos.
Aqueles que sentiram mais nostalgia ao cheirar esses aromas experimentaram emoções mais positivas, maior autoestima, maior conexão com suas versões do passado, mais otimismo, maior sentimento de conexão social e uma sensação mais forte de que a vida tem significado.
Chegamos a conclusões semelhantes ao estudar a nostalgia associada aos alimentos. Os alimentos pareceram estar mais fortemente ligados a esse sentimento do que os aromas ou a música, quando comparamos o nível de nostalgia relatado pelos participantes com os dados de pesquisas anteriores sobre cheiros e canções. Mais recentemente, descobrimos que alimentos nostálgicos são reconfortantes, e que as pessoas os consideram assim porque esses alimentos lhes trazem à memória momentos importantes ou significativos vividos com seus entes queridos.
Equilibrando benefícios e concessões
Embora a nostalgia possa estar associada a alimentos que devem ser consumidos com moderação, como hambúrgueres e biscoitos, existem outras formas de canalizá-la por meio da alimentação.
Podemos sentir nostalgia com alimentos saudáveis. Por exemplo, fatias de laranja me lembram o intervalo dos jogos de futebol na infância. E muitas pessoas, inclusive participantes das nossas pesquisas, sentem uma nostalgia intensa em relação à melancia. Outros pesquisadores identificaram que o tofu é um alimento nostálgico para participantes chineses.
Mas, mesmo quando a nostalgia envolve o consumo de alimentos menos saudáveis, ainda há maneiras de vivenciar essa emoção sem os impactos negativos à saúde. Descobrimos que os participantes experimentaram os benefícios da nostalgia evocada por alimentos apenas imaginando e escrevendo sobre eles: sem necessidade de consumi-los.
Outros estudos mostraram que desenhar alimentos reconfortantes também pode melhorar o bem-estar. Até mesmo consumir alimentos menos saudáveis com mais atenção e consciência ajuda as pessoas a aproveitarem melhor a refeição e a reduzirem a ingestão calórica.
Antes vista como algo prejudicial à saúde, a nostalgia agora nos oferece a oportunidade de colher diversos benefícios. Com os alimentos nostálgicos, talvez possamos nutrir tanto o corpo quanto a nossa saúde psicológica.
Fonte: O Globo






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