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Saúde mental e risco de suicídio em jovens: resultados de pesquisa geram preocupação

Na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, um em cada cinco jovens adultos tem diagnóstico de pelo menos um transtorno mental aos 22 anos de idade. A ocorrência de mais de um transtorno mental é alta: dentre os indivíduos diagnosticados com transtorno mental, 23% apresentam dois transtornos e 14,3%, três ou mais.

Quase 1 em cada 10 adultos jovens (8,8%) apresenta risco de suicídio, risco que cresce com o número de transtornos mentais presentes, sendo que, entre os jovens com três ou mais transtornos mentais, o risco de suicídio é 10,7 vezes maior.

Esses novos dados [1] são de uma pesquisa de coorte feita com todos os nascidos em Pelotas em 1993. O estudo também mostrou que, dentre os jovens com ideação suicida, 60% têm um plano e 45% já tentaram se matar.

Os dados indicam uma prevalência de transtornos mentais de aproximadamente 20%. Considerando que foram avaliados apenas os transtornos mentais mais importantes ou significativos, e em muitos casos, somente a presença deles nos últimos 15 dias ou no último mês, esse resultado provavelmente é uma estimativa conservadora, disse ao Medscape o Dr. Luis Augusto Rohde, professor titular de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor da pós-graduação em psiquiatria na Universidade de São Paulo (USP), que participou do desenho e da análise da pesquisa em questão.

“A clara associação dos transtornos mentais com o risco de suicídio é um dado conhecido, e mais uma vez ele aparece em uma amostra da população brasileira. Talvez o dado mais importante aqui seja a carga acumulativa: quanto mais transtornos mentais uma pessoa tem, mais aumenta a chance de suicídio”, afirmou o Dr. Luis Augusto.

“Este trabalho é muito importante, porque nos faz pensar e nos obriga a agir”, disse ao Medscape o Dr. Antonio Egídio Nardi, psiquiatra, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Nacional de Medicina (ANM), que não participou da pesquisa.

O trabalho “apresenta dados que são únicos na pesquisa de saúde mental no Brasil. Os pesquisadores coletaram dados em uma população de mais de 3, 7 mil pessoas, e apresentaram um índice alarmante de transtornos mentais na jovem população estudada. As taxas são ainda mais preocupantes quando se observa que o risco atual de suicídio é de quase 9% dos indivíduos. Certamente o risco de suicídio é um problema “escondido” do público em geral por preconceito e tabus que dificultam a comunicação e a informação, e só falando sobre sua alta frequência e fatores de risco é que podemos prevenir”, disse o Dr. Antonio.

A pesquisa

Por meio de entrevistas de diagnóstico curtas e estruturadas, psicólogos capacitados aplicaram o questionário MINI 5.0 (Mini International Neuropsychiatric Interview) validado no Brasil [2,3,4] em 3.781 jovens da população urbana de Pelotas (300.000 habitantes), no Rio Grande do Sul.

A prevalência da presença de algum transtorno mental foi de 19,1% (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 17,8 a 20,3). Todas as doenças mentais avaliadas (transtorno depressivo maior, de ansiedade generalizada, bipolar, de estresse pós-traumático, de ansiedade social, de déficit de atenção/hiperatividade e da personalidade antissocial) foram associadas a aumento do risco de suicídio aos 22 anos.

Quando comparados com os jovens sem transtornos mentais, os jovens com depressão tiveram risco de suicídio cinco vezes maior (RR = 5,6; IC 95%, de 4,1 a 7,8), assim como os que padeciam de transtorno de estresse pós-traumático (RR = 5,0; IC 95%, de 3,9 a 6,3). E os jovens com três ou mais transtornos mentais apresentaram um risco 10 vezes maior.

Segundo os autores do estudo, pesquisadores das faculdades de medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), UFRGS e da University of Bristol, no Reino Unido, estes resultados enfatizam a importância de considerar a comorbidade no estudo da saúde mental. Eles sugerem que o tratamento precoce não apenas pode ajudar a reduzir a carga desses transtornos, mas também pode diminuir o risco de suicídio.

“Pelo alto índice de depressão e risco de suicídio encontrados se faz urgente pensar em medidas de prevenção e tratamento”, frisou a primeira autora do trabalho, Dra. Ana Paula Gomes, Ph.D., nutricionista com doutorado em epidemiologia na inter-relação entre saúde mental, dieta e adiposidade em adultos jovens – nesta coorte ela pesquisou outros aspectos relacionados com a ocorrência de depressão aos 22 anos.

“O que vimos preliminarmente na análise longitudinal aos 18 e 22 anos foi que a depressão aos 18 anos prediz maior adiposidade corporal aos 22 anos, assim como a adiposidade corporal aos 18 anos prediz a depressão aos 22, é uma relação recíproca”, disse ao Medscape a Dra. Ana Paula, em referência a um artigo ainda não publicado.

“Esses achados demonstram a importância da avaliação da saúde mental de pacientes obesos, e da avaliação nutricional dos pacientes depressivos, uma vez que a ocorrência concomitante de obesidade e depressão pode tornar o tratamento desses pacientes ainda mais difícil”, relatou a pesquisadora.

“E, cada vez mais os estudos deixam claro que a intervenção comportamental, estimulando a prática de atividades físicas ou mudanças alimentares, por exemplo, pode ajudar a reduzir a prevalência de transtornos mentais, assim como de obesidade”, concluiu.

Pensamentos, planos e tentativas

Nas entrevistas, os participantes responderam sobre o desejo de morrer e de se automutilar, pensamentos suicidas, planejamento do suicídio e tentativa de suicídio ao longo da vida. Uma única resposta positiva era considerada risco de suicídio. (A indagação presente no MINI 5.0 sobre tentativas de suicídio no mês anterior não foi feita neste estudo).

Os resultados mostraram que 2,8% dos participantes tinham pensamentos suicidas; 1,7% havia feito algum plano; e 5,7% já tinham tentado se matar. Combinados, representam 8,8% dos jovens de 22 anos da cidade – as mulheres eram o dobro em relação aos homens. Aliás, a prevalência de todos os transtornos (exceto do transtorno da personalidade antissocial) foi maior entre as mulheres.

Sabe-se que tentativa de suicídio é o principal fator de risco de morte por suicídio, e que este é um ato recorrente: entre 30% e 60% dos pacientes atendidos em serviços de emergência por tentativa de suicídio são reincidentes, e cerca de 10% a 25% tentarão suicídio novamente dentro de um ano. Outros trabalhos mostraram que, no Brasil, cerca de um quarto das pessoas que tentam tirar a própria vida já o fizeram anteriormente. [1]

A mensagem que fica serve para todos os profissionais de saúde, disse o Dr. Luis Augusto. “Na avaliação clínica esses profissionais devem estar atentos à presença de transtornos mentais, por serem prevalentes na população, e porque todas as doenças, mas em especial a depressão, estão associadas ao risco de suicídio. E, quanto mais grave, em termos de aumento de diagnósticos psiquiátricos, maior o risco. Vale lembrar a frase da Organização Mundial da Saúde (OMS): ‘Não existe saúde sem saúde mental’”.

Fonte: Medscape

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