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Médica indígena teme 'extermínio' em aldeias por conta do coronavírus



A rotina da médica indígena Miriam Alessandra de Moraes Viegas, de 40 anos, mudou radicalmente com o surgimento do novo coronavírus. A médica passa boa parte do seu dia no trajeto entre aldeias em Miracatu, no interior de São Paulo, e atende cerca de 550 indígenas, liderando uma equipe de enfermeiros, técnicos e uma dentista no trabalho de examinar e conscientizar. "Temos medo do extermínio", relatou em entrevista ao G1 nesta terça-feira (9).


A médica mora na cidade de Peruíbe, no litoral de São Paulo, e atua em aldeias na região da Serra do Cafezal. Ela conta que, desde a chegada da doença, acorda cedo de segunda a sexta e, junto com os companheiros de trabalho, abastece um carro com todo o material necessário, que vai acompanhá-los na visita às aldeias. Como são muitas, eles dividem as visitas em diferentes dias para conseguir atender todos durante a semana. "Sou indígena guarani, e ser uma médica indígena ajuda nos cuidados com eles. Na aldeia o isolamento não funciona como para os não indígenas. As pessoas não ficam cada uma em sua casa, separado. A 'casa' do indígena geralmente só tem um cômodo. Lá, o isolamento é de toda a aldeia junta", relata a médica. Miriam descreve sua rotina como incerta, já que, com a distância entre aldeias, nem sempre o dia é como o planejado. "Quando chove muitas vezes não conseguimos chegar até a aldeia, e tem outras que precisamos deixar o carro afastado e ir andando", explica. Para a profissional da saúde, o maior medo da comunidade indígena é que o vírus chegue nas aldeias, gerando um genocídio. Ela conta que eles temem pelos mais velhos, que são toda a base de conhecimento das aldeias. "Os idosos são a biblioteca. Se a gente perde um idoso, perde todo o nosso conhecimento. Temos medo de acabar a etnia e cultura de comunidades. É a nossa maior preocupação", esclarece Miriam.

Como forma de evitar o contágio, eles criaram um grupo de WhatsApp, onde a médica tem um retorno diário de como os moradores estão. O grupo, conta Miriam, serve para trocar conhecimento, falar como é o estado de saúde dos indígenas e também dar dicas sobre uso de máscara e álcool em gel. O assunto também passou a fazer parte do dia a dia deles. "Nas aldeias, todas as noites eles se reúnem na casa de reza, e sei que eles conversam sobre isso. Falam sobre uso de máscara, lavagem das mãos, discutem todos esses temas", completa, feliz com o alcance do trabalho realizado. Carreira na medicina Miriam cresceu em uma aldeia no Paraná, onde morou até os 15 anos. Depois, ela decidiu se mudar para São Paulo, junto com o pai não indígena. Ela e a irmã foram para a cidade, e ao longo dos anos descobriram que existia um vestibular indígena, que prestaram juntas. "Fazer medicina era um desejo da minha irmã, e não meu", explica.

Ao ingressar, a irmã de Miriam seguiu odontologia e ela seguiu a área da medicina. "Me apaixonei pelo curso", relembra a médica. Em 2014, quando ainda estavam na universidade, as jovens sofreram um acidente com a mãe, que precisou de cuidados extras. "Continuei estudando porque minha irmã se prontificou a ficar com ela", comenta.

Ela também prestou para residência, mas se apaixonou ao trabalhar em aldeias, onde atua há quase três anos. "É gratificante atuar durante a pandemia, porque o cuidado que eu tenho, um não indígena não teria. É bom saber que eu posso ajudar, é um papel muito importante não só meu, mas de toda a equipe. Como profissional, é uma experiência riquíssima. Saí do conforto para aprender a trabalhar com o que eu tenho, é muito importante, você tem outro olhar", finaliza.


Fonte: G1

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