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STF vai decidir se religião pode influenciar no tipo de tratamento oferecido pelo SUS



O Supremo Tribunal Federal (STF) deve começar a julgar nesta semana duas ações que discutem a influência da religião em tratamentos de saúde. O objetivo é definir duas questões: se a crença religiosa permite à pessoa exigir determinado procedimento cirúrgico e se a liberdade religiosa justifica o pagamento de um tratamento de saúde diferenciado pela União.


Os dois casos envolvem pessoas da religião Testemunhas de Jeová, que não permite o recebimento de transfusão de sangue de terceiros, baseado em interpretações de trechos da Bíblia. Os processos têm repercussão geral, ou seja, as teses que serão firmadas serão aplicadas em todos os casos semelhantes, o que pode incluir pessoas de outras religiões.


As ações, que devem ser julgadas em conjunto, são o terceiro e o quarto item da pauta de quarta-feira do STF. Caso não haja tempo, a análise pode ocorrer na quinta-feira. Os relatores são o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e o ministro Gilmar Mendes.


Casos em análise


Em um dos casos, uma paciente foi encaminhada para a Santa Casa de Maceió (AL) para a realização de uma cirurgia cardíaca. O procedimento não ocorreu, contudo, por ela ter se negado a assinar um termo de consentimento que previa a possibilidade de realização de eventuais transfusões de sangue. Ela acionou a Justiça, mas nas instâncias inferiores os juízes rejeitaram o pedido para fazer a cirurgia sem transfusão.


Quando a repercussão geral foi reconhecida, em 2019, Gilmar Mendes afirmou que a discussão é de “inegável relevância”, e disse que “a liberdade de credo deve ser assegurada de modo igual a todos, desde os membros de pequenas comunidades religiosas aos das grandes igrejas”.


No mês passado, o STF já ouviu as sustentações dos advogados do caso. A advogada Eliza Akiyama, afirmou que a recusa da cliente não foi por um “capricho” e nem “expressão de fanatismo religioso”.


Em 2020, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou seu parecer na ação e alegou que um paciente tem direito de escolher um tratamento que não envolva transfusão de sangue, desde que receba informações dos médicos sobre os riscos envolvidos. Aras opinou, contudo, que esse entendimento deve não valer para crianças, adolescentes ou incapazes, nem para casos que envolvam risco à saúde pública ou à coletividade.


Já o segundo caso envolve uma discussão sobre as obrigações do Estado. Nele, a União recorre contra decisão que a condenou, junto com o estado do Amazonas e o município de Manaus, a arcar com toda a cobertura de uma cirurgia de artroplastia total (substituição de uma articulação) em outro estado para o paciente.


A União alegou que a decisão violou o princípio da isonomia, porque haveria um tratamento diferenciado, e da razoabilidade, porque qualquer procedimento cirúrgico pode ter complicações que exigiriam uma transfusão.


A repercussão geral foi reconhecida em 2017. Luís Roberto Barroso, que é o relator, afirmou que há um conflito entre a liberdade religiosa e o dever do Estado de fornecer tratamento de saúde universal e igualitário.


A advogada Mychelli Fernandez, que defende o paciente, argumentou ao STF que o SUS tem capacidade de fornecer outros tratamentos, que não exigem transfusão de sangue, sem despesas adicionais.


Em parecer apresentado no ano passado, Augusto Aras defendeu que o Poder Público tem a obrigação de arcar com um tratamento alternativo, mas desde que ele já seja disponibilizado pelo SUS.


Ética médica


Josimário Silva, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente da Academia Brasileira de Bioética Clínica (ABBC), afirma que não existe uma hierarquia entre a autonomia do paciente e o dever do médico, e que é preciso analisar as particularidades de cada caso.


— Alguns aspectos precisam ser considerados, por exemplo, se a situação é emergência ou não é emergência. Quando tem uma emergência, a prioridade é promover uma assistência que evite a morte do paciente. Isso é um dever legal que temos.


Silva afirma que existem grupos multidisciplinares, chamados de comitês de bioéticas, que servem justamente para avaliar o melhor encaminhamento para cada situação.


— O médico aciona o comitê de bioética e o comitê tem a função de deliberar, analisar, entender esse caso e a partir daí, ele vai emitir um parecer para que o profissional possa subsidiar a decisão dele. O comitê não toma a decisão pelo médico.


O professor, que também é autor do livro “Bioética Clínica - Testemunhas de Jeová”, explica que existem alternativas à transfusão de sangue, mas que esses serviços não estão disponíveis em todos os hospitais:


— O sangue não é a primeira escolha. A gente utiliza uma série de outros recursos para não chegar à transfusão. Hoje já existem estruturas hospitalares que disponibilizam alguns recursos que facilitam para o profissional o não uso do sangue. Isso já tem sido feito, inclusive com cirurgias grandes.

Fonte: O Globo

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