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Inteligência artificial mapeia gestão de UTI brasileiras

Um estudo retrospectivo publicado on-line este mês no periódico Intensive Care Medicine,[1] avaliou se a quantidade de profissionais de saúde e a qualidade das equipes nas unidades de tratamento intensivo (UTI) – compostas de médicos, enfermeiros e farmacêuticos – estavam associadas ao aumento da mortalidade, a mais tempo de internação e duração da ventilação mecânica de pacientes internados nessas unidades.

O estudo concluiu que as UTI que contam com médicos intensivistas 24 horas por dia, com farmacêuticos dedicados e que dão mais autonomia aos enfermeiros apresenta os melhores desfechos.

Para realizar esta análise, os pesquisadores coletaram dados com auxílio do sistema de monitoramento Epimed Monitor System e examinaram informações de 129.680 pacientes maiores de 16 anos que estiveram internados em 93 unidades de tratamento intensivo de 55 hospitais brasileiros, durante 2014 e 2015. Unidades especializadas, como coronarianas ou cardíacas, não participaram do estudo.

As UTI participantes usam o Epimed Monitor System rotineiramente e estão registradas no Brazilian Research in Intensive Care Network (BRICNet). Os pesquisadores realizaram entrevistas estruturadas com os responsáveis das unidades, como chefes de enfermagem e coordenadores médicos, explorando questões ligadas a organização, processos de cuidados, padrão de equipe, estrutura, e políticas de acolhimento a familiares, entre outras.

A partir disso, usando machine learning, por meio de um algoritmo de agrupamento, as UTI foram separadas em três grupos que seguiam modelos de gestão semelhantes. Por meio de regressão logística os pesquisadores conseguiram identificar padrões em cada grupo, a fim de entender melhor quais pontos favoreciam ou desfavoreciam os pacientes internados, fornecendo dados de perfil para futuras decisões.

Depois da análise dos dados, o principal padrão identificado foi que menos pacientes morreram e o tempo em ventilação mecânica e de internação foi menor e no grupo 3, que mantinha médicos intensivistas disponíveis 24 horas por dia, farmacêuticos dedicados e dava mais autonomia aos enfermeiros, em comparação com os outros dois grupos.

No grupo 1, que não contava com um médico intensivista 24 horas por dia – os plantonistas não eram especializados em medicina intensiva, não havia farmacêutico dedicado, e os enfermeiros não tinham autonomia –, o desfecho foi menos favorável do que no grupo 3. A razão de chances (OR, sigla do inglês odds ratio) para mortalidade entre os pacientes internados nas unidades do grupo 3 versus grupo 1 foi de 0,69 (intervalo de confiança, IC, de 95%, de 0,64 a 0,75).

O primeiro autor do estudo, Dr. Fernando G. Zampieri, médico intensivista e pesquisador do IDOR em São Paulo, explicou que cada UTI tem as próprias particularidades relacionadas com estrutura física, quantidade de funcionários, grau de autonomia de cada profissional, e número de protocolos utilizados, entre outras.

“O interessante da nossa abordagem é que não avaliamos individualmente cada fator, mas agrupamos as unidades de acordo com os padrões de equipe e outras variáveis, como o grau de autonomia dos profissionais de saúde – não médicos – dentro da UTI”, disse.

A resolução nº 7, de fevereiro de 2010 [2] prevê, explicou Dr. Fernando, que toda UTI brasileira deve ter, em sua equipe, o responsável técnico da unidade e o “rotina”, um médico com título de especialista em medicina intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). No caso dos médicos plantonistas, não há essa obrigação, podendo ser um profissional de qualquer outra especialidade correlata, como nefrologia, pneumologia, hematologia, gastroenterologia, entre outras. A resolução também estabelece uma quantidade mínima de médicos e profissionais de saúde para cada leito.

No estudo, os pesquisadores observaram que quando o médico plantonista também era intensivista o desfecho dos pacientes foi melhor.

“O intensivista tem formação dedicada a entender alguns processos específicos da UTI, ele é o médico generalista do doente grave. Isso faz com que o profissional consiga ter uma visão um pouco mais abrangente do que acontece com o paciente, especialmente quando a situação é mais grave”, explicou Dr. Fernando.

“A medicina intensiva, então, é um esforço em equipe. Farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas e todas as áreas correlatas são importantes, e o intensivista é uma pessoa que tem de ter uma formação direcionada para isso, diferentemente de um médico especialista que muitas vezes consegue trabalhar sozinho”, disse.

No caso da enfermagem, o estudo mostra que as equipes que tinham liberdade de seguir o plano de atendimento estabelecido pelo médico intensivista sem precisar voltar a pedir autorização ao plantonista para executar as atividades já previstas, o paciente, estatisticamente, recebia alta mais rápido, ficava menos tempo na ventilação mecânica e tinha um menor índice de mortalidade.

O estudo também identificou que ter um farmacêutico dedicado à UTI estava associado a melhores desfechos. “Todo hospital tem uma farmácia, mas nem sempre há um farmacêutico que participa da rotina da UTI. Às vezes o médico prescreve algum medicamento e a farmácia libera, mas o farmacêutico não participa do round, da visita multidisciplinar, logo, não está inserido na dinâmica da UTI”, explicou Dr. Fernando.

Para ele, isso é um problema por várias razões. Com o farmacêutico longe, não há como entender algumas questões prioritárias, como a necessidade de alguns medicamentos serem dispensados mais rápido e outros eventualmente poderem esperar um pouco mais. Outra questão importante de ter um farmacêutico dedicado, segundo Dr. Fernando, é a reconciliação de medicamentos que o paciente usava antes de ser admitido na UTI. Muitas vezes o paciente toma uma série de medicamentos e, ao ser internado na UTI esses medicamentos mudam. É papel do farmacêutico checar o que o paciente vinha usando e passar essa informação para o médico, para evitar que o paciente deixe de tomar algum medicamento de uso crônico, explicou o especialista.

Além disso, Dr. Fernando cita como importante a checagem de interações medicamentosas pelo farmacêutico. “O médico ou o enfermeiro não são especialistas em avaliar interações medicamentosas. Por isso, quando o farmacêutico participa da rotina da UTI, há um ganho, pois ele pode trazer essa informação e avisar o médico.”

O primeiro autor do estudo avaliou que o principal ponto do trabalho é a evidência de que o ambiente da UTI é melhor quando há pessoas autônomas trabalhando em equipe. “É ter um médico capacitado e enfermeiros que com autonomia para se envolver com o cuidado e agir dentro da sua área de atuação, de acordo com as definições que são feitas em grupo”, disse Dr. Fernando. “Quando essa estrutura está azeitada, há um bom desfecho, como foi demonstrado no estudo.”

Para o Dr. Fernando, a quantidade de profissionais de saúde dentro das UTI não é tão importante quanto a autonomia dada a eles. Por isso, avalia, o treinamento da equipe de forma a permitir mais liberdade para a execução das tarefas descritas na rotina ou protocolo e dentro da atuação de classe, seria uma alternativa de baixo custo para os hospitais, e que pode levar a um desfecho melhor.

“Percebemos que há uma pressão grande por aumentar equipe na UTI. Mesmo que ela conte com muitos enfermeiros, se não houver autonomia para cuidar do paciente, não adianta. Claro que aumentar o número de funcionários é salutar, mas precisamos também promover autonomia para eles”, defendeu.

“Há algumas UTI em que existe um enfermeiro para cada dois ou três leitos, mas ele fica de mãos atadas. Com isso, desperdiça-se um recurso bem treinado, responsável e essencial”, criticou.

A autonomia dos enfermeiros avaliada pelo estudo seguiu alguns critérios, sempre dentro da atuação da classe. De acordo com Dr. Márcio Soares, um dos autores do estudo, pesquisador do IDOR e coordenador do estudo ORCHESTRA, pesquisa ampla em UTI da qual este estudo faz parte, por autonomia define-se que o enfermeiro pode pausar ou titular sedação, conforme rotina ou protocolo; aumentar a infusão da dieta de acordo com a rotina ou protocolo; titular vasopressores com base em metas; iniciar ou progredir o desmame do respirador em conformidade com o protocolo ou rotina; incrementar CO2 de acordo com a saturação; iniciar a mobilização ativa do paciente fora do leito, seguindo sempre a rotina ou protocolo; e administrar medicamentos já prescritos pelo médico.

Estudo ORCHESTRA

O estudo publicado faz parte da segunda fase da pesquisa ORCHESTRA, um projeto de pesquisa iniciada em 2013 com a intenção de mapear a organização e os processos nas UTI brasileiras. O estudo nasceu a partir de dados do Epimed, sistema que coleta dados de UTI e os armazena na nuvem, permitindo que os pesquisadores acessem as informações para promover as análises.

“Quando propusemos o estudo, convidamos as unidades que usavam o sistema Epimed para participar do ORCHESTRA. Na primeira fase do trabalho, tivemos 78 UTI e 51 hospitais”, contou Dr. Márcio. “A segunda fase, da qual este estudo faz parte, tivemos 93 UTI e 55 hospitais. Estamos agora finalizando a inclusão da terceira fase, para quase 80 hospitais”. A intenção dos pesquisadores é continuar mapeando organizações e processos dentro das UTI brasileiras.

O Dr. Márcio Soares informou é um fundadores da Epimed Solutions®, empresa que desenvolveu o Epimed Monitor System.

Fonte: Medscape

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