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Atestados médicos falsos para vacinação contra covid-19 são vendidos pela internet


 
 

A ansiedade em se vacinar o quanto antes contra a covid-19 pode fazer pessoas caírem em golpes da imunização fácil. Por meio de um site, são oferecidos atestados médicos que simulam a existência de doenças crônicas no cliente. Com isso, o suposto doente conseguiria se imunizar contra o coronavírus.


Só que não há garantias e quem envia a quantia pedida pelos criminosos pode ficar sem o laudo, sem a vacina e sem o dinheiro. É o que constatou o Grupo de Investigação da RBS (GDI), ao contatar o site que promete os documentos.


A página na internet intitulada Geolaudos.com usa o nome de uma suposta firma, Geolab Laudos Médicos, com CNPJ clonado de outra empresa. As ofertas são explícitas: “Compre atestados médicos, laudos médicos, exame de gravidez, exames de DNA e Receitas Médicas”. O site oferece “originais com carimbo, assinatura e todas as informações necessárias para validação”. Tudo isso é contra a lei, porque o fornecimento de documentos desse tipo só pode ser feito por médicos e com exame do paciente — mas o site obviamente não informa esse detalhe.


A página também chega ao requinte de transcrever depoimentos de supostos beneficiados com as compras de documentos.


“Adquiri e recebi dentro do prazo meu laudo médico, e consegui me ausentar do trabalho com vocês. Obrigado, Geolab Laudos”, diz um depoente, Fernando.


“Consegui minha tão sonhada receita médica. Consigo hoje comprar meus remédios, que antes não estava conseguindo. Sempre estarei renovando com vocês. Recomendo, dentro do prazo determinado”, avalia outro suposto cliente, Rodolfo.


A página fornece um número de WhatsApp para fazer as encomendas e a reportagem do GDI entrou em contato com o telefone. É um número de Goiás. Os supostos fornecedores de laudos não atendem a ligação, mas entabulam uma conversa por escrito.


Veja os principais trechos (com nomes e endereços omitidos para proteção dos repórteres):

Repórter — Olá, bom dia. É da Geolab?


Geolab Laudos Médicos — Bom dia.


Repórter — Acabei de ligar. Gostaria de saber como consigo um laudo de doença para poder me vacinar contra a covid.


Geolab — Qual doença?


Repórter — Olha, eu tenho hipertensão...mas não sei se cabe pra vacinar. Só tomo um remédio.


Geolab — Sim, já dá pra fazer o laudo


Repórter — Quanto custa? Como eu receberia?


Geolab — Como ele e específico para vacinar, ele tem q ir com a receita. Está saindo 140,00.

Envio por e-mail, você pode imprimir e já ir vacinar.


Repórter — Como faço? Meu nome é Ernesto Santos (nome fictício).


Geolab — Carimbado e assinado.


Repórter — Manda por aqui.


Geolab — Vou ver a disponibilidade aqui, aguarde.


Repórter — No aguardo. E como eu faria o pagamento?


Geolab — Pagamento é feito por pix.


Repórter — Ah, ok. Manda os dados do pix.


Geolab — Ernesto, preciso dos seguintes dados para dar procedimento: nome completo, CPF, endereço, nome da empresa em que trabalha, e-mail, telefone para contato. Após isso, encaminho para realizar o seu pedido.


Repórter — nome, Ernesto xxx Endereço: XXX Nome da empresa que trabalha: Transportes XXX E-mail: XXX. Porto Alegre. O fone para contato é esse.


Geolab — O CPF do senhor está dando invalido (o golpista demonstra acesso aos dados do CPF).


Repórter — Ué...talvez a receita tenha bloqueado, por eu ter dívidas. Mas isso não invalida um laudo, né…


Geolab — Realmente está incorreto. Não consigo acessar o sistema assim... Pode verificar se está correto?


Repórter — Deve estar bloqueado, como te disse. Para que o CPF, se vais fazer um atestado? Resolve o CPF da minha mãe? XXXXX


Geolab — XX Ribeiro é algum parente seu? (o atendente demonstra conhecimento e informação possivelmente colhida de algum banco de dados governamental)


Repórter — Sim, por que? O que tá rolando, meu velho? Sai o atestado ou não?

Geolab — Não sai, infelizmente Ernesto.


Em seguida, o acesso ao número foi bloqueado.


Golpe utiliza CNPJ clonado e provedor de internet no Exterior


A Geolab Laudos não existe. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) foi atrás do CNPJ informado pelo site da empresa. O número pertence a uma empresa de Anápolis, em Goiás, que não trabalha com fornecimento de laudos para compra de medicamentos ou atestados médicos. É uma fábrica de remédios fundada em 1999, com destaque para genéricos, com 1,3 mil funcionários.


Contatado pelo GDI, o diretor-financeiro da empresa demonstrou total surpresa ao saber que um site com nome similar ao da sua empresa oferece venda de atestados médicos:

— Mas como isso? Podem vender assim?


O executivo admite que o CNPJ divulgado pelos golpistas é o mesmo da empresa que dirige. Ele promete providências jurídicas contra os piratas da marca e diz que a empresa “jamais pactuaria” com falsidades desse tipo. O diretor-financeiro até agradece por ser informado do golpe que utiliza o nome da indústria farmacêutica.


O GDI foi atrás de mais informações sobre a Geolab Laudos. O endereço do IP do site deles, pesquisado por promotores de Justiça, mostra que o provedor está hospedado em Ottawa, cidade da província de Ontário, no Canadá.


— Hospedar sites em provedores do Exterior é típica atitude de hackers. Fica mais difícil para as autoridades agirem. Mas, a partir de outros dados disponíveis no site, solicitaremos à Justiça a identificação e punição destes falsários — diz o promotor João Afonso Beltrame, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público – Núcleo Saúde.


O promotor estranha o fato de os golpistas terem acesso a dados dos CPFs de quem os contata, inclusive nome de mãe e filho. Isso indica que conseguiram a informação por meio de algum vazamento de informações governamentais, pois não estão disponíveis ao cidadão comum.


Beltrame diz que os vendedores de laudos proliferaram com o advento da pandemia. Eles trabalham com formulários-modelo de laudos elaborados por órgãos de saúde para vacinação contra a covid-19, que depois são preenchidos e carimbados por um suposto médico.


— Não é essa a forma de se vacinar. Deve se ter uma receita médica, deve se procurar um médico. Existe hoje a telemedicina, para determinadas situações. As pessoas não podem se iludir. Isso não pode acontecer com simples depósitos de valores. É preciso um médico, presencial ou online — adverte Beltrame.


Quem falsifica laudos está sujeito a duas penalidades. Uma, por estelionato (fraude para obter recurso ilícito, punida com reclusão de um a cinco anos), outra por falsificação de documento (reclusão de dois a seis anos), explica o promotor.


Beltrame ressalta que os compradores de laudos também podem ser denunciados por uso de documento falsificado, punível com pena também de dois a seis anos de reclusão.


O vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), Eduardo Trindade, diz que foram identificadas tentativas de uso de atestados desse tipo no interior do Estado, sem aplicação da vacina.


— É muito triste que estelionatários se aproveitem do período de pandemia e das novas tecnologias, que deveriam facilitar a vida dos pacientes, principalmente das pessoas dos grupos de risco.


Trindade reforça que tanto quem compra quanto quem vende é culpado e ressalta que todo atestado só pode ser fornecido mediante consulta. Além disso, o vice-presidente do Cremers alerta:


— No momento em que tentam burlar a fila, vai faltar vacina para alguém que realmente precisa.


Fonte: GauchaZH

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