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Simulação em avião e 'concierge' de autismo: como aeroportos e hotéis estão acolhendo os neurodivergentes

Foto do escritor: Portal Saúde AgoraPortal Saúde Agora


Após décadas cuidando de seu filho autista, de 27 anos, Adam Murphy, um pai de três filhos de 51 anos e morador de Gloucestershire, na Inglaterra, percebeu que Ryan estava se tornando um pouco mais aberto a experimentar coisas novas. Assim, Murphy percebeu que seu filho poderia estar pronto para fazer sua primeira viagem de avião. Mas viajar teria certas dificuldades.

— Ir ao nosso supermercado local já pode ser um desafio. Então, como você faz isso? — questionou.


Viajar, por natureza, traz mudanças na rotina e no ambiente, situações imprevisíveis e, muitas vezes, sobrecarga sensorial — tudo isso pode ser avassalador para crianças e adultos neurodivergentes, o que pode incluir aqueles diagnosticados com transtorno do déficit de atenção, hiperatividade, transtorno obsessivo-compulsivo e autismo.


Cerca de 78% das famílias com integrantes autistas, bem como as próprias pessoas autistas, disseram hesitam em viajar, de acordo com uma pesquisa realizada em 2022 pelo International Board of Credentialing and Continuing Education Standards, uma organização que treina e certifica profissionais de viagens para ajudar famílias e indivíduos com necessidades especiais.


Mas 94% dos entrevistados disseram que viajariam mais se tivessem acesso a opções certificadas para reconhecer e entender as necessidades das pessoas com autismo.


Atualmente, essas opções estão aumentando. Nos últimos anos, a indústria de viagens tem trabalhado para se tornar mais inclusiva para viajantes neurodivergentes, com aeroportos oferecendo salas sensoriais e funcionários treinados, hotéis e resorts mudando processos de reservas e acomodando aqueles com necessidades especiais, e destinos sendo certificados, por especialistas em autismo especificamente, para atender visitantes que apresentem tais condições.


Mas viajantes e famílias ainda precisam escolher itinerários que atendam às suas necessidades, considerando detalhes como voos, menus e plantas dos hotéis, ruído e multidões, e proximidade das atividades.


Murphy se preparou por cerca de 12 meses, começando pela escolha do destino: Torremolinos, uma cidade resort no sul da Espanha onde o inglês é amplamente falado e marcas familiares de produtos podem ser encontradas nas prateleiras das lojas. Torremolinos também era acessível por um voo direto de um aeroporto próximo.


— Basicamente, éramos nós mesmos, mas em um país diferente — contou Murphy sobre a experiência de férias, "o que pode parecer meio chato e monótono para muita gente, mas era exatamente o que precisávamos."


Aqui está uma amostra das mudanças que vários setores da indústria estão fazendo para receber viajantes neurodivergentes e suas famílias.


Companhias aéreas e aeroportos


Ensaios de voo, cordões de girassol e novos especialistas


Para qualquer pessoa, voar pode ser uma experiência intensa. No aeroporto, há multidões, ruídos altos e poucos espaços facilmente acessíveis para encontrar calma. Os voos podem atrasar ou ser cancelados.


No avião, há a imprevisibilidade do voo — turbulência e outras interrupções — e as tensões que podem surgir em uma cabine cheia de dezenas de estranhos. Todos esses estressores sensoriais são ampliados para viajantes neurodivergentes.


Há anos, companhias aéreas, aeroportos e organizações sem fins lucrativos têm organizado eventos de prática para viajantes e suas famílias se familiarizarem com o voo, incluindo a realização de voos simulados em aviões reais.


Para Murphy, um aspecto vital de sua preparação para a viagem foi familiarizar Ryan com a viagem e suas complexidades com antecedência.


Para isso, entrou em contato com o aeroporto local em Gloucestershire e com a Fly2Help, um programa de caridade baseado naquele aeroporto, para levar Ryan até lá e familiarizá-lo com um avião. Também procurou vídeos de sons de aviões no YouTube, incluindo o som da descarga de um banheiro de avião, para que Ryan ouvisse e se familiarizasse.


Ele também solicitou um cordão decorado com girassóis, do programa Hidden Disabilities Sunflower, para Ryan usar durante o voo. Esses cordões alegres, reconhecidos em mais de 240 aeroportos em todo o mundo, sinalizam discretamente aos funcionários que esses viajantes podem precisar de ajuda e tempo extras no aeroporto.


Nos aeroportos dos Estados Unidos, a Administração de Segurança no Transporte (TSA) oferece assistência a indivíduos com deficiência ou condições médicas durante o processo de triagem de segurança, e há agentes com treinamento especializado para auxiliar e comunicar-se com esses viajantes.


Salas sensoriais, ou espaços calmos projetados para evitar a superestimulação, proliferaram. Salas foram recentemente inauguradas no Aeroporto Intercontinental George Bush, em Houston, e no Terminal A do Aeroporto Internacional Newark Liberty.


Mas para alguns viajantes, melhorias poderiam ser tão simples quanto uma melhor sinalização.


Aneisha Velazquez, uma mulher de 33 anos da região de Dallas-Fort Worth que trabalha em contabilidade, foi diagnosticada com autismo e TDAH em 2021. Ela sente que a sinalização dos aeroportos é inconsistente, o que torna a passagem pelos terminais, particularmente pela segurança, confusa e estressante.


— Eu geralmente prefiro pecar por excesso e retirar todos os eletrônicos — contou, já que muitas vezes não sabe quais dispositivos precisam ser escaneados separadamente. — Seria mais fácil se houvesse um sinal com fotos como lembrete.


As companhias aéreas estão criando guias visuais para consultar antes de voar. Um, da British Airways, descreve os requisitos da viagem aérea internacional, desde a passagem pela segurança até a coleta de bagagens.


A Emirates também tem um guia de planejamento, adaptado para viagens pelo Aeroporto Internacional de Dubai, e, nos últimos anos, a companhia aérea treinou milhares de seus funcionários para reconhecer e ajudar viajantes neurodivergentes.


Jackie Dilworth, porta-voz da Arc, uma organização nacional que apoia pessoas com deficiência intelectual e de desenvolvimento, enfatizou que a acessibilidade das viagens aéreas ainda varia amplamente, dependendo das companhias aéreas, aeroportos e funcionários.


Hotéis e resorts


Certificações, inclusão e "concierges de autismo"


O hotel está em uma parte movimentada da cidade? Como são os designs dos quartos? Quais quartos do hotel são mais silenciosos e onde eles estão localizados? Que tipos de alimentos eles servem e em quais horários? O hotel tem algum funcionário que possa ajudar com perguntas ou pedidos específicos?


Essas são as perguntas que alguém viajando com familiares neurodivergentes pode fazer ao procurar hospedagem.


Na Espanha, Murphy reservou um hotel voltado para famílias — um que fazia parte da marca Meliá e tinha algumas propriedades nas proximidades que eles poderiam explorar. Tinha uma piscina, uma praia próxima e muitas atividades que Ryan poderia escolher.


Antes de visitar, Murphy ligou para o hotel, informou aos funcionários que viajaria com seu filho autista e pediu um menu atualizado para que Ryan pudesse saber o que comeria naquela semana e em que horário cada refeição seria servida.


Uma vez em Torremolinos, Ryan adorou frequentar o buffet do hotel e experimentar todos os tipos de comida. O hotel oferecia um clube infantil, e Murphy se sentava à mesa e assistia Ryan "felizmente se juntando a todos os outros, querendo dar 'high fives' aos monitores e sorrindo e rindo".

Outros hotéis também estão atendendo hóspedes neurodivergentes.


A Beaches, uma rede internacional de resorts familiares all-inclusive sob a marca Sandals, teve especialistas da I.B.C.C.E.S. treinando sua equipe em conscientização sensorial, comunicação e desenvolvimento de programas para hóspedes. A Beaches também oferece experiências amigáveis ao autismo e guias sensoriais, além de restaurantes que atendem às necessidades alimentares especiais.


Os funcionários dos Hotéis Karisma, que incluem marcas como Nickelodeon, Margaritaville e Azul resorts, foram treinados e certificados pela Autism Double-Checked, outra organização que se concentra na conscientização e educação sobre autismo na indústria de viagens.


O Karisma oferece um "concierge de autismo" para ajudar as famílias que viajam com hóspedes autistas, bem como para apoiá-los no planejamento de suas férias. A empresa também permite que os hóspedes preencham um "passaporte de autismo" que detalha as necessidades individuais, como suas sensibilidades sensoriais, gatilhos emocionais e estratégias de calma.


Grandes redes de hotéis também estão respondendo. Quase 40 propriedades sob o guarda-chuva da Hilton Hotels & Resorts na Europa e nos Estados Unidos participam do programa Hidden Disabilities Sunflower, e a empresa está ativamente adicionando mais ao longo do ano.


Em abril passado, a rede Hyatt Hotels trabalhou com a Universidade de Nova York e a KultureCity, uma organização sem fins lucrativos que treina empresas em acessibilidade sensorial, para identificar maneiras de suas propriedades acomodarem melhor os hóspedes neurodivergentes.


Entre as mudanças propostas pela pesquisa: fornecer antecipadamente imagens da planta baixa da propriedade para que os hóspedes possam se familiarizar com o layout; comodidades, como cobertores com peso ou fones de ouvido com cancelamento de ruído, que ajudam a lidar com a sobrecarga sensorial; e check-in e check-out sem contato.


Mark Vondrasek, diretor comercial da Hyatt, disse que a empresa estava trabalhando para aplicar essas novas práticas em suas propriedades.


— Faz muito sentido do ponto de vista comercial — disse Kaushik Vardharajan, professor associado da Escola de Administração Hoteleira da Universidade de Boston, sobre a indústria se tornar mais inclusiva. —Se você de repente pode oferecer soluções e atender a esse segmento, então você se torna a marca mais popular ou o hotel mais popular para esses clientes.


Pessoas com “deficiências invisíveis”, como autismo, muitas vezes não sabem que tipos de acomodações estão disponíveis para elas e como solicitá-las, disse Rose Ernst, uma escritora e consultora de 46 anos do Alasca, que foi diagnosticada com autismo em 2022:


— Tornar isso mais óbvio seria um ótimo primeiro passo. O segundo é entender um princípio básico de justiça para pessoas com deficiência: as ‘acomodações’ feitas para pessoas com deficiência muitas vezes melhoram a vida de todos.


Parques temáticos, estaduais e nacionais


Acesso especial, salas especiais e uma Muppet autista

Muitos parques temáticos nos Estados Unidos agora oferecem uma variedade de serviços para reduzir o estresse da visita para viajantes neurodivergentes e suas famílias.


Antes de visitar o Universal Orlando Resort, os hóspedes podem baixar um guia que descreve o que esperar em cada atração do parque, incluindo se haverá efeitos estroboscópicos ou ruídos altos, e listar as áreas tranquilas onde visitantes neurodivergentes podem descansar.


Se os pais estiverem preocupados com a forma como seus filhos lidarão com as longas filas para as atrações, eles podem solicitar um 'Passe de Assistência às Atrações', que permite que os hóspedes retornem em um horário específico para a atração em vez de esperar na fila.


Para receber o passe, os hóspedes precisam de um Cartão de Acessibilidade Individual emitido pelo I.B.C.C.E.S. dentro de 30 dias antes da visita.


Os parques Six Flags também fornecem guias sensoriais e espaços sensoriais amigáveis, e o Sesame Place Philadelphia oferece fones de ouvido com cancelamento de ruído, um programa de acessibilidade nas atrações, um guia de acessibilidade e opções de refeições de baixa sensorialidade. No parque, os visitantes do Sesame Place também podem conhecer Julia, uma Muppet autista de 4 anos da Vila Sésamo.


No SeaWorld Orlando, a área da Vila Sésamo é um Centro Certificado de Autismo, com funcionários especialmente treinados, e os hóspedes podem aproveitar as salas tranquilas do parque e o Programa de Acessibilidade nas Atrações, que permite que os visitantes solicitem um horário de embarque em vez de esperar na fila para certas atrações.


No Walt Disney World e na Disneyland, os visitantes neurodivergentes podem evitar as longas filas registrando-se no Disability Access Service, o equivalente da Disney ao Passe de Assistência às Atrações do Universal.


Reformulado este ano, o passe é apenas para aqueles com “deficiência de desenvolvimento como autismo ou um transtorno semelhante”, e a elegibilidade deve ser determinada por um funcionário da Disney antes de desfrutar das atrações. Disney World e Disneyland também oferecem guias que listam locais onde os hóspedes podem descansar e oferecem dicas para turistas neurodivergentes.


Parques estaduais e nacionais também estão fazendo mudanças, abrindo novas trilhas e fornecendo passes de acesso especial.


Um dos lugares mais acessíveis para turistas neurodivergentes é a Trilha da Natureza do Autismo, inaugurada em 2021 no Parque Estadual Letchworth, no oeste de Nova York, e projetada com a orientação da pesquisadora de autismo Temple Grandin.


Começando e terminando no mesmo lugar, a trilha plana de 1,6 km evoca uma sensação de previsibilidade calma. Ao longo do caminho, há oito estações de natureza interativas, incluindo uma “Estação de Celebração” com lousas para registrar impressões ou sentimentos, e um “Círculo de Música” com três instrumentos inspirados na natureza.


Para entrada em todos os parques nacionais, os visitantes neurodivergentes podem solicitar um Passe de Acesso Interagências vitalício gratuito. Alguns parques oferecem mais. O Parque Nacional Mammoth Cave, em Kentucky, prepara os visitantes neurodivergentes para os tours nas cavernas escuras e às vezes lotadas, oferecendo descrições detalhadas do que esperar enquanto estiverem no subsolo.


Da mesma forma, os visitantes podem se preparar para uma viagem ao Parque Nacional Sequoia & Kings Canyon, na Califórnia, assistindo à série de filmes de acessibilidade, com tours detalhados dos locais do parque. E na Reserva Nacional Big Thicket, no Texas, as famílias recebem quadros de tarefas de Velcro para planejar como explorarão as florestas, pântanos e baías do parque.


Ao visitar o Parque Nacional do Vale da Morte, os visitantes podem obter kits sensoriais no centro de visitantes, que incluem cartões de comunicação, fones de ouvido com cancelamento de ruído, mochilas e outros itens.


Jeremy Buzzell, chefe do programa de gestão de acessibilidade do Serviço Nacional de Parques, disse que alguns funcionários passaram por uma série de treinamentos de sete partes para aprender a melhor acomodar visitantes neurodivergentes:


— Queremos garantir que podemos receber todos os visitantes. Precisamos estar prontos para acomodar qualquer necessidade que uma pessoa tenha.


Fonte: O Globo

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