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Esquemas de corrupção desviaram quase R$ 1,8 bilhão da Saúde do RJ desde 2007



Os esquemas de corrupção e fraude na gestão da Saúde desviaram pelo menos R$ 1,8 bilhão dos cofres públicos do RJ de 2007 até 2020.


Essa soma é resultado de um levantamento feito pelo G1 com base em denúncias do Ministério Público Federal (MPF), que investigou fraudes no setor em seis fases da Operação Lava Jato no estado.

O valor supera o que já foi gasto pelo Governo do RJ com a pandemia. Segundo da Comissão Especial de Gastos com a Covid-19, já foram executados R$ 1,7 bilhão com mais de 120 contratos. Outros R$ 661 milhões estão em andamento, somando R$ 2,3 bilhões.

Desse total gasto na pandemia, cerca de R$ 700 milhões estão sob suspeita de desvios, segundo investigações que levaram às operações Favorito e Tris in Idem, que levaram ao afastamento do governador Wilson Witzel e à prisão do secretário de Saúde Edmar Santos, entre outros. As operações e os respectivos danos estimados aos cofres públicos:

  1. Fatura Exposta (2017): R$ 16,2 milhões

  2. Ressonância (2018): R$ 1 bilhão

  3. SOS (2018): R$ 74 milhões

  4. Favorito (2020): R$ 647,1 milhões

  5. Dardanários (2020): R$ 12 milhões

  6. Tris in Idem (2020): R$ 50 milhões

O valor exato calculado pelo G1 foi de R$ 1.799.368.433. A procuradora da República Marisa Ferrari, que faz parte da Força-Tarefa da Lava Jato no Rio, avalia que as cifras desviadas são “estarrecedoras”. “Apenas na Operação Ressonância foi estimado um impacto aos cofres públicos de R$ 1 bilhão. As organizações criminosas têm uma expectativa de lucrar muito com esses contratos”, afirmou em entrevista ao G1. A Operação Ressonância apurou fraudes em pelo menos 10 pregões realizados pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) entre os anos de 2007 e 2016.

Em todas as contratações, foi identificada a atuação do chamado “clube do pregão internacional”, um cartel formado por 35 empresas fornecedoras de equipamento de saúde que atuou por mais de 20 anos perante o Into.

O esquema tinha a participação de Sérgio Côrtes, então Secretário de Saúde, e outros funcionários públicos que agiam de forma coordenada em benefício das empresas integrantes do esquema. 'Caixa-preta' das OSs Em todas essas seis fases da Lava Jato sobre a Saúde do RJ, o MPF encontrou indícios de irregularidades em contratos com Organizações Sociais (OSs), perpassando governos.

Em meados dos anos 2000, a gestão de unidades ou serviços de saúde começou a passar pelas OSs — o que tornou o acompanhamento dos contratos um desafio, segundo o MPF. “A investigação de ilícitos praticados por Organizações Sociais é muito difícil. Existe uma espécie de caixa-preta nas contas. É um mercado muito farto para essas ilicitudes”, afirmou Marisa. Segundo a procuradora, a dificuldade está no rastreamento dos responsáveis e dos recursos. "A gente vê que os empresários fecham uma empresa e abrem outras, ou fazem parcerias com outros empresários que não estão mapeados totalmente", explicou.

Marisa contou que, em geral, cada empresa envolve pelo menos dois sócios. "Às vezes tem laranjas, que têm outras subempresas. É um trabalho complexo."

A procuradora explicou também que a contratação, pelas OSs, de fornecedores atrapalha a fiscalização do que é gasto.

“O dinheiro sai dos cofres públicos, passa para as organizações sociais e, em vez de sair diretamente das OSs, sai por meio dos fornecedores. Então, a partir dali a gente perde um pouco o rastro do dinheiro", detalhou.

"Infelizmente, mesmo já tendo exposto todas essas fraudes, ainda é difícil ter acesso a essas contas das organizações sociais”, destacou Marisa. “Nem todas as contas possuem um padrão. Algumas têm sites, mas os sites não funcionam ou estão com informações incompletas, ou com prestações de contas meramente pró-forma, sem indicar exatamente quais valores estão sendo pagos para quais fornecedores.” 'Caixinha da propina' de Witzel, segundo MPF Segundo o MPF, foi pelas OSs que prosperou o esquema de corrupção no governo de Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo em agosto por decisão do Superior Tribunal de Justiça e alvo de um processo de impeachment na Assembleia Legislativa (Alerj).

Os procuradores sustentam que cinco Organizações Sociais contratadas pelo estado alimentaram a “caixinha da propina”, que em seis meses desviou R$ 50 milhões.

Essa investigação ficou a cargo da Procuradoria-Geral da República (PGR) — um nível acima do MPF — por ter encontrado indícios de envolvimento do governador, que possui foro especial. A defesa de Edmar Santos afirmou que não vai se manifestar sobre as acusações.

Em nota, Witzel negou as acusações de participar do esquema que teria desviado R$ 50 milhões dos cofres públicos, segundo o MPF:

"Mais uma vez, um processo sigiloso é vazado para me atingir politicamente. Reafirmo minha idoneidade e desafio quem quer que seja a comprovar um centavo que não esteja declarado no meu Imposto de Renda, que não seja fruto do meu trabalho e compatível com a minha realidade financeira. Todo o meu patrimônio se resume à minha casa, no Grajaú, não tendo qualquer sinal exterior de riqueza que minimamente possa corroborar essa mentira.", afirmou o governador afastado. Iskin e a influência em duas frentes Uma OS também foi meio para desviar recursos públicos da Saúde no governo de Sérgio Cabral, segundo as investigações da Operação SOS, em 2018.

No centro desse esquema, que começou em 2013, estavam os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita — respectivamente apontados como o doleiro e o operador financeiro. Iskin, Estelitta e o então secretário de Saúde, Sérgio Côrtes, foram presos.

Segundo Marisa Ferrari, a Operação SOS mirou a Organização Social Pró-Saúde, que administrou vários hospitais do estado, como o Getúlio Vargas, Albert Schweitzer, Adão Pereira Nunes e Alberto Torres.

As investigações apontaram que Miguel Iskin tinha influência em duas frentes:

  • sobre o orçamento e a liberação de recursos pela Secretaria de Saúde;

  • sobre as contratações pela Pró-Saúde, indicando empresas e fornecendo toda a documentação necessária, como cotações de preços e propostas fraudadas, para instruir o procedimento de contratação.

Em contrapartida, Iskin cobrava a devolução de 10% sobre o valor dos contratos dos fornecedores da organização social, distribuídos entre os demais membros da organização criminosa, como Sérgio Côrtes e Gustavo Estellita. Diferentes atores, mesmo esquema Marisa avalia que, apesar de personagens serem substituídos nos núcleos político e financeiro, os esquemas de corrupção e as fraudes prosseguiram. "Um exemplo bem claro disso é que, na gestão do Sérgio Cabral, a gente via a hegemonia do empresário Miguel Iskin, que era de uma empresa de fornecimento de próteses, mas que controlava um cartel de diversas empresas", explicou.

Com a prisão de Iskin, no entanto, na Operação Fatura Exposta, algumas peças foram mudadas: saiu Miguel Iskin, entrou o empresário Mário Peixoto.

"Parece que agora está exercendo esse papel o Mário Peixoto, que tem empresas na área de serviços, principalmente que contratam com a Fundação Estadual de Saúde, mas tem também o domínio sobre Organizações Sociais", disse a procuradora.

Marisa descreve Peixoto como "um empresário com bastante poder econômico, com vínculos políticos bem fortes, não só com o governo do estado, mas com alguns municípios". "Então, a história parece que se repete, infelizmente." Secretários envolvidos Para Marisa, um indício dessa continuidade surgiu em um depoimento, em 2019, de Sérgio Côrtes.

Côrtes afirmou que seus sucessores na pasta, Luiz Antônio Teixeira Júnior e Felipe Peixoto, também receberam propinas. "Os secretários que me sucederam fizeram a mesma coisa que eu: recolhiam um caixa de campanha, que nada mais era do que propina", disse.

Sérgio Côrtes aparece em uma das fotos da festa conhecida como "Festa dos Guardanapos", em Paris, em 2009. Fotos da "farra" foram divulgadas pelo blog do ex-governador Anthony Garotinho em 2012 (veja abaixo). Nelas, apareciam o então governador do Rio, Sérgio Cabral, e seus amigos em um restaurante de Paris, com guardanapos amarrados na cabeça.

Segundo o MPF à época, a festa pode ter sido comemoração antecipada da vitória da Rio-2016, candidatura do Rio para sediar as Olimpíadas. Questionado pelo juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal, sobre os nomes dos sucessores que cometeram o crime, Côrtes afirmou: "Felipe Peixoto e Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior".

Contra Luiz Antônio, há indícios de movimentação suspeita, detalhadas na denúncia da Operação SOS, e também relatos de colaboradores.

De acordo com depoimentos, Luiz Antônio fez acordo com empresários para cessão de verbas extras para que a Pró-Saúde pagasse uma dívida com uma empresa fornecedora, que participava do esquema de fraudes no Into, comandado por Miguel Iskin.

Segundo o MPF, Luiz Antônio, mesmo depois de deixar a pasta da Saúde, recebia "informações acerca do orçamento do órgão e dando ordens sobre a destinação dos recursos públicos". Na época, ambos negaram as acusações de Côrtes.

Já Edmar Santos, preso em uma operação do Ministério Público do Rio, celebrou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal.

Em maio, a operação Mercadores do Caos prendeu seu ex-subsecretário, Gabriell Neves, e outros membros de um grupo investigado por ter obtido vantagens na compra emergencial de respiradores para pacientes de Covid-19 no estado.

Os depoimentos ajudaram a PGR a encontrar indícios da participação de Wilson Witzel e nas investigações que resultaram na operação Tris In Idem. Condenações Em janeiro de 2020, o ex-governador Sérgio Cabral, o ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes e outras quatro pessoas foram condenadas pela Justiça Federal pelas irregularidades encontradas na Operação Fatura Exposta.

A investigação apontou irregularidades em contratos da área da Saude. Além de Cabral e Côrtes, o ex-subsecretário de Saúde César Romero, Carlos Miranda, Carlos Bezerra, Miguel Iskin e Gustavo Estellita foram investigados por pagar ou receber propina para fraudar contratos.

Para isso, era utilizada duas empresas, comandadas por Miguel Iskin e Gustavo Estellita: Oscar Iskin & Cia Ltda. e Sheriff Serviços e Participações. As investigações apontaram pagamentos de R$ 16,2 milhões ao esquema de Sérgio Cabral. Além de Cabral, o ex-secretário e o subsecretário também recebiam, respectivamente, 2% e 1% sobre os valores dos contratos da saúde. Os pagamentos eram recebidos e repassados pelos operadores mensalmente e variavam entre R$ 400 mil e R$ 500 mil. Foram condenados:

  • Sérgio Cabral (ex-governador)

  • Sérgio Côrtes (ex-secretário de Saúde)

  • Cesar Romero Vianna (ex-subsecretário de Saúde)

  • Miguel Iskin (empresário da Saúde)

  • Gustavo Estellita (empresário da Saúde)

  • Luiz Carlos Bezerra (operador de Cabral)

Posteriormente, Sérgio Côrtes também foi condenado no âmbito da Operação Ressonância, que apurou desvios de R$ 1 bilhão em fraudes em contratos no Into. Com ele, também foram condenados por lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas Miguel Iskin e Gustavo Estellita.

Na época, Côrtes afirmou que recorreria da decisão:

"Infelizmente o juízo de 1ª instância não vem reconhecendo algo já atestado pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça, a despeito de tal postura, Sérgio Cortes permanecerá colaborando", diz a nota, que também destaca que o ex-secretário forneceu todas as informações e "realizou a repatriação e devolução total dos valores existes no exterior".

O ex-secretário de Saúde do Rio está em liberdade desde abril de 2019, por decisão do STJ. Já o ex-governador Sérgio Cabral está preso desde 2016, após ser preso na operação Calicute.


Fonte: G1

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