Uma pesquisa realizada pela startup Closecare, focada em gestão de atestados médicos e saúde corporativa, mapeou a realidade da saúde mental nos ambientes de trabalho e identificou um crescimento de 30% em afastamentos motivados por transtornos desse tipo desde 2020, sobretudo em empresas de atividades administrativas.
O levantamento analisou cerca de 480 mil atestados médicos cadastrados na plataforma entre janeiro de 2020 e abril deste ano, reunidos de 16 companhias que usam o serviço, de setores e portes variados.
Na análise, foram avaliados quadros específicos – episódios depressivos, ansiedade e estresse -, a partir de pedidos de afastamento baseados na categoria F da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças), referentes a transtornos mentais e comportamentais.
No primeiro ano da pandemia de covid-19, esse tipo de solicitação representava 3% do total, passando para 3,5% no ano seguinte e 3,9% já nos primeiros meses deste ano. A pesquisa observa que, “apesar da baixa incidência, os atestados deste grupo oferecem alto risco para as empresas e evidenciam a gravidade do problema para os funcionários”.
De fato, as doenças psicoemocionais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil – que atingiu recorde de concessão de auxílio-doença em 2020 – e será a principal até 2030.
Embora a quantidade de justificativas seja menor do que de outras condições, o tempo médio de afastamento por saúde mental costuma ser de seis dias – período 128% superior à indicação padrão para outras doenças. No caso dos atestados de ansiedade, o distanciamento do trabalho passou de 3,3 dias, em 2020, para 4,7 dias, em 2022, um aumento de 42%.
“No geral, empresas com atividades intensivas, como serviço, varejo e call center, têm número de atestado superior ao de uma empresa administrativa ou de tecnologia. Mas o de saúde mental aparece mais em empresas de atividades menos intensas, como escritório de advocacia, tecnologia, multinacionais e empresas com salário médio mais alto”, diz André Camargo, CEO da Closecare.
Impacto no orçamento
Segundo cálculos da Closecare, cada afastamento custa, em média, R$ 1.293 para as empresas – e o gasto com pedidos motivados por questões de saúde mental deve chegar a R$ 5 bilhões até o fim do ano. “Se o atestado estiver dentro de determinadas regras, a empresa tem de abonar essa falta”, diz Camargo.
Ele conta que o cálculo considerou a renda mensal média do brasileiro de R$ 2.449, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de outubro de 2021, e o acréscimo de encargos.
Foi possível estimar a taxa média de absenteísmo e o custo ao longo do ano. Uma limitação da pesquisa é que 30% dos atestados não apresentam o código de classificação da doença por omissão do colaborador, reflexo da crença de que ele seria prejudicado pela condição de saúde.
Os dados revelam relatório do governo sobre a concessão de benefícios trabalhistas por transtornos mentais entre 2012 e 2016. No período, os trabalhadores ficaram, em média, 196 dias afastados, gerando um impacto de quase R$ 8 bilhões com auxílios-doença e aposentadorias, além de um custo médio de quase R$ 12 mil por benefício.
Estigma
“A saúde mental ainda é muito estigmatizada. É o momento de as empresas darem um passo atrás e ver qual é a maturidade para lidar com o assunto”, diz Ubaldo Fonseca Júnior, diretor médico de Saúde, Qualidade de Vida e Analytics da Aon Brasil e membro do comitê técnico da Aliança para a Saúde Populacional (Asap). Ele diz que os afastamentos vão além da questão orçamentária e impactam as equipes. “Se não tem diretrizes para implantar, os que ficaram vão naturalmente assumir outras atividades e deixar de lado a vida pessoal.”
Quando isso ocorre, as estratégias para não sobrecarregar os profissionais são diversas. “Tem de entender onde tem maior ou menor intensidade de afastamento e readequar a força de trabalho”, sugere Eduardo Marques, conselheiro da ASAP e diretor executivo de pessoas, suporte e operações do Grupo Fleury, que salienta a importância de repor as vagas, mesmo que com profissionais temporários, para não causar outro problema para quem está tentando compensar o trabalho. “A mudança de perfil da alta liderança é muito importante para conseguir, nos próximos anos, mitigar os impactos à saúde física e emocional.”
Dados guiam decisões
Se o lado subjetivo da saúde mental não convence, os números indicam a realidade e o caminho a ser trilhado. “Tem muito ‘produto de prateleira’, empresas vendendo soluções, mas não adianta comprar solução se não se sabe qual é o problema. A primeira parte é investir em bom diagnóstico, demografia, saber as condições de saúde da sua população para investir de modo mais inteligente”, diz Marques, destacando ferramentas que mensuram ausências e nível de saúde mental, por exemplo, para guiar decisões corporativas em prol do bem-estar. “A companhia pode entender que a ansiedade é falta de exercício físico, má saúde financeira.”
O médico da Aon Brasil completa que é preciso criar uma cultura empresarial em que se consegue estratificar os riscos das pessoas, entender as principais demandas e ter espaço aberto para escuta. “O mais importante é como a organização se posiciona no pilar de saúde mental, com dados, soluções, suporte”, diz.
Ele aponta que o cuidado virtual, com uso da telepsicologia, também ajuda. No campo preventivo, ele tem visto companhias abrindo espaço de discussão e coaching executivo, além de plataforma de educação para sensibilizar sobre o tema.
Na Closecare, André Camargo observa que o fluxo de atestados é utilizado pelas empresas para convidar os colaboradores a participar de programas ou ações de saúde mental com psicólogos e psiquiatras, por exemplo. Há também grupo de acompanhamento como estratégia de ação dos RHs.
“São dois fatores que incentivam a empresa a amadurecer: o gasto cada vez maior com plano de saúde e o aumento dos números de afastamento, que empresa tem de ter time maior para suprir essa falta”, aponta.
Fonte: MoneyTimes
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