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Quase mil profissionais de saúde morreram por Covid-19 no Brasil


 
 

O Brasil se aproxima de mais uma triste marca na pandemia: chega a quase mil profissionais de saúde mortos pela Covid-19. Em pouco mais de 10 meses, pelo menos 990 médicos, enfermeiros e técnicos, de acordo com dados oficiais, morreram vítimas da doença. A média é de três por dia desde o primeiro registro de óbito, ocorrido em 12 de março, segundo o Ministério da Saúde.


Os números foram compilados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que contabiliza 465 médicos mortos, e pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), cujos registros de óbitos dão conta de 525 vítimas.


As informações foram repassadas pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde, além de conselhos regionais de medicina, sindicatos médicos e sociedades de especialidades médicas. No levantamento, foram considerados apenas mortes por Covid-19.


O Rio é o estado com o maior número de mortes de médicos no período: foram 67 profissionais. São Paulo, com 63, e o Pará, com 54, aparecem na segunda e terceira posições, respectivamente.


Para Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e autor da nota técnica “Vacinação prioritária contra Covid-19 para trabalhadores da saúde no Brasil”, as mortes desses profissionais ocorreram de forma ininterrupta ao longo de toda a pandemia:


— O fluxo de atendimento é permanente, a linha de frente nunca foi desativada. Ou seja, mesmo nos períodos de estabilidade, nós mantivemos patamares elevados. Há um ano temos alta ocupação de enfermaria, leitos de UTI, triagem, em momento algum os profissionais de saúde deixaram de estar expostos. Nunca deixaram de ter alto risco. Não por acaso são o público prioritário (no programa de vacinação).


O número de mortes de profissionais de saúde do Brasil é similar ao de outros países duramente atingidos pela doença, mas é menor do que os do México (1.320, e população de cerca de 127 milhões) e dos Estados Unidos (1.077, com população de quase 330 milhões de pessoas), de acordo com dados amealhados pela Anistia Internacional.


Para o vice-presidente do CFM, Donizetti Giamberardino, a análise sobre a letalidade dos profissionais de saúde deve levar em consideração contextos regionais. É o caso do Pará, estado que é menos populoso, mas onde a mortalidade dos médicos é próxima de Rio e São Paulo, que encabeçam o ranking.

— Países como Brasil e EUA tiveram a população mais atingida, e os médicos estão inseridos nesse contexto. Como o Brasil é campeão em desigualdades, em estados onde a estrutura é menos provida de equipamentos de proteção individual e há sobrecarga de trabalho, isso acaba tendo correlação direta com os óbitos — explica Giamberardino.


Entre as vítimas, profissionais renomados


Entre as quase mil vítimas estão médicos reconhecidos por seus pares em suas especialidades. Precursor do serviço de cirurgia cardíaca no Hospital das Clínicas de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o cardiologista Rubens Andrade Alves, de 73 anos, não hesitou em atender no ambulatório durante a pandemia, mesmo com marca-passo. Solteiro e formador de gerações de residentes, Alves dizia que o hospital era sua vida. Lá, afirmava, ele seria mais útil.


O cirurgião-geral Francisco de Assis, de 72, tampouco deixou a emergência no pronto-socorro que ajudou a fundar em Salgueiro, a 500 quilômetros de Recife, por conta da Covid-19.


Referência no tratamento de dores crônicas, a anestesiologista Rosa Maria Papaléo, de 75, fez questão de seguir na linha de frente na capital pernambucana e, com sua experiência, auxiliava os colegas na entubação dos pacientes de Covid-19, uma das tarefas de maior exposição ao vírus.


Antes de ser internado, o ginecologista e obstetra Hildoberto Carneiro de Oliveira, de 79, passava seus dias dedicado às gestantes que acompanhava no hospital da Mulher, em Bangu, na Zona Oeste do Rio.


Outra vítima da Covid-19, o auxiliar em enfermagem de Rondônia Raimundo Socorro Lopes Lamarão, de 51 anos, exerceu outras funções, como diretor de UPA e conselheiro do Conselho Regional de Enfermagem, mas quis ir para a linha de frente desempenhar sua função para ajudar os pacientes no começo da pandemia. Até que, no fim do ano passado, contraiu a Covid-19 e acabou perdendo sua vida, mesmo sem ter comorbidades.


Prioridade na vacinação para quem está na linha de frente


Para Giamberardino, mesmo que a contaminação não ocorra necessariamente na linha de frente, profissionais como os cinco destacados nesta reportagem devem ter prioridade na vacinação.


Em São Paulo e outros estados, médicos têm questionado o critério de imunização do governo estadual e reclamado da falta de vacinas para quem está mais exposto ao vírus. Presidente da associação de médicos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, cujo atendimento é referência para a Covid-19, Eder Gatti tem cobrado providências do governo estadual.


— É preciso rever os critérios e priorizar os profissionais que prestam atendimento diretamente à Covid-19 — reivindica.


Gatti também acredita que a escassez de EPIs tenha contribuído para as mortes de médicos, enfermeiros e técnicos. No entanto, acrescenta que a gestão do governo Bolsonaro na pandemia também impactou as estatísticas.


— Quando o presidente promove aglomerações e não usa máscaras, isso tem efeito no número de casos e afeta os profissionais que estão na linha de frente — destaca.


Pessoas próximas e familiares dos profissionais da saúde vitimados pela Covid-19 lembram com carinho do cuidado deles na relação com os pacientes. Amigo do cardiologista Rubens Andrade Alves no Hospital das Clínicas de Botucatu, o médico André Balbi o descreve como afetivo, próximo dos alunos e incansável na assistência dos doentes.


— As últimas palavras dele antes do quadro se agravar e ser entubado foram: "Espero voltar logo para atender no meu ambulatório semana que vem". O professor tinha dedicação aos pacientes sem igual — afirma Balbi, emocionado.


Filha do clínico e cirurgião-geral Francisco de Assis, a radiologista Ana Carla Belfort conta que ela e as irmãs tentaram reduzir os atendimentos prestados pelo pai a pacientes com sintomas respiratórios na emergência. Em vão.


— Numa emergência é quase impossível não ter contato com o vírus. Pouco antes de ser entubado, meu pai disse que se soubesse que iria morrer à noite gostaria de trabalhar à tarde — afirmou Ana Carla.


Carolina Fernandes de Oliveira, filha do ginecologista e obstetra Hildoberto Oliveira, lembra com emoção a origem humilde do pai, que nasceu na fronteira do Acre com o Amazonas, era filho de um seringueiro e aprendeu a ler e escrever aos 13 anos de idade. Depois, construiu a vida no Rio, onde formou família e realizou mais de 50 mil partos.


— Ele sempre comentou que morreria trabalhando, até o último dia. E que nunca abandonaria seus pacientes. Para ele a medicina foi um sonho e uma forma de conseguir uma outra vida, diferente daquela do seringal — conta Carolina.


Fonte: O Globo

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