Em um vídeo do TikTok, que já acumulou quase meio milhão de visualizações, a influenciadora Mady Maio descreve um passeio. Mas não qualquer caminhada: é a silenciosa. Para ela, o passeio de 30 minutos foi revelador. Sem podcasts, sem música. "Apenas ela, ela e ela mesma". No início, ela resistiu por ser ideia do namorado e a ansiedade atrapalhava a iniciativa.
Mady descreveu os primeiros dois minutos como um “caos” mental que acabou por dar lugar a um “estado de fluxo”. As ideias começaram a surgir em sua cabeça porque ela estava “dando espaço para elas entrarem”.
A caminhada silenciosa é a mais recente obsessão de bem-estar do TikTok, uma mistura de meditação e exercícios que visa melhorar a saúde mental. Ao contrário da igualmente moderna “caminhada da garota gostosa”, uma aventura de seis quilômetros que exige estabelecimento de metas e agradecimento, a caminhada silenciosa não envolve multitarefa. Não há outra agenda senão a de colocar um pé na frente do outro e observar o mundo ao seu redor.
Caminhar em silêncio é uma tradição antiga enraizada na "atenção plena", uma forma de meditação que ajuda as pessoas a se concentrarem nas sensações físicas, pensamentos e emoções do momento presente, sem qualquer julgamento.
O fato de a caminhada silenciosa não ser novidade atraiu um coro de críticos: “A Geração Z acha que acabou de inventar a caminhada”. O que fez a Arielle Lorre, criadora de conteúdo em Los Angeles, de 38 anos, rir.
— Quinze ou 20 anos atrás, isso nem teria sido uma conversa. Mas caminhar silenciosamente parece relevante agora porque muitos de nós ficamos presos aos nossos dispositivos digitais — afirma Arielle, que discutiu frequentemente os benefícios das caminhadas silenciosas, mais recentemente em seu podcast e no TikTok.
A questão para Arielle é: “Como podemos neutralizar isso?”.
Caminhar é um conforto para a mente e o corpo. A pesquisa mostrou que caminhar apenas 10 minutos extras por dia pode levar a uma vida mais longa. E um estudo de 2020, publicado no The Journal of Environmental Psychology, descobriu que uma caminhada de 30 minutos num parque urbano reduziu a quantidade de tempo que as pessoas permanecem em pensamentos negativos. Também foi demonstrado que caminhar melhora a criatividade e ajuda a evitar a depressão.
Arielle, que caminha em silêncio por pelo menos 45 minutos, aproximadamente quatro vezes por semana, afirma que desde que começou essa prática, há cerca de um ano, agora "dorme melhor, se sente mais calma e tem uma energia mais consistente ao longo do dia".
Mas para algumas pessoas, a ideia de uma caminhada silenciosa pode parecer torturante. Um estudo de 2014 descobriu que, se não tivessem outra opção, as pessoas ficariam sem fazer nada ao invés de de ficarem sozinhas com seus pensamento.
— A maioria das pessoas parece preferirem nada ao invés de fazer algo, mesmo que isso seja negativo — escreveram os autores do estudo.
Caminhar, no entanto, pode tornar mais agradável passar tempo com nós mesmos, dizem os especialistas.
Erin C. Westgate, professora assistente de psicologia da Universidade da Flórida em Gainesville que estuda o tédio, descobriu em sua pesquisa que estar "em trânsito", o que incluía caminhar ou usar transporte público, era um dos momentos em que as pessoas relatavam com mais frequência ter se divertido nos seus próprios pensamentos:
— Caminhar não é tão exigente a ponto de ocupar muito a sua mente, o que nos dá permissão e licença para sonhar acordado.
Se a ideia de sonhar acordado parece luxuosa, pode ser porque a nossa capacidade de atenção diminuiu nas últimas duas décadas.
Agora gastamos, em média, cerca de 47 segundos em um conteúdo da tela antes de mudar para outro conteúdo, de acordo com uma pesquisa liderada por Gloria Mark, professora de informática da Universidade da Califórnia, Irvine, e autora de “Attention Span .” Em 2004, porém, a professora descobriu que as pessoas podiam gastar em média dois minutos e meio lendo e-mails antes de passarem para outra tarefa de trabalho.
— Mudar continuamente nossa atenção de uma tarefa para outra é desgastante, mas uma caminhada silenciosa pode ajudar a reabastecer o nosso “tanque” para que tenhamos uma reserva maior de energia mental. Em outras palavras, se desconectar por um tempo pode realmente nos ajudar a ter um melhor desempenho — enfatiza Gloria.
A professora sugeriu fazer pausas e afastamento do mundo digital em outros momentos, não apenas quando estamos caminhando, e que pensemos em uma meta emocional para o dia, não apenas em uma lista de tarefas.
Por exemplo, se seu objetivo é se sentir calmo, você pode escrever isso em um post-it e consultá-lo quando pensar em como gastará seu breve tempo livre naquele dia.
— Muitos de nós sentimos que estamos sempre atrasados e correndo para recuperar o atraso. Isso pode levar a um estado de distração tão grande ao ponto de nem estarmos presentes no momento em que estamos vivendo mesmo — alerta David M. Levy, professor da Escola de Informação da Universidade de Washington, em Seattle, e autor de “Mindful Tech”.
Mas, de acordo com o professor Levy, em uma sociedade orientada para o futuro, precisamos de oportunidades para estarmos satisfeitos com o aqui e agora e "diminuir a pressão para sermos produtivos", acrescentou: — Há uma grande beleza e vitalidade no mundo fora do que quer que estejamos fazendo em nossos dispositivos.
Fonte: O Globo
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