Conhecer melhor os desafios existentes, monitorar e se preparar para novas ameaças pandêmicas e oferecer estrutura capaz de desenvolver fármacos e tratamentos para graves doenças. A construção do Orion, laboratório de biossegurança máxima (NB4) de R$ 1 bilhão, cuja obra integra o Novo PAC, do governo federal, promete alavancar a ciência brasileira.
Projetado para ser uma estrutura única no mundo, por integrar três linhas de luz síncrotron do Sirius, acelerador de partículas brasileiro localizado no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), o Orion, na avaliação de José Luiz Proença Módena, coordenador do Laboratório de Estudo de Vírus Emergentes (LEVE) do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, será "um marco para a virologia nacional".
O especialista destaca que há uma demanda mundial por estruturas do tipo, e que a falta de um NB4 em toda a América Latina faz com que pesquisadores brasileiros esperem por até dois anos para conseguir acesso a locais com esse tipo de contenção biológica - saiba abaixo o que pode ser feito nessa estrutura. 'Monitorar ameaças pandêmicas' Além disso, Módena ressalta que o Brasil concentra uma das maiores reservas de vírus na natureza com potencial de infectar humanos e causar doenças graves - como a febre hemorrágica brasileira, provocada pelo Sabiá (SABV), único microorganismo já descoberto no país classificado como classe 4, a mais perigosa, e que está em circulação no território brasileiro.
O professor da Unicamp diz que estima-se que haja no país entre 500 e 600 mil vírus que não foram descobertos ainda, e a aceleração na degradação de biomas traz preocupação de uma nova ameaça pandêmica, como a Covid-19. "Os vírus estão em todos os lugares, entramos em contato com eles todos os dias, em todos os lugares. Mas aqueles com maior potencial de infectar humanos estão circulando na natureza, principalmente em seres de sangue quente, e o Brasil tem a maior diversidade desses animais. (...) Entramos na era das pandemias virais, com o impacto sobre a natureza, vivendo em ambientes onde não vivíamos antes, indo de um lugar para o outro de forma mais rápida, e estamos vivendo uma explosão de novas doenças por vírus que nunca se viu antes", detalha. Para que serve um laboratório NB4? Modena explica que no mundo existem quatro níveis de biossegurança para manipulação de patógenos, que indicam a periculosidade de acordo com os proedimentos que são realizados. Mas não é somente para manipular vírus de classe 4, com alto grau de letalidade como Ebola e Marbug, em que não existem medidas de controle, como vacina ou tratamento pós-infecção, que o NB4 serve.
"O tipo do procedimento aumenta a chance de risco de contaminação. Se for um trabalho com um agente nível 3, mas o experimento vai concentrar vírus ou infectar um animal de grande porte, é preciso a contenção biológica máxima para diminuir o risco de contaminação em que está trabalhando ou gerar um surto", explica o professor. O especialista lembra que caso ocorra um surto com o Sabiá, vírus que possui registro apenas no Brasil, o país dependeria da disponibilidade de um laboratório de máxima contenção no mundo para buscar respostas de um problema local - amostras isoladas do vírus estão no exterior, uma vez que não existe estrutura para mantê-lo em segurança por aqui.
"A espera para fazer um trabalho pode chegar a dois anos, a não ser que consiga furar a fila, mas isso depende de colaboração, parceria, da emergência. Esse é um gargalo mundial", destaca. Desenvolver remédios Mais do que poder manipular o vírus para conhecê-lo melhor para que possam enfrentá-los, os cientistas também dependem desse alto nível de contenção biológica para desenvolver certos fármacos. "É um problema quando se precisa testar em primata, por exemplo. Isso tem de ser feito em um NB4, por conta da alta chance de exposição, contágio. E isso para diferentes tipos de vírus, não apenas um classe 4. Se você tem um agente nível 3, mas precisa trabalhar com animais de grande porte, vai precisar de um NB4 por segurança", detalha Módena. Projeto empolga comunidade O projeto do Orion foi desenvolvido para colocar à disposição dos pesquisadores, dentro da área de contenção máxima, três linhas de luz síncrotron do Sirius (estações de pesquisa) para os trabalhos de pesquisa com esses patógenos. "Teremos uma linha de raio X de alta definição dentro do laboratório. Se conseguir formar um cristal, por exemplo, vamos poder estrutura a estrutura da proteína de um vírus viável, em que a qualidade é melhor, dentro de um local seguro. Ver inflamação, estrutura", detalha. Especialista em trabalhos com arbovírus, como o Mayaro, Oropouche, Zika e Chikungunya, José Luiz Proença Módena diz que o projeto empolga a comunidade científica.
"A notícia foi muito comemorada pelos virologistas. É uma estrutura que foi pensada não apenas para atender ao CNPEM ou a Unicamp, mas para ser um centro de referência nacional. A gente acredita que vá impulsionar a virologia brasileira, ao fomentar a cadeia de conhecimento, permitir intercâmbio com pesquisadores de fora", projeta o professor da Unicamp. Acrescenta-se a isso o fato de que o projeto Orion prevê a formação e capacitação de brasileiros para operar o NB4.
"Hoje a gente não tem um centro de formação de alta contenção biológica. Um pesquisador brasileiro que vai trabalhar fora, vai passar um ano fazendo treinamento antes de começar a atuar. Isso limita a chance de ser contrata. Ela já sendo treinado, vai poder atuar aqui ou no exterior, sem problemas", pontua.
Diante das ameaças de novas pandemias no futuro, assim como ocorreu com a Covid-19, Módena reforça a necessidade do Brasil possuir essa estrutura como forma de se preparar para tais desafios. "É um investimento caro, mas que precisa ser feito, para a gente conseguir lidar se aparecer uma coisa dessa", concluiu. Detalhes do projeto O laboratório de biossegurança máxima (NB4) que será construído no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), terá uma característica única no mundo: é a primeira vez que a estrutura estará conectada a uma fonte de luz síncrotron, o Sirius. Conheça, abaixo, detalhes do projeto.
🧪 O complexo laboratorial de máxima contenção biológica representa um avanço para o Brasil, que permitirá pesquisas com patógenos capazes de causar doenças graves e com alto grau de transmissibilidade (das chamadas classes 3 e 4) - estrutura essa que não existe até hoje em toda a América Latina.
💉Possuir um laboratório de biossegurança máxima (NB4) oferece condições ao país de monitorar, isolar e pesquisar os agentes biológicos para desenvolver métodos de diagnóstico, vacinas e tratamentos.
🧫No caso do Brasil, mais do que armazenar e manipular essas amostras biológicas, o laboratório de biossegurança máxima terá acesso exclusivo a três linhas de luz (estações de pesquisa) do Sirius, o que não existe em nenhum outro lugar do mundo.
🌟 É por conta dessa conexão com o Sirius que vem o nome do projeto, Orion, em homenagem à constelação que possui três estrelas apontadas para a estrela que batizou o acelerador de partículas brasileiro. 👩🔬 O projeto prevê a capacitação de cientistas brasileiros para lidar com agentes infecciosos desses tipos. Essa formação já integra o custo previsto de R$ 1 bilhão.
🏗 O complexo laboratorial terá cerca de 20 mil metros quadrados, e sua construção está prevista para ficar pronta até 2026. Após essa etapa, o Orion passará pelo chamado comissionamento técnico e científico, e também por certificações internacionais de segurança, para que possa entrar em operação regular. Vírus circulantes na mira De acordo com o CNPEM, existem cerca de 60 laboratórios de máxima contenção no mundo, com estrutura e certificados para manipular amostras biológicas classificados como "classe 4" - nenhum deles na América do Sul, Central ou Caribe. 🥼 E o que isso permite? Para se ter uma ideia, o primeiro e único vírus desta categoria já identificado no Brasil, o Sabiá (SABV), que causa a febre hemorrágica brasileira, doença diagnosticada em humanos pela primeira vez na década de 1990, tem amostras isoladas armazenadas no exterior.
Pesquisas mais aprofundadas sobre a doença não são realizadas hoje em solo brasileiro por falta de infraestrutura adequada. Segundo Antônio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, a doença teve recentes notificações.
😷 Veja exemplos de outros vírus que poderão ser manipulados no Orion e que são circulantes na América Latina:
Junín: causador da febre hemorrágica argentina
Guanarito: causador da febre hemorrágica venezuelana
Machupo: causador da febre hemorrágica boliviana
No mundo, estruturas como essa são as responsáveis por análises e estudos de vírus como o Ebola, por exemplo, que são mais perigosos que o Sars-Cov-2, causador da Covid-19.
E a própria Covid-19 serve de alerta sobre a necessidade de monitoramento de agentes conhecidos, em constante mutação, e novas ameaças - crescimento populacional e desmatamento, por exemplo, são apontados como fatores de desequilíbrio em áreas que podem ser reservatórios naturais de doenças ainda desconhecidas. “A pandemia recolocou no centro do debate a importância do domínio nacional de uma base produtiva em saúde, bem como o papel do Estado na coordenação de agentes e investimentos no enfrentamento da crise sanitária. Nesse contexto, a implantação do laboratório de biossegurança nível 4 é estratégica para o país. E a conexão entre o NB4 e a fonte de luz síncrotron abrirá grandes oportunidades de pesquisa e desenvolvimento na área de patógenos, posicionando o Brasil como liderança global”, afirmou a ministra Luciana Santos. Por que o Orion será único no mundo? De acordo com Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, além de instalações laboratoriais em NB3 e NB4 e das estações de pesquisa com técnicas de luz síncrotron, junto ao Sirius, o projeto deve ainda reunir laboratórios de pesquisa básica, técnicas analíticas e competências avançadas para imagens biológicas, como microscopias eletrônicas e criomicroscopia. "Todas essas competências científicas reunidas em um único complexo é algo que o diferencia de toda infraestrutura disponível no Brasil e no mundo", destaca. 📝Um dos pontos-chave do projeto está na capacitação de pessoal, que contará com parcerias com instituições internacionais de referência e treinamentos no exterior. O programa prevê atividades práticas em ambiente-modelo (Laboratório Mockup), no próprio CNPEM.
Segundo Silva, as equipes enfrentrão condições simuladas, sem a manipulação de materiais infecciosos ou risco de contágio, sob supervisão de profissionais capacitados.
"Paralelamente às obras e aos desenvolvimentos tecnológicos do Projeto Orion, o CNPEM irá conduzir um programa nacional de treinamento e capacitação em infraestruturas de alta e máxima contenção biológica, voltado à formação de recursos humanos em competências ainda pouco desenvolvidas no Brasil e nos demais países da América Latina", detalha o diretor. Sirius, fase 2 Considerado o principal projeto científico brasileiro, o Sirius é um laboratório de luz síncrotron de 4ª geração, que atua como uma espécie de "raio X superpotente" que analisa diversos tipos de materiais em escalas de átomos e moléculas.
Ele foi projetado para abrigar até 38 linhas de luz (estações de pesquisa), sendo 14 delas previstas na primeira fase. Agora, com o novo PAC, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vai destinar mais R$ 800 milhões para avançar no projeto, com a construção de mais 10 novas linhas.
Junto as novas estações previstas, outras três serão construídas e conectadas ao complexo Orion (dentro do orçamento do laboratório). As linhas no Sirius são batizadas com nomes inspirados na fauna e flora brasileira, e essas serão a Hibisco, Timbó e Sibipiruna.
As três linhas, segundo o diretor do CNPEM, devem ser entregues justamente com toda a estrutura voltada para pesquisa básica, técnicas analíticas e competências de bioimagens previstas para o Orion.
"Essas estações de pesquisa permitirão extrair informações estruturais quantitativas a respeito dos sistemas infectados com patógenos de classe 3 e 4, desde o nível subcelular até o nível de organismo. Com isso, geraremos imagens 3D que permitirão, por exemplo, o estudo celular em escala nanométrica, passando pela dinâmica de inflamação nos tecidos e danos aos órgãos, até o acompanhamento do processo de infecção no organismo. Juntamente com as outras técnicas avançadas que serão integradas no Orion, teremos condições para que patógenos, células, tecidos e organismos sejam pesquisados de forma segura, o que tornará possível a compreensão dos fenômenos biológicos relacionados ao desenvolvimento das doenças e guiará o desenvolvimento de futuros métodos de diagnóstico, vacinas e tratamentos", detalha Silva. ❓ Como funciona o Sirius? Para observar as estruturas, os cientistas aceleram os elétrons quase na velocidade da luz, fazendo com que percorram o túnel de 500 metros de comprimento 600 mil vezes por segundo. Depois, os elétrons são desviados para uma das estações de pesquisa, ou linhas de luz, para os experimentos.
🧲 Esse desvio é realizado com a ajuda de ímãs superpotentes, e eles são responsáveis por gerar a luz síncrotron. Apesar de extremamente brilhante, ela é invisível a olho nu. Segundo os cientistas, o feixe é 30 vezes mais fino que o diâmetro de um fio de cabelo. Fonte: G1
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