top of page

Os trabalhadores que escondem suas deficiências dos chefes


 
 

Quando Grace, de 24 anos, deslocou o cotovelo no trabalho, ela não chamou uma ambulância ou foi para o hospital.


Em vez disso, foi discretamente ao banheiro para colocar a articulação de volta no lugar antes de retornar para sua mesa de trabalho em Manchester, no Reino Unido.

Para Grace — que tem a Síndrome de Ehlers Danlos, uma condição que faz com que sinta dor extrema nas articulações, fadiga crônica, instabilidade articular e tenha deslocamentos frequentes —, isso era algo comum.

Muitas vezes, ela sentia tanta dor que não era raro entrar em uma cabine do banheiro para chorar, antes de voltar para sua mesa e fingir que nada havia acontecido. "Eu trabalho como escritora e muitas vezes escondo o fato de que estou com muita dor, pois tenho medo de parecer fraca ou incapaz na minha função", explica Grace, cujo sobrenome está sendo omitido por precaução devido a suas preocupações em relação a revelar sua deficiência. "Achei estranho explicar minha condição aos colegas. Achei que era mais fácil simplesmente esconder."

Estima-se que 4,4 milhões de pessoas com deficiência —aquelas com deficiência física ou mental com impacto substancial ou de longo prazo em sua capacidade de realizar atividades diárias normais — estão atualmente empregadas no Reino Unido.

Há poucos dados concretos sobre quantas pessoas como Grace ocultam uma deficiência no local de trabalho — mas os especialistas acreditam que o estigma em torno de várias deficiências e doenças de longa duração significa que não é incomum que os indivíduos mantenham sua condição em segredo diante de seus empregadores e colegas.

"A simples razão pela qual as pessoas com deficiência não revelam isso é que muitas vezes temos medo", diz Cat Mitchell, professora da Universidade de Derby, no Reino Unido, cuja pesquisa se concentra nas barreiras que os funcionários com deficiência e os candidatos a emprego enfrentam. "Temos medo de sermos tratados de forma diferente, de termos menos oportunidades de trabalho e que isso afete nossas chances de progredir ou até mesmo nos leve a ser demitidos." Em sua pesquisa, Mitchell descobriu que um quarto dos entrevistados escondeu sua deficiência do departamento de Recursos Humanos — e que apenas 36% se abriram com colegas sobre sua condição.

Ela diz que, apesar da legislação sobre igualdade, continua sendo difícil para os funcionários provarem que perderam uma vaga ou foram preteridos para uma promoção por causa de uma deficiência — fazendo com que muitos optem pelo sigilo.

De várias maneiras, os últimos dois anos mudaram a situação dos profissionais com deficiência. O lockdown imposto pela pandemia de covid-19 ofereceu uma oportunidade para aqueles que escondiam sua condição de fazer seus próprios ajustes no espaço de trabalho sem medo de julgamento.

No entanto, alguns argumentam que os impactos positivos de trabalhar em casa podem durar pouco. Não escondem à toa O medo que muitos indivíduos com deficiência sentem de revelar sua condição não é infundado.

Uma pesquisa sugere que uma em cada três pessoas vê quem tem deficiência como sendo menos produtivo do que seus homólogos sem deficiência, uma crença que muitas vezes se aplica em situações de trabalho.

No Reino Unido, 17% dos adultos com deficiência relatam ter tido uma oferta de trabalho retirada como resultado de sua deficiência, e 30% afirmam que sentiam que não eram levados a sério como candidatos por causa da deficiência. Dados de um estudo francês sugerem que menos de 2% das pessoas que mencionaram ter uma deficiência em seu currículo foram convocadas para uma entrevista.

E nos Estados Unidos, a taxa de desemprego para pessoas com deficiência aumentou recentemente de 7% para 12,6%.

"É um sentimento de vulnerabilidade, pensar que alguém vai julgar você e sua capacidade de fazer um trabalho ou tarefa com base em sua saúde ou deficiência", diz Rachael Mole, presidente da SIC, organização sem fins lucrativos que ajuda pessoas com deficiência e doenças crônicas a encontrar empregadores voltados para a acessibilidade e inclusão. "Ter que se justificar, sentir que precisa fazer ainda mais para compensar uma fraqueza percebida, explicar demais sobre sua saúde para tirar uma licença médica — é exaustivo." Alívio no lockdown Depois de lutar para esconder sua deficiência por meses, a pandemia ofereceu a Grace um alívio surpreendente de seus problemas no escritório.

"O lockdown tornou mais fácil esconder minha condição, pois eu podia fazer pausas se estivesse com dor", diz ela.

"Eu podia tomar analgésicos durante o dia e não me preocupar em ficar fora do ar no escritório. Também não precisava carregar uma bolsa pesada e meu laptop no transporte público, o que havia agravado minha dor no passado."

Mitchell acredita que Grace está entre diversos profissionais que descobriram que o lockdown os ajudou a gerenciar uma deficiência escondida.

De acordo com ela, a mudança generalizada para um mundo de trabalho remoto normalizou formas de trabalho que podem beneficiar funcionários com deficiência ou com doenças crônicas por muitos anos, desde que as empresas mantenham novos regimes flexíveis em vigor.

"Antes da pandemia, muitas pessoas com deficiência (inclusive eu) tinham dificuldade de conseguir permissão para trabalhar alguns dias de casa", diz Mitchell.

"Mesmo quando conseguíamos, os colegas muitas vezes viam como dias de folga ou não confiavam que estávamos trabalhando duro o suficiente quando estávamos fora do escritório.


No geral, há muito a ganhar tendo mais controle sobre nossos ambientes de trabalho, e a pandemia nos mostrou que isso não prejudica a produtividade. " Para muitas pessoas, migrar para o trabalho remoto mudou suas vidas.

Bethan Vincent, de 30 anos, de York, no Reino Unido, passou muitos anos lutando para controlar a endometriose no escritório.

Profissional da indústria de tecnologia, ela temia que sua condição fosse mal compreendida ou vista como uma fraqueza em um local de trabalho dominado por homens, então optou por esconder seu problema de saúde.

Depois que trabalhar de casa durante a pandemia transformou completamente sua capacidade de lidar com a endometriose, Bethan decidiu deixar seu trabalho anterior e abrir seu próprio negócio — dando a si mesma autonomia total para trabalhar remotamente de forma permanente. "Trabalhar em casa foi uma dádiva", diz ela.

"Agora posso ficar sentada com uma bolsa de água quente o dia todo, se necessário. Ainda trabalho de forma integral a semana inteira, mas se precisar tirar uma hora de folga pela manhã para descansar, eu posso. Posso administrar completamente minha agenda para me certificar de que estou em locais com instalações de higiene adequadas quando necessário." Enquanto Bethan busca contratar sua equipe, ela espera criar um ambiente em que possa ser aberta sobre sua endometriose de uma forma que não conseguia em sua função anterior.

Ela quer que seus funcionários tenham a mesma liberdade e possam solicitar os ajustes de que eventualmente precisem.

Os especialistas acreditam que abordagens semelhantes se tornaram muito mais comuns durante a pandemia, à medida que o trabalho remoto abriu novos caminhos para discutir a acessibilidade.

"A conversa sobre deficiência, saúde mental e acesso a suporte mudou definitivamente", diz Mole, que relata ter visto empresas reavaliando como dão suporte a funcionários com uma série de necessidades.

"A pergunta sobre 'o que você precisa para fazer seu trabalho de casa' abriu o diálogo para pessoas com deficiência e com doenças crônicas pedirem cadeiras e mesas adaptáveis ​​e horários flexíveis que não estavam sendo oferecidos antes da pandemia." Uma relíquia do passado pandêmico? Mas, à medida que as restrições impostas pela pandemia são reduzidas em muitos países, alguns profissionais com deficiência estão preocupados com o fato de que as condições que permitiram a eles trabalhar com mais conforto possam se tornar em breve uma relíquia do passado pandêmico.

A empresa de Grace solicitou agora que ela volte ao escritório por até três dias por semana, e o retorno ao transporte público agravou sua dor no ombro. Ela tem lutado para reduzir os analgésicos em um esforço para parecer mais presente ao redor dos colegas e está achando cada vez mais difícil controlar os sintomas da Síndrome de Ehlers Danlos.

"Não posso prever quando terei uma crise de dor", diz ela.

"Prefiro trabalhar de casa e administrar minha condição do meu jeito do que ter que voltar para casa doente do trabalho."

Para profissionais como Grace, a pandemia ofereceu uma perspectiva que ia além de pequenos ajustes em suas formas de trabalho.

O desafio agora é como - e se - os empregadores vão implementar estas condições no futuro ou se vão voltar a um passado menos acessível.

Para aqueles que ainda escondem uma deficiência, Mitchell argumenta que a responsabilidade de se manifestar não deveria recair sobre aqueles que lidam com a deficiência diariamente.

Em vez disso, os empregadores devem se concentrar na criação de ambientes nos quais as pessoas com deficiência sejam bem-vindas e possam se sentir confortáveis ​​para revelá-las no futuro.

Ela também acredita que as empresas que estão se voltando para a inclusão e o suporte não vão beneficiar apenas aqueles que lidam com uma deficiência oculta, mas também podem revolucionar a forma como entendemos o trabalho e o que significa ser um funcionário presente e produtivo. "Embora o trabalho flexível tenha se tornado uma frase muito usada em discussões pandêmicas sobre práticas de trabalho, ironicamente não é tão flexível", diz ela. "Em vez de apenas introduzir um horário flexível limitado e alguns dias de trabalho em casa, é hora de revisar completamente a forma como abordamos o trabalho. Não somos robôs que podem ser produtivos consistentemente das 9h às 17h, cinco dias por semana. Conceber nossos ritmos de trabalho de uma forma que melhor se adapte às pessoas com deficiência vai, na verdade, levar a melhorias para todos. "


Fonte: G1

2 visualizações0 comentário
bottom of page