O remédio Venvanse, que levou ao vício a modelo Maria Luiza Silveira, mulher do ator Paulo Vilhena, oferece sérios riscos à saúde, como problemas neurológicos e cardíacos, se não for tomado conforme a prescrição médica.
Indicado para tratar transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e compulsão alimentar, é usado muitas vezes como um estimulante por quem quer ter mais disposição e energia - mesmo por quem não tem esse diagnóstico.
Foi o caso da modelo, que fez o desabafo no podcast "Take Your Shoes Off" sobre o vício. Na entrevista, ela conta que foram seis anos de dependência, dos 20 aos 26 anos de idade.
"Eu falava com muito orgulho [que tomava]. É a melhor coisa do mundo. Eu amava. É bom, mas tem um preço. E o preço é alto demais", disse. "Se eu não tivesse parado, acho que teria morrido. Estava tomando uma dose que acelerava e desacelerava o coração. Eu ia ter uma parada cardíaca", contou.
Tudo começou quando ela teve que conciliar a faculdade de direito com o estágio. "Eu me vi numa situação em que precisava de alguma coisa para dar disposição. É uma pílula que você fica com disposição fora do normal. É mágica, mas tem seu preço".
Luli, como ela gosta de ser chamada, disse que o medicamento a transformava em "mulher-maravilha, muito mais sociável, mais humana, quase com superpoderes".
💊 E o Venvanse (lisdexamfetamina) tem realmente esse "poder". O medicamento, derivado da anfetamina, é um estimulante do sistema nervoso central e psicoestimulante.
"A molécula aumenta muito a dopamina, que é um neurotransmissor ligado ao bem-estar e recompensa. Ela atua diretamente na sensação de recompensa, trazendo bastante vigor, disposição e energia", explica a psiquiatra Anny de Mattos Barroso Maciel, especialista em transtornos alimentares pela USP e terapeuta interpessoal pela Unifesp.
Referência em neurociência, neuropsicologia e em terapia cognitivo-comportamental, a psiquiatra Nina Ferreira ressalta que a lisdexamfetamina faz com que aumente a disponibilidade dos neurotransmissores noradrenalina e dopamina no cérebro.
É como se fosse um super funcionamento do cérebro. No entanto, esses neurotransmissores em excesso são bem danosos para o cérebro e para o corpo como um todo.
— Nina Ferreira, psiquiatra
Uso do Venvanse
A psiquiatra Anny Maciel alerta que o Venvanse não costuma ser a primeira opção de tratamento para tratar déficit de atenção justamente por ser muito potente.
"Começamos com medicações de menos potência, como o metilfenidato (ritalina). Vamos da menos potente até a mais potente. Além disso, também damos 'feriado' da medicação. Ou seja, quando o paciente não é muito cobrado, quando não tem período de provas, por exemplo, ele não precisa usar", completa a psiquiatra.
Também é preciso ficar atento às contraindicações, como:
paciente com histórico de hipertensão recente, crise hipertensiva;
paciente com doença com aterosclerose, com endurecimento das artérias;
paciente que tem sensibilidade à molécula;
paciente com histórias de abuso de substâncias;
paciente com histórico de depressão grave;
e alterações na tireoide, como hipertireoidismo.
"Ela não é uma molécula inofensiva. Ela melhora muito o desempenho, a resposta cognitiva e até sintomas de ansiedade secundários. Quando o paciente tem indicação, realmente melhora a hiperatividade. Mas essa medicação deve ser usada sempre com acompanhamento médico", alerta Anny Maciel.
E quem usa sem indicação?
Os riscos vão depender muito de cada organismo e da predisposição de cada pessoa, segundo Nina Ferreira.
"Como qualquer medicação, o uso sem indicação traz uma série de riscos. Pode causar aumento de pressão arterial, disfunção do ritmo cardíaco e lesão cerebral porque pode exceder o tanto de neurotransmissor necessário no cérebro, risco de dependência da medicação. Esses são os riscos mais comuns, mas vai depender de cada pessoa", alerta a psiquiatra.
🚨 E o risco de morte é real, adverte. "É uma medicação que tomada em excesso ou sem indicação, sem uma avaliação médica, sem monitorização dos exames, pode sim colocar a vida da pessoa em risco. Sem contar as lesões no cérebro, no organismo como um todo".
➡️ A psiquiatra lembra que o medicamento é excelente e seguro, quando bem indicado.
Risco de dependência
No bate-papo, Luli contou todo o processo para se livrar da dependência do Venvanse.
"É muito difícil sair da droga. Minha mãe teve que parar de trabalhar para ficar comigo em casa. Você não sabe mais quem é você. O período de abstinência foi a fase mais difícil da minha vida.
Fiquei internada uma semana e depois fiquei em uma internação domiciliar. O remédio foi tirado do dia para a noite porque não tinha como ir diminuindo, eu estava num nível que não dava. Fiquei seis meses sem conseguir sair de casa".
As psiquiatras ouvidas pelo g1 alertam que o medicamento pode causar dependência química. Por isso, o acompanhamento médico é EXTREMAMENTE necessário.
Christiane Ribeiro, psiquiatra e membro da Comissão de Estudos e Pesquisa em Saúde Mental da Mulher da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica que o Venvanse acaba criando uma tolerância, que faz com que a pessoa precise de doses cada vez maiores para ter o mesmo efeito.
"A gente sabe que as doses mais altas de anfetaminas podem agir levando a um quadro de rabdomiólise (uma quebra do nosso músculo), pode levar a hepatite. Pode levar inclusive a diminuição da memória, da atenção - um efeito contrário ao que a pessoa quer. Além disso, pode levar a sintomas de abstinência, a pessoa passa a ter sonolência excessiva se ela não usa a medicação", diz.
A modelo contou que aumentava a dosagem do medicamento por conta própria e chegou a tomar 150 mg de Venvanse (o normal gira em torno de 30 mg a 70 mg).
"Esse aumento pode levar a uma sobrecarga cardíaca. Pacientes que já tenham quadro de pressão alta não podem nem pensar em utilizar esse medicamento, porque ele aumenta os batimentos, aumenta a pressão arterial. Quem abusa dessas drogas também pode ter problemas cardiovasculares", completa Christiane Ribeiro, que é Mestre em Medicina Molecular pela UFMG.
Diagnóstico de TDAH nas redes sociais
Se você costuma usar as redes sociais, talvez já tenha sido impactado com alguma frase-diagnóstico de TDAH. "Toda criança que não para quieta tem TDAH” ou “as pessoas com TDAH são mais competitivas” são alguns dos diagnósticos feitos por internautas.
Em junho, o g1 alertou sobre os riscos de autodiagnosticar pela internet. Segundo os especialistas, se você se guiar só pelas redes sociais, é capaz de concluir que tem o distúrbio – e correr o risco de se automedicar, ficar mais ansioso ou acreditar em tratamentos ineficazes.
Fonte: G1
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