Chegar em casa depois de um dia cansativo e dizer “estou exausto”. Brigar com o parceiro, sentir que não aguenta mais e dizer impulsivamente em voz alta que “não dá para continuar nessa relação”. Ambos são exemplos da dificuldade que o cérebro tem em se adaptar à realidade que o cerca e que, consequentemente, faz com que as pessoas atuem de maneira precipitada, quase que instintivamente, sem fazer uso da sua capacidade de raciocínio. Para explicar essas reações, devemos levar em conta uma luta interna que acontece todos os dias no nosso corpo entre o sistema límbico, associado às emoções, e o córtex pré-frontal, ligado à razão.
Por conta da grande quantidade de estímulos recebidos diariamente, o cérebro está constantemente “acendendo e apagando as luzes”. Assim, diante do grande fluxo de informações que são recebidas e para as quais o cérebro não está preparado, surgem respostas de estresse, medo e outras emoções semelhantes que revelam o “desequilíbrio evolutivo” que esse órgão essencial está vivenciando.
Jackie Delger, neuropsicoeducadora e autora de "Catadores de emociones" (Provadores de emoções, traduzido do espanhol), afirma que para conseguir incorporar todos os estímulos, o cérebro não consegue processar a realidade como algo agradável e, portanto, surge o sofrimento ou a angústia por não conseguir integrar todas as informações.
— O que estamos vivenciando é extremamente complexo porque, depois de milhares de anos em que o mundo mudou, nosso cérebro permaneceu o mesmo— ela explica. Segundo Jackie, a sociedade sobrevive em ambientes modernos com cérebros que se assemelham aos da Idade da Pedra.
A neuropsicoeducadora destaca que esse órgão está programado para viver sob determinadas condições, mas o ambiente atual não corresponde mais a elas. — Somos regidos principalmente pela parte animal do cérebro e não pela parte racional, sendo este o lado que nos permite ter uma conversa, discutir sem perder a calma ou ouvir o que o outro tem a nos dizer sem explodir de raiva — ela afirma.
Dessa forma, a grande questão levantada pela especialista é que, ao serem constamente tomados pela emoções que condicionam o cérebro do animal, há pouca diferença entre os homens modernos e seus ancestrais. — Basta sair à rua e ver como dois vizinhos brigam na disputa por uma oferta no supermercado — Delger ilustra.
Porém, segundo a especialista, com conhecimento e perseverança é possível ter consciência da capacidade que todos têm de assumir o controle da realidade. —Todo mundo tem uma Ferrari estacionada em casa e pronta para usar, só não sabe dirigi-la.
Trabalho em equipe
Do movimento dos dedos à frequência cardíaca, o cérebro gerencia quase tudo. Por isso pode ser comparado a um centro de computação que monitora constantemente uma pessoa e cujo modo de funcionamento desempenha um papel crucial na forma como se executam ações e na maneira como emoções e pensamentos são processados.
Pesquisadores têm tentado identificar tanto o seu funcionamento como as partes responsáveis pela gestão do resto do corpo e dos processos mentais há centenas de anos. Em 1937, James Papez, um dos mais conhecidos estudiosos desse campo, deu uma importante contribuição à ciência ao publicar um artigo que descrevia o circuito cerebral no qual se originam as emoções: o lobo límbico.
Anos mais tarde, Paul MacLean, pesquisador da Universidade de Yale, pegou o circuito de Papez e adicionou mais estruturas a ele, renomeando-o como sistema límbico.
— Grande parte da nossa experiência em tempo real resulta da interação de duas partes do cérebro: o sistema límbico e o córtex pré-frontal, região que desempenha as funções de análise lógica, planejamento para o futuro e autocontrole. Quando você compreender essa interação, entenderá melhor como a mente funciona — escreveu o psicólogo clínico americano Jeremy Shapiro em seu livro "Finding Goldilocks: A Guide for Creating Balance in Personal Change, Relationships, and Politics" (Encontrando Cachinhos Dourados: Um Guia para Criar Equilíbrio em Mudanças Pessoais, Relacionamentos e Política, traduzido do inglês).
Fisicamente, o córtex pré-frontal ou o lobo frontal está localizado no córtex cerebral, que é a parte superior do cérebro. O sistema límbico está localizado no centro do cérebro e inclui as estruturas inferiores do mesencéfalo.
Para ilustrar como funcionam, Shapiro relata uma experiência com um paciente em seu livro: — Certa vez, cuidei de alguém que foi atacado em uma sala onde estava sendo feito café. Anos mais tarde, o cheiro do café deixou-o enjoado, mas ele sabia que não havia nenhuma ligação causal entre o café e a sua agressão. Como podemos explicar esta aparente contradição? Seu córtex pré-frontal sabia que ele estava seguro, mas seu sistema límbico havia aprendido que o cheiro de café significava um ataque de revirar o estômago. É por isso que emoções fortes causam sensações físicas poderosas — ele esclarece.
A lebre e a tartaruga
Ramiro Fernández Castaño, médico especialista em Neurologia Cognitiva e Medicina do Sono, relata que para entender melhor a diferença entre o lobo frontal e o sistema límbico, devemos entender que o segundo é a parte primitiva do cérebro que “se prepara para sobreviver”, respondendo a situações de estresse e emergência. Dessa forma, qualquer estímulo que faça a pessoa acreditar que está em risco ativa o sistema límbico, que envia mais sangue para os músculos, aumenta a frequência cardíaca e deixa o corpo pronto para fugir.
— Nosso cérebro é igual ao dos nossos pais e avós, não evoluímos para algo diferente. O que acontece é que utilizamos mais outras áreas que talvez não tenham sido levadas em conta— o neurologista afirma ao comentar sobre a "enxurada de estímulos" gerada pelos avanços tecnológicos e pelas responsabilidades sociais.
Segundo o médico, os primeiros seres humanos já tinham o sistema límbico e o lobo frontal desenvolvidos, mas os utilizavam para caçar ou pular entre duas pedras e evitar cair. — Hoje usamos esse planejamento para outras coisas. Temos muito mais estímulos prazerosos, por exmplo, porque podemos ter tudo em nossas mãos em segundos. Nosso sistema límbico não é ativado porque um leão está correndo em nossa direção, mas sim acende porque estamos ou não acompanhando tudo que acontece nas redes sociais — Castaño ressalta.
O que antes era uma tarefa complexa já não é hoje. — Estamos conectados por meio de plataformas como Instagram e TikTok, que oferecem conteúdos que o algoritmo sabe que você gosta, ou seja, gera ativação do circuito de recompensa no cérebro — ele destaca.
Aprendizagem constante
Assim, a mente se acostuma a receber um “bombardeio” de estímulos agradáveis que geram, nas palavras do médico, o medo de perder algo que não se sabe se existe, chamado em inglês de "fear of missing out“ ou FOMO. —Tudo isso é um circuito que favorece distúrbios da esfera emocional como ansiedade, depressão, insônia e hiperexcitação — o neurologista complementa.
O Centro de Pesquisas do Sistema Nervoso do México informa que a alteração e o desequilíbrio do sistema límbico estão relacionados às causas de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e demência, além de ansiedade, epilepsia, transtornos afetivos, autismo e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).
María Gabriela Silva Farah, especialista em Biomagnetismo, acrescenta que certas práticas submetem partes do corpo a campos magnetostáticos produzidos por ímãs permanentes e favorecem a obtenção de benefícios à saúde. Para ela, é fundamental entender que o cérebro está em constante aprendizado e que é apenas mais um órgão, mas que tem algo em particular: controla quase tudo que está abaixo dele.
— Quando começamos a nos preocupar e a exagerar (ou distorcer a realidade) as memórias aparecem como uma fotocópia, ou seja, toda vez que queremos retornar a uma memória original o cérebro faz cópias, então as versões mais recentes são totalmente diferentes da original— ela explica. Consequentemente, as centenas de estímulos que devem ser convertidos em memórias para serem lembradas no futuro sobrecarregam o cérebro. — Os milhões de fluxos de informação obtém uma realidade cada vez mais dura e mais competitiva — afirma Silva Farah.
Além da deformação natural das memórias, o turbilhão de informações faz com que comecemos a duvidar da memória e o “talvez não tenha sido assim” surge junto com possíveis cenários alternativos que desencadeiam o estresse. — Isso é gerado diretamente pelos dendritos, prolongamentos ramificados de uma célula nervosa, que são obrigados a caminhar em um ritmo para o qual não têm capacidade de processar. Por isso me sinto inseguro, ansioso, estressado e o cérebro transcreve isso em angústia— a pesquisadora afirma.
Jackie Delger dá um exemplo para entender como esse estresse reflete no cérebro: — A parte límbica/emocional do cérebro é aquela que vê uma figura de autoridade como um leão que se aproxima, ou enxerga a política e as notícias econômicas como um veneno — ela destaca.
Assim, é possível dizer que o córtex pré-frontal pensa de forma relativamente lenta e faz esforços conscientes e laboriosos para descobrir as coisas, tal como faria uma tartaruga. E o sistema límbico atua como uma lebre que reage sem usar a razão, de forma impulsiva e extremamente rápida (em milissegundos).
Silva Farah ressalta que o desequilíbrio que ocorre entre as duas partes do cérebro é, em parte, natural dada a realidade existente e que representa um atraso evolutivo do ser humano. Para a biomagnetista, se entendermos que isso faz parte do funcionamento do corpo e que não podemos ter 100% de controle, o estresse ou desconforto pode diminuir.
Há, portanto, esperança no fim do túnel. A especialista destaca: — São habilidades que devem ser desenvolvidas aos poucos e que, aliadas à compreensão da evolução natural, farão com que o cérebro tenha "mais luz’”.
Técnicas que favorecem o equilíbrio interno
Diversas atividades ajudam a desenvolver o lobo frontal e despertam essa parte do cérebro. São elas:
Meditação e mindfulness
Ramiro Fernández Castaño afirma que devemos reestruturar o cérebro para estar mais no aqui e agora, e não no que talvez esteja faltando ou no que pode acontecer. Para isso, ele sugere iniciar a prática de meditação e mindfulness. — São duas técnicas reconhecidamente eficazes e que reestruturam os circuitos neurais para reduzir o estresse — o neurologista afirma.
Atividade física
Em uma pesquisa conduzida pela Universidade de British Columbia, foi revelado que o exercício aeróbico regular, que estimula o coração e as glândulas de suor, aumenta o tamanho do hipocampo, a área do cérebro envolvida na memória verbal e no aprendizado. Portanto, o exercício ajuda a desenvolver o lobo frontal e a melhorar o humor, o sono e a reduzir o estresse e a ansiedade.
Exercícios de respiração
A respiração ajuda na oxigenação adequada do corpo e, portanto, na energia e no humor. — Um método simples é focar no ar que entra e sai do nariz, enquanto conta de 1 a 10 e de 10 a 1 — aconselha Delger. O desafio da prática reside em ser honesto: cada vez que surge um pensamento intrusivo, você recomeça.
Liste as tarefas pendentes e se recompense ao completá-las
— É aconselhável fazer uma listagem das tarefas que tenho que realizar e começar por aquela considerada mais difícil. Por usar toda a capacidade mental para completá-la, quando termino posso sentir falta de energia ou exaustão. Então, faço um descanso ao ouvir uma música agradável, dançar ou caminhar alguns quarteirões — recomenda Delger.
Práticas de autoconhecimento
Delger sugere que se aprofundar nas técnicas de autoconhecimento e autogestão emocional nos permite regular a parte instintiva/emocional e nos afastar um pouco das telas. Por exemplo, ela indica olhar nos olhos do interlocutor em uma conversa ou desativar alertas e notificações do celular para ter o poder de decidir quando deseja verificá-lo.
Explore o tédio
Os especialistas consultados reforçam que é fundamental abraçar o tédio, pois esse estado tem a capacidade de despertar o cérebro e potenciar a sua criatividade. Por sua vez, Delger destaca que hoje um dos grandes perigos das crianças é que elas ficam superestimuladas e nunca ficam entediadas, o que leva à ansiedade pela incapacidade de não fazer nada ou de se contentar com uma brincadeira básica.
Biomagnetismo
Outra alternativa é o biomagnetismo. — Busca-se um equilíbrio magnético para ajudar a pessoa a transitar e integrar o que está acontecendo em sua mente — recomenda María Gabriela Farah. Como ela explica, a estratégia ajuda a reduzir a tensão cerebral, ao impedir que os dendritos entrem em choque.
Fonte: O Globo
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