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Seu filho tem problemas para dormir? 27% das crianças de 1 a 6 anos sofrem com isso; veja como ajudá-lo



A Associação Brasileira do Sono (ABS) estima que 2 a cada 3 pessoas no Brasil têm alguma dificuldade relacionada à hora de dormir. Entre as causas, a proporção crescente de brasileiros que lidam com um quadro de ansiedade que foge à resposta natural do corpo humano – cerca de 27%, segundo a última pesquisa Covitel. E numa época marcada por telas frequentes, rotinas agitadas, cobranças precoces e pais “superprotetores”, esse impacto pode começar muito antes do que se imagina.


Uma pesquisa recente conduzida pela Ipsos para o Hospital Infantil C.S. Mott, da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ouviu pais de 781 crianças de 1 a 6 anos do país e identificou que 27% descrevem como algo difícil levar seu filho para dormir, e que cerca de 1 a cada 4 (23%) atribui essa “batalha” ao fato de o pequeno estar preocupado ou ansioso. Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que o cenário não é diferente no Brasil.


— Nas últimas décadas, temos visto um aumento importante dos problemas de ansiedade nos mais novos, que são cada vez mais frequentes e criam uma série de problemas desde dificuldade de concentração, episódios de crise, perspectivas negativas para o futuro, maior risco de desenvolver quadros de depressão e a alteração do sono, que é de fato muito comum — diz o psiquiatra Roberto Santoro, do departamento de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio (Soperj) e coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).


Rosana Cardoso Alves, neurologista e neuropediatra, membro da Associação Brasileira do Sono (ABS), concorda e aponta um “ciclo vicioso”: — A criança leva essa ansiedade para a hora de dormir, briga com os pais, dorme mais tarde e acorda mais à noite. Com isso, fica privada de sono, o que afeta seu comportamento, gerando mais ansiedade, alterações na atenção, mais agressividade e piora no rendimento escolar. É um ciclo difícil de quebrar.


Pais podem agravar (ou ajudar) o problema


As causas para a ansiedade exacerbada na infância ainda não são totalmente estabelecidas, mas os especialistas imaginam que seja um cenário multifatorial. Um desses fatores, afirmam, é uma rotina com excesso de atividades junto ao nível elevado de cobrança que se coloca sobre a criança.


— Hoje ela não para, sai de uma atividade para a outra, para o ballet, aula de piano, inglês, tem uma agenda cheia. Mas ela precisa de tempo de ociosidade. Os estímulos são importantes para o desenvolvimento, mas há limites. E isso acontece porque existe uma expectativa enorme em relação ao que elas precisam desempenhar, há um “modelo” a se buscar, muito reforçado pelas redes sociais, mas que nenhuma criança consegue alcançar — avalia Gustavo Moreira, pediatra, doutor em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da ABS.


A psicóloga Nathalia Heringer, cofundadora do Instituto de Neuropsicologia e Psicologia Infantil, explica que há outras formas pelas quais a atuação dos pais influencia. Uma delas é ao “tutoriar” todas as ações do filho, repassando a própria ansiedade ao reforçar comportamentos que impedem a criança de aprender a lidar com seus medos.


— A ansiedade infantil envolve uma estratégia de enfrentamento do perigo que leva a criança a se esquivar de uma situação desconfortável. E percebemos que os pais muitas vezes acabam reforçando essas estratégias ao super proteger o filho, o controlando demais. Às vezes, no parquinho, eles falam “não sobe ali, é perigoso”, reforçando essas soluções de fugir, de não enfrentar os medos, dificultando o ganho de habilidades para lidar com ansiedade — diz.


Por outro lado, os pais têm um papel crucial em estimular comportamentos que vão na direção contrária, incentivando a criança a adquirir tais habilidades: — Encorajar a autonomia e a independência da criança em coisas simples, como “vai filho, pode subir no escorregador, você consegue”, desde cedo é muito importante. Dá à criança o senso de que ela consegue lidar com os desafios, o que, para uma criança de um, dois anos, é algo pequeno, como subir no escorregador.


Isso vale mesmo quando o desfecho não é positivo, acrescenta: — Encorajar até mesmo quando são apenas tentativas. Dizer “que bom que você tentou filho”, mesmo que ele não tenha conseguido.


Falta de rotina e impacto das telas


Um dos pontos revelados pela pesquisa da Universidade de Michigan é que os pais que relataram dificuldades para o filho dormir tinham uma probabilidade maior de não adotar uma rotina noturna com a criança, e maior de deixá-la com um vídeo ou programa de TV ligados ou de ficar no quarto até que o pequeno pegasse no sono.


“Uma rotina previsível na hora de dormir proporciona uma sensação de segurança e conforto e sinaliza para a criança que é hora de desacelerar. Saber o que esperar em seguida pode reduzir a ansiedade e ajudar as crianças a se sentirem seguras e relaxadas”, diz Sarah Clarck, pesquisadora do departamento de Pediatria do C.S. Mott que participou do novo levantamento, em comunicado.


Alguns hábitos relatados pelos pais que responderam a pesquisa foram a retirada de telas, contar histórias, tomar um banho antes de ir para cama e falar sobre o dia. Rosana, da ABS, explica que criar esses rituais que são associados ao sono é uma boa estratégia, assim como estabelecer sempre um mesmo horário para dormir e acordar.


— A criança é sensível a rotinas, então ter horários regulares ajuda muito. Evitar atividades depois das 17h também é importante porque tem crianças que nesse momento o corpo já está se preparando para dormir. Assim como atividades muito cedo, também não são indicadas — afirma.


Outro fator unânime entre os especialistas é o impacto do excesso de telas. — Elas ficaram muito expostas durante a pandemia, e agora muitos pais não conseguem mais ter um controle adequado. Há vários estudos mostrando uma relação entre o uso excessivo e o desenvolvimento de ansiedade e depressão. Essa questão imediatista do universo digital a criança acaba levando para a vida. Ela quer algo naquele minuto, por exemplo, e não entende que nem sempre isso é possível — continua Rosana.


E não é somente o uso da tela, mas o conteúdo delas, especialmente com o acesso de muitas crianças pequenas às redes sociais. — Temos estatísticas pelo mundo mostrando que mesmo que as redes proíbam a entrada de crianças, há uma quantidade absurda que já têm acesso, por vezes até estimuladas pelos pais. Aí entra uma série de outros problemas, como a comparação da aparência com os outros, cyberbullying, e outras realidades que distorcem o processo de desenvolvimento delas e influencia na ansiedade — diz Santoro.


Sinais de alerta


Nathalia explica que existem perfis que são mais propensos a desenvolver um quadro de ansiedade na infância: — Crianças com inibição comportamental, que são mais reativas à rotina, têm um temperamento mais difícil nos primeiros anos de vida, maior timidez, que têm dificuldades em se adaptar na escola e cujos pais têm ansiedade são grupos a que deveríamos ficar mais atentos.


Em relação a como identificar esse quadro, ela conta que sinais costumam envolver não conseguir se distanciar para ir brincar; deixar de fazer coisas que ela gosta por causa da ansiedade, como aula de ballet, de natação; ser reativa sempre que há algo novo; querer controlar o ambiente, ou seja, sempre as coisas do jeito dela; ter dificuldade para fazer escolhas e amizades, e o impacto no sono.


— O sono é um pilar da saúde mental. Ele é a base de todo o desenvolvimento e da saúde mental. Então pensar em dormir bem é também uma medida preventiva. É um primeiro passo que precisamos tomar — alerta a especialista.


Quando a criança não dorme bem, a recomendação é que a estratégia seja adotar a famosa higiene do sono, como pela rotina com horários regulares. Mas, caso não funcione, é importante buscar ajuda especializada, diz Santoro:


— Diminuir os estímulos na hora de dormir, criar um local confortável para a criança, realizar atividades menos intensas no fim do dia, são medidas que funcionam. Quando mesmo assim o problema continua, vale a pena procurar um profissional de saúde. Às vezes, a insônia pode ser decorrente de problemas de saúde físicos, não apenas mentais.


Fonte: O Globo

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