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Ações judiciais por Ozempic se concentram no SUS; alto custo e patente limitam acesso ao medicamento no Brasil

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A aposentada Solange, 58 anos, vive com diabetes tipo 2, obesidade e doença renal crônica em estágio 3. Depois de anos tentando controlar a glicemia com medicamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ela ouviu do médico que não podia mais usar metformina, o principal fármaco oral indicado pelo sistema público.


“O remédio do SUS me fazia inchar e engordar, o que também aumentava minha pressão. Foi com o Ozempic que consegui estabilizar a diabetes e perder peso”, conta.

Há um ano, Solange usa semaglutida (Ozempic), medicamento de aplicação semanal que ajuda a controlar o açúcar no sangue e, como efeito adicional, reduz o apetite e o peso corporal.


Segundo ela, os resultados são nítidos: “Antes eu tomava dois comprimidos de losartana [inibidor de pressão] por dia, agora tomo apenas um. A glicemia está controlada e até a função do rim melhorou.”


O tratamento, contudo, só começou após uma ação judicial. O processo ainda aguarda sentença, mas uma liminar garantiu o fornecimento. “Ela tem contraindicação comprovada aos medicamentos do SUS e apresentou laudos médicos e exames completos. São todos requisitos exigidos pela Justiça”, explica a advogada Luma Ponte, especialista em direito à saúde pública e suplementar.


SUS é réu em dois terços das ações por Ozempic


Casos como o de Solange são parte de um movimento crescente de pacientes que recorrem à Justiça para obter o medicamento. Um levantamento da Projuris, empresa de inteligência jurídica, analisou 445 ações judiciais distribuídas entre 2023 e maio de 2025 e apontou que 67,2% delas têm o SUS como réu — o que, na prática, inclui União, estados e municípios, conforme a responsabilidade pelo atendimento.


  • Outros 29,9% envolvem planos de saúde, e o restante foi movido contra pessoas físicas ou não teve parte ré identificada.


  • As doenças mais citadas nos processos são obesidade (28,5%), diabetes (24%) e casos combinados das duas (17,5%).



“O fato de quase 70% das ações recaírem sobre o SUS mostra que o sistema público concentra a maior parte da demanda, mas também há crescimento nas ações envolvendo a rede privada”, afirma Fernando Ribeiro, diretor de produto da Projuris.

Segundo o levantamento, 53% dos pedidos de liminar foram concedidos, permitindo que pacientes iniciassem o tratamento antes da sentença final.


METODOLOGIA: O levantamento analisou 445 ações judiciais envolvendo pedidos de Ozempic e semaglutida registradas entre 2023 e maio de 2025. Os casos fazem parte de um conjunto de processos públicos monitorados em tempo real pela plataforma, o que, segundo a empresa, permite traçar um recorte empírico e representativo de como o tema da judicialização desses medicamentos tem se manifestado no país.


Para identificar as ações, o Projuris utilizou uma solução de jurimetria baseada em mineração de dados, processamento de linguagem natural (NLP) e reconhecimento de padrões em textos jurídicos. A partir dessas técnicas, foi possível mapear automaticamente os temas predominantes, as partes envolvidas, os fundamentos jurídicos e os desfechos processuais.


A empresa explica que o estudo não busca estimar o total absoluto de processos no Brasil, mas oferecer uma análise de tendências com alto grau de confiabilidade, apoiada na recorrência dos padrões observados na amostra monitorada.


‘O remédio que o SUS oferecia sobrecarregava meu fígado’


A empresária Daniela Cortinovis, 52 anos, também recorreu à Justiça. Diagnosticada com diabetes, obesidade grau 3 e esteatose hepática, ela não podia usar medicamentos orais, que são metabolizados pelo fígado.


“Cada remédio que eu tomava aumentava a gordura no fígado. Com a semaglutida, reduzi quatro dos nove comprimidos diários, e a gordura diminuiu muito”, relata.

O processo foi aberto em 2021 e teve sentença favorável dois meses depois. “Na época, ainda havia resistência em aceitar que o pedido não era para emagrecimento, mas para controle clínico da diabetes. Foi preciso um laudo detalhado da médica explicando os riscos hepáticos”, afirma Daniela.


Desde então, a empresária relata melhora ampla: “Durmo melhor, tenho mais energia e o controle glicêmico melhorou muito.”


Por que a semaglutida é diferente


A endocrinologista Maria Clara Martins, que também é metabologista e nutróloga, explica que a semaglutida pertence à classe dos agonistas do receptor de GLP-1 (glucagon-like peptide-1), uma das terapias mais avançadas hoje para o controle da diabetes tipo 2.


“Ela ajuda o pâncreas a liberar insulina de forma mais eficiente e reduz a liberação do glucagon, o hormônio que aumenta o açúcar no sangue. Além disso, atua no sistema nervoso central, promovendo saciedade. É uma combinação de efeitos que nenhuma outra medicação oral do SUS consegue reproduzir”, afirma.


Segundo a médica, o medicamento tem impacto metabólico global, não apenas glicêmico. “Pacientes costumam apresentar melhora no peso corporal, na pressão arterial e até nos níveis de colesterol, com baixo risco de hipoglicemia.”


Os resultados vêm sendo observados em grandes estudos clínicos internacionais, que também investigam possíveis efeitos protetores para o coração e os rins. “Há evidências de que o uso prolongado de agonistas de GLP-1 pode reduzir o risco cardiovascular e desacelerar a progressão da doença renal crônica”, acrescenta Maria Clara.


‘É uma medicação completa’, diz endocrinologista da USP


Para a endocrinologista Maria Fernanda Barca, doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a semaglutida representa um marco no tratamento de doenças metabólicas.


“A metformina é eficaz e segura, mas muitos pacientes não a toleram por efeitos gastrointestinais. A pioglitazona, por sua vez, pode causar inchaço e ganho de peso. Já a semaglutida tem o efeito oposto: reduz a glicemia, desinflama os tecidos e melhora o metabolismo de gorduras e carboidratos”, explica Barca, que também é membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO).


A médica acrescenta que, ao reduzir a gordura visceral e hepática, a semaglutida contribui para prevenir complicações cardiovasculares e hepáticas. “Temos visto pacientes com melhora expressiva da esteatose hepática, que é hoje uma das principais causas de cirrose e transplante de fígado no mundo.”


Ela destaca, contudo, que o uso deve ser acompanhado por equipe médica.

“É uma medicação potente, que precisa ser associada à reeducação alimentar e atividade física. Quando usada corretamente, traz benefícios que vão além do controle da diabetes — é uma ferramenta de prevenção de doenças crônicas.”


Conitec rejeitou incorporação dos medicamentos ao SUS


Em entrevista ao g1, a advogada Luma Ponte afirma que o cenário atual revela um impasse. “De um lado, há pacientes que não respondem aos medicamentos do SUS; de outro, uma política pública que ainda não se adaptou ao avanço terapêutico. A judicialização surge nesse vácuo”, afirma.


“Há uma linha tênue entre o medicamento de luxo e o medicamento necessário”, diz Luma. “Para quem tem contraindicação e risco de complicações, o Ozempic não é estética, é sobrevivência.”

Em agosto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) deu parecer contrário à inclusão da semaglutida e da liraglutida na rede pública. O grupo técnico apontou o alto custo das medicações como principal entrave: o tratamento poderia gerar impacto de até R$ 6 bilhões em cinco anos.


Atualmente, as substâncias — presentes em medicamentos como Ozempic, Wegovy e Saxenda — permanecem restritas à rede privada. Os planos de saúde também não cobrem o tratamento e, assim como o SUS, mantêm como principal alternativa para obesidade a cirurgia bariátrica.

A decisão, à época, foi recebida com preocupação pela Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO).


“É uma pena, porque o SUS deixa de oferecer um tratamento eficaz para doenças crônicas graves como obesidade e diabetes, que estão ligadas a complicações cardiovasculares e renais”, diz Maria Fernanda Barca.


Segundo a médica, os análogos de GLP-1 já demonstraram benefícios que vão além da perda de peso. “Eles reduzem a inflamação dos tecidos e melhoram condições como gordura no fígado e até cognição em alguns pacientes. Ignorar isso pode gerar custos ainda maiores no futuro.”


O Ministério da Saúde, entretanto, afirmou que as decisões da Conitec levam em conta “as melhores evidências científicas disponíveis, abrangendo eficácia, segurança e custo-efetividade”.


Cenário futuro: genéricos podem reduzir preço


A farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, detentora da patente da semaglutida, deve perder a exclusividade da fórmula a partir de 2026 no Brasil.


A queda da patente pode permitir a entrada de versões genéricas e biossimilares, com potencial de redução significativa no preço do tratamento.


Especialistas avaliam que o cenário deve impactar o mercado e, futuramente, abrir novas possibilidades para o uso desses medicamentos na rede pública.


O Ministério da Saúde informou que trabalha, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a farmacêutica EMS, no desenvolvimento de canetas injetáveis nacionais à base de liraglutida e semaglutida, com o objetivo de reduzir custos e ampliar o acesso no país.

O g1 procurou o Ministério da Saúde, que não respondeu às perguntas da reportagem até o momento da publicação. O espaço segue aberto.


Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma que “não tem acesso direto às ações judiciais envolvendo planos de saúde, a menos que seja parte no processo. A agência destaca que acionar a Justiça é um direito constitucional e que respeita essa prerrogativa dos cidadãos”. Veja nota:


“Sobre a cobertura, a ANS esclarece que medicamentos como o Ozempic (semaglutida), de uso subcutâneo, não têm cobertura obrigatória na saúde suplementar, quando prescritos para uso domiciliar.


Pelas regras da Lei nº 9.656/1998, apenas os medicamentos antineoplásicos orais (para tratamento do câncer) e os indicados para o controle de seus efeitos colaterais têm cobertura obrigatória.


Caso a semaglutida seja prescrita durante internação hospitalar, a cobertura é obrigatória pelo plano, desde que o uso conste em bula aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).


A ANS também informou que não realiza o monitoramento da prescrição ou cobertura desses medicamentos pelas operadoras, já que a prescrição é atribuição médica e a agência não interfere na prática clínica.


Além disso, não há campanhas informativas próprias da ANS sobre o uso da semaglutida; ações educativas e de vigilância sanitária cabem a outros órgãos de saúde pública.”


Fonte: G1

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