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Cirurgiões da Califórnia, nos EUA, realizam o primeiro transplante humano de bexiga



Cirurgiões no sul da Califórnia realizaram o primeiro transplante de bexiga em um ser humano, inaugurando um procedimento potencialmente transformador para pessoas com doenças incapacitantes nesse órgão.


A operação foi conduzida no início deste mês por dois cirurgiões — um da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e outro da Universidade do Sul da Califórnia (USC) — em um paciente de 41 anos que perdera grande parte da capacidade de sua bexiga após tratamentos para um tipo raro de câncer.


— Eu era uma bomba-relógio — disse o paciente, Oscar Larrainzar, nesta quinta-feira, durante consulta de acompanhamento. — Mas agora tenho esperança.


Os médicos planejam realizar mais quatro transplantes de bexiga como parte de um ensaio clínico, a fim de avaliar resultados como capacidade vesical e complicações do enxerto antes de avançar para um estudo maior que amplie o uso da técnica.


O Dr. Inderbir Gill, que executou a cirurgia juntamente com o Dr. Nima Nassiri, chamou o feito de — a realização de um sonho — para tratar milhares de pacientes que sofrem com dor pélvica incapacitante, inflamação e infecções recorrentes.


— Não há dúvida: abriu-se uma porta para essas pessoas que antes simplesmente não existia — afirmou o Dr. Gill, chefe do departamento de urologia da USC.


Avançando os limites


Até agora, a maior parte dos pacientes que têm a bexiga removida recebe um segmento do intestino adaptado para conduzir a urina. Alguns passam a usar um conduto ileal, que escoa a urina para uma bolsa externa; outros recebem uma neobexiga, uma bolsa interna conectada à uretra que permite urinar de forma mais tradicional.


Mas o tecido intestinal, cheio de bactérias, é intrinsecamente contaminado, explica o Dr. Gill, e introduzi-lo no trato urinário — naturalmente estéril — causa complicações em até 80 % dos pacientes, variando de desequilíbrios eletrolíticos a perda gradual da função renal. A retirada do segmento intestinal também pode acarretar novos problemas digestivos.


A Dra. Despoina Daskalaki, cirurgiã de transplantes no Tufts Medical Center (não envolvida no procedimento), diz que avanços na medicina de transplantes — de órgãos vitais como coração e fígado a partes do corpo como rosto, mãos, útero e pênis — levaram os médicos a — forçar os limites.


— Eles se perguntam: Por que precisamos conviver com todas essas complicações? Por que não tentamos dar a essa pessoa uma nova bexiga? — afirma.


No fim de 2020, o Dr. Nassiri estava no quarto ano de residência na USC quando ele e o Dr. Gill começaram a traçar estratégias. Depois, já em fellowship de transplante renal na UCLA, Nassiri continuou colaborando com Gill: testaram técnicas robóticas e manuais, primeiro em porcos, depois em cadáveres humanos e, por fim, em doadores em morte cerebral com coração ainda batendo.


Um dos desafios era a complexa vascularização da bexiga. Era preciso operar profundamente na pelve do doador para preservar vasos sanguíneos suficientes para que o órgão prosperasse no receptor.


— Quando removemos uma bexiga por câncer, basicamente cortamos os vasos; fazemos isso em menos de uma hora, quase diariamente — diz Gill. — Para doar uma bexiga, o grau de complexidade é muito maior.


Os cirurgiões decidiram unir as artérias direita e esquerda, e também as veias, enquanto o órgão estava no gelo, de modo que apenas duas conexões fossem necessárias no receptor, em vez de quatro. Com a estratégia aperfeiçoada em 2023, eles elaboraram o protocolo do ensaio clínico que levaria ao primeiro receptor: Oscar.


Um candidato ideal


Quando Larrainzar chegou à clínica de Nassiri em abril de 2024, o médico o reconheceu. Quase quatro anos antes, Nassiri ajudara a remover os dois rins de Oscar, que enfrentava doença renal terminal e câncer renal.


Além disso, Larrainzar sobrevivera a um adenocarcinoma de úraco, câncer raro de bexiga; a cirurgia para retirar o tumor o deixara praticamente sem bexiga, diz Nassiri. Uma bexiga normal comporta mais de 300 ml; a de Oscar comportava 30.


Anos de diálise começavam a falhar; líquidos se acumulavam em seu corpo. Com muita cicatrização abdominal, seria difícil encontrar intestino suficiente para outras opções. — Ele apareceu por acaso — conta Nassiri —, mas era o candidato ideal.


Numa noite de sábado, este mês, Nassiri recebeu ligação sobre um possível doador. Ele e Gill foram direto à sede da OneLegacy, organização de captação de órgãos em Azusa (Califórnia), e se juntaram a sete cirurgiões que trabalhavam durante a madrugada para retirar vários órgãos.


Levaram rim e bexiga à UCLA, passaram em casa para um banho, café da manhã e breve cochilo, e completaram, naquele mesmo dia, a cirurgia de oito horas, implantando em Oscar a nova bexiga e um rim.


Rins transplantados às vezes levam até uma semana para produzir urina, mas no caso de Oscar houve — saída imediata — e a creatinina começou a melhorar na hora. Ele já perdeu 9 kg de retenção hídrica desde a operação.


Riscos e recompensas


Os maiores riscos em transplantes são rejeição e efeitos colaterais dos imunossupressores obrigatórios. Por isso, para a Dra. Rachel Forbes, cirurgiã de transplantes na Vanderbilt University (que não participou do procedimento), a empolgação é cautelosa:


— É um avanço técnico, claro, mas já temos opções para quem não tem bexiga sem precisar de imunossupressão. — A menos que o paciente — como Oscar — vá usar esses medicamentos de qualquer forma, fico receosa de trocar umas complicações por outras.


Um milagre


A nova bexiga transplantada não tem conexões nervosas; funciona bem como reservatório, mas não se sabia se Oscar sentiria a bexiga cheia ou conseguiria esvaziá-la naturalmente. Discutia-se uso de cateteres, manobras abdominais e até um estimulador vesical sob demanda.


Mas, em consulta nesta quinta-feira, apenas dois dias após receber alta, Nassiri retirou o cateter e deu líquidos a Oscar, que imediatamente sentiu vontade de urinar. Nassiri chamou de milagre e ligou para Gill, que estava operando na USC, exclamando: — Ele fez xixi! — Não acredito! Como assim? — respondeu Gill. — Estou boquiaberto.


Depois da cirurgia, Gill foi direto à UCLA e viu Oscar urinar de novo. — Claro, é muito cedo. Vamos ver como evolui — adverte. — Mas é a primeira vez que ele consegue urinar em sete anos. Para todos nós, isso é enorme.


Fonte: O Globo

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