Medo, tristeza e ansiedade são sensações comuns a quem recebe um diagnóstico de câncer. Mas para muitos pacientes, o enfrentamento da doença traz também um desejo de mudar profundamente o modo de vida adotado até ali. Foi assim com a dona de casa Maria Thereza Santos Rodrigues Pereira, que tratou um tumor de mama detectado já em estágio avançado em 2015, aos 52 anos.
Quem a vê participando ativamente de corridas de rua, como a São Silvestre e a Maratona do Rio, não imagina que, uma década atrás, antes do diagnóstico, Maria Thereza era uma mulher sedentária. Foi ainda durante o tratamento, fragilizada, que ela começou a movimentar o corpo, por recomendação médica. Hoje, a coleção de medalhas já soma quase 200 — e a corredora arregimenta companheiras por onde passa.
— O mastologista pediu que eu fizesse caminhadas para o fortalecimento da musculatura antes da cirurgia de mastectomia, que acabei nem precisando fazer, porque o tumor regrediu.
Comecei a andar em volta da mesa da sala todos os dias, devagarzinho, me segurando nas paredes. Depois, desci para a ciclovia, com o marido me apoiando, porque a quimioterapia me deixou muito fraca — lembra Maria Thereza. — Dois anos depois, participei da minha primeira corrida de rua. Não parei mais. Eu não tenho limite. O câncer não veio para me vitimar, e sim para mudar a minha vida. Quero envelhecer correndo.
Em 2017, ela criou o grupo Amigas do Peito, com outras mulheres que tiveram tumores na mama. Entre elas, Tania Maria Lima Pinto, economista aposentada, hoje com 65 anos. A doença também foi um ponto de inflexão na vida dela. Tania conta que o vislumbre da finitude a levou a querer ter experiências que nunca havia imaginado para si.
— Eu só trabalhava, estudava e me estressava. Quando recebi o diagnóstico, pensei que ia morrer. Mas não morri. Então pensei comigo: “cadê meus sonhos que não foram realizados?”. Passei a querer viver para mim, coisa que nunca fiz. Praticar esportes, viajar… — recorda. — A melhor coisa que fiz em toda a minha vida foi começar a correr e mudar meus hábitos alimentares. Tudo parece que ficou mais suave, mais leve, um dia de cada vez. Virei uma pessoa mais legal. Faço parte de um grupo de dança e estou aprendendo a cantar num coral.
Especialistas em atenção oncológica relatam que a notícia da doença acaba se tornando um gatilho para o paciente repensar a vida, o que leva mesmo a iniciativas antes impensáveis.
A psicóloga Deborah Macedo, que atende pacientes com câncer ou em remissão há seis anos no instituto ZENcâncer, conta que essa vivência traumática resulta na valorização da saúde e do bem-estar individual. Prevenir a recorrência de tumores passa ser uma preocupação para a pessoa.
— Muitos pacientes relatam mudanças significativas, motivados por uma nova perspectiva de vida durante a jornada do tratamento. Essa experiência traz muitos impactos na ressignificação de si mesmo: há uma reavaliação das prioridades e valores diante da fragilidade da vida e da superação de um desafio tão grande — diz Deborah. — Tem paciente que elimina completamente o açúcar, que passa a só fazer as refeições em casa, a cozinhar sempre a própria comida.
Entre as práticas saudáveis mais frequentes verificadas por quem acompanha esses pacientes estão não só a atividade física regular e o aumento da ingestão de frutas, vegetais e fibras, mas também a redução do consumo de alimentos ultraprocessados e de bebidas alcoólicas, a busca por bem-estar mental, com meditação e ioga, e também por opções profissionais menos estressantes.
A rotina de Anna Carolina Nogueira Gonçalves Fernandes, de 40 anos, por exemplo, não incluía esportes. O ponto de virada foi o câncer de mama com metástase no fígado e nos ossos, revelado quando ela tinha apenas 29 anos. A doença é incurável, e o prognóstico foi de apenas seis meses de vida à época da descoberta. Corta para 2024: no Instagram, sorridente e confiante, Anna Carolina compartilha todos os dias seus exercícios na academia: spinning, musculação, treinamentos de força…
— Antes, eu era sedentária e não me importava com o que comia. Mas comecei a acompanhar muitas pesquisas sobre a importância dos bons hábitos, e resolvi mudá-los — conta Anna, aposentada por invalidez.
Em seus vídeos, ela costuma encorajar seus milhares de seguidores com frases como “você é bem mais forte que o câncer”:
— O exercício faz muita diferença na remissão. Cada vez que vejo meus exames bons, fico mais motivada a nunca faltar a academia. É como se fosse um remédio: assim como acordo e tomo meu comprimido, eu boto minha roupa e vou treinar. Vivo intensamente. Não deixo o diagnóstico me definir.
É também o lema de vida de Valquíria Bastos Arantes, de 70 anos. Cabeleireira aposentada e paciente metastática (teve câncer de pulmão e intestino), ela deixou de lado os alimentos processados em excesso e passou a mexer mais o corpo.
— Eu nunca tive medo de morrer e ainda não tenho. O câncer me ensinou a ter mais amor à vida e não temer nada. Malho na academia, corro na rua, às vezes, e nado no mar de Copacabana. Eu já era feliz; depois da doença, sou muito, muito mais feliz — celebra.
Fonte: O Globo
Comentários