Pessoas acometidas pela depressão costumam se sentir — e parecer — mais velhas do que informa a certidão de nascimento. Não se trata de apenas de sensação. A depressão pode, de fato, tornar uma pessoa mais velha do que a idade cronológica, pois causa envelhecimento acelerado.
Um novo estudo de cientistas brasileiros, franceses e canadenses não apenas demonstra esse envelhecimento, como indica caminhos para melhorar o diagnóstico e o tratamento da mais comum das doenças mentais. Ela afeta cerca de 4% da população mundial — ou 320 milhões de pessoas — pelas estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Além de abrir novas vias para o desenvolvimento de medicamentos, o trabalho mostra que jejum e exercícios ajudam no tratamento e na prevenção.
— A depressão está associada a um envelhecimento acelerado e evidências desse processo são encontrados mesmo em pacientes jovens — destaca um dos autores do estudo Flávio Kapczinski, professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de Porto Alegre (UFRGS), em Porto Alegre.
A chave está numa proteína chamada GDF11 (sigla em inglês para fator de diferenciação de crescimento 11) revela a pesquisa, publicada no periódico Nature Aging. A GDF11 é um fator de rejuvenescimento. É produzida pelo organismo para dizer às células quando é a hora do detox, de se limpar e jogar fora estruturas celulares danificadas. A ciência chama isso de autofagia.
A depressão está ligada a falhas na autofagia, afirmam os pesquisadores. Há mais de duas décadas Kapczinski e seu grupo investigam os mecanismos biológicos da depressão e outras doenças psiquiátricas, como o transtorno bipolar. Em 2014, quando o papel antienvelhecimento da GDF11 foi descoberto, eles imaginaram que ele poderia ter relação com a depressão. O artigo é a prova de que estavam certos.
— Identificamos fatores tóxicos na depressão e fechamos uma parceria com o Instituto Pasteur, na França, que investigava o papel da GDF11 no rejuvenescimento de neurônios no hipocampo. Mostramos que em animais deprimidos e idosos, a GDF11 promove autofagia nos neurônios e isso tem efeitos que melhoram a memória e a depressão — destaca Kapczinski, considerado um dos pesquisadores mais influentes do mundo em psiquiatria, também diretor do Programa de Neurociência da Universidade McMaster, no Canadá, e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Translacional em Medicina (INCT-TM).
Participaram do estudo cientistas do Pasteur, da McMaster e do Brasil, do grupo do INCT-TM. Os pesquisadores também descobriram que em pacientes deprimidos os níveis de GDF11 são mais baixos. Inclusive nos jovens — a média de idade dos 120 participantes do estudo era 26 anos.
— Uma das coisas que chama atenção nos pacientes com depressão é que parecem mais velhos. Nossa linha de estudo mostra uma razão biológica. O nível de GDF11 está baixo mesmo nos jovens com depressão e indica que eles estão envelhecendo de forma acelerada. Esses níveis baixos de GDF11 podem ser um biomarcador de depressão — explica o cientista.
Nos animais usados como modelos de depressão foram identificados os sinais de envelhecimento: aumento da inflamação e de oxidantes, diminuição dos telômeros (extremidade dos cromossomos que encurta à medida que se envelhece) e de fatores de crescimento celular.
Tratados como GDF11, os roedores melhoraram dos sintomas de depressão e também de demência. Kapczinski diz que na demência há acúmulo indesejável de proteínas por falhas na autofagia. Também é sabido que doenças mentais como a depressão e mesmo o estresse crônico aumentam o risco de demência. Assim, normalizar a autofagia seria uma forma de tratar a demência.
— Por isso, acreditamos que, além de ser um marcador biológico da depressão, a GDF11 possa abrir portas para um novo antidepressivo ou medicação para a demência — enfatiza o cientista.
A GDF11 faz parte de uma complexa rede de interações químicas dentro das células. Ela inibe outra substância chamada mTOR. O papel desta última é bloquear a autofagia no neurônio. Na depressão esse processo de faxina celular está desregulado. Por isso, quando se administra GDF11, os neurônios voltam a realizar a autofagia e a funcionar com normalidade.
Os resultados encontrados em animais precisam ser confirmados em seres humanos, mas Kapczinski está convencido que o caminho rumo a tratamentos mais eficientes para a depressão e a demência é promissor.
— Quem tem depressão começa a envelhecer mais cedo. E talvez ela seja parte de um quadro mais complexo no processo de envelhecimento. O efeito da GDF11 é particularmente forte nos neurônios, mas ele está presente em outros tecidos. Há muita coisa que não sabemos, mas o que descobrimos nos deixa animados — enfatiza Kapczinski. Jejum intermitente e exercícios Existem formas de estimular o organismo a manter a faxina interior em dia e prevenir doenças sem recorrer a medicamentos. Exercícios aeróbicos e jejum intermitente estimulam a autofagia e são aliados importantes contra a depressão e as perdas cognitivas, frisa o professor de psiquiatria Flávio Kapczinski.
Tanto o jejum quanto a atividade aeróbica mais intensa estimulam as células a se livrarem daquilo que prejudica seu funcionamento.
O cientista diz que uma hipótese é que esse efeito benéfico seja uma herança evolutiva do tempo em que seres humanos eram obrigados a percorrer muitos quilômetros para comer e não serem comidos. E também a suportarem longos períodos sem alimentos.
Sob estresse da atividade intensa e da falta de comida, o organismo se protegia. Mas, sem essa limpeza, verdadeiros detritos celulares se acumulam e, com o passar do tempo, causam danos.
Um exemplo dos benefícios da dieta e do exercício é o caso de uma paciente tratada pelo grupo de Kapczinski, em Porto Alegre. Aos 66 anos, Joana (esse não é o nome verdadeiro da paciente), se viu prisioneira de depressão. Vivia isolada em casa e não tinha disposição para nada.
— A primeira coisa que nos chamou atenção é que ela parecia mais velha do que sua idade cronológica — diz o psiquiatra.
Dona Joana também estava acima do peso e era extremamente sedentária. Na verdade, passava a maior parte do tempo deitada. Chorava fácil, se lamentava de tudo, perdera a autonomia e tinha déficit de memória.
Sofria de síndrome metabólica: glicemia e colesterol nas alturas, gordura visceral (em torno dos órgãos) acumulada e inflamação pelo corpo. Vivia a base de sedativos e calmantes, mas isso não aliviava a ansiedade.
Kapczinski diz que a melhora significativa do quadro depressivo aconteceu quando ela, além da terapia farmacológica, passou a realizar um programa intensivo de exercícios aeróbicos e dieta. Dona Joana chegava a beber nada menos que cinco litros de refrigerantes por dia e comia basicamente alimentos ultraprocessados. Trocou tudo por água e dieta saudável.
— Em seis meses a paciente reduziu o peso, aumentou a mobilidade e voltou a participar de reuniões familiares. Teve melhora da memória e das funções cognitivas — conta ele, salientando a importância da atividade física e da alimentação no tratamento de doenças mentais.
Fonte: O Globo
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