Por que algumas pessoas nunca têm ressaca? A ciência explica
- Portal Saúde Agora
- 5 de abr.
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Só uma vez na vida, Matthew Slater gostaria de sentir uma ressaca. Mas mesmo que Slater, de 34 anos, termine uma garrafa de vodca, ele ainda acorda se sentindo bem no dia seguinte.
— A menos que me conheçam, as pessoas geralmente não acreditam em mim — conta. — É meio que senso comum que, quando você bebe um monte de veneno, seu corpo vai reagir.
Daniel Adams, de 23 anos, também nunca se sentiu enjoado ou fraco na manhã seguinte a uma noitada. Em uma noite no início deste mês, ele bebeu um engradado de Budweiser, depois um engradado de Coors Light e, em seguida, algumas doses (ele não lembra quantas) de álcool.
Na manhã seguinte, enquanto seus amigos gemiam de dor e náusea, ele acordou às 6h30 e correu seis quilômetros.
Os cientistas têm um termo para pessoas como Slater e Adams: "resistentes à ressaca". E, ao longo da última década e meia, pesquisadores tentaram entender por que algumas pessoas se sentem exaustas e desgastadas no dia seguinte à bebedeira e outras não sentem absolutamente nada.
É difícil determinar quantas pessoas são verdadeiramente resistentes à ressaca. Grande parte da pesquisa depende de os participantes descreverem a agonia de suas próprias ressacas, uma medida subjetiva. Afinal, uma dor de cabeça que parece insuportável para uma pessoa pode não parecer digna de menção para outra.
Um dos primeiros estudos a mostrar a prevalência da resistência à ressaca foi publicado em 2008. Os pesquisadores encontraram o fenômeno por acidente, relata Jonathan Howland, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston e um dos autores do artigo. Eles estavam tentando entender como a bebedeira pesada afetava o desempenho das pessoas no trabalho no dia seguinte, apenas para descobrir que quase um quarto delas não teve ressaca alguma.
Os pesquisadores realizaram inúmeras variações do estudo, analisando centenas de estudantes na área de Boston e cadetes da marinha sueca.
Geralmente, a equipe mantinha os participantes em um laboratório durante a noite e dava a cada pessoa álcool suficiente para elevar sua concentração da substância no sangue para cerca de 0,12, de modo que ficassem suficientemente intoxicadas, afirma Damaris Rohsenow, professora de Ciências Comportamentais e Sociais da Universidade Brown, que trabalhou nos testes. Durante toda a noite, profissionais de saúde monitoravam os participantes. A cada hora, verificavam se alguém havia vomitado.
Pela manhã, os pesquisadores faziam uma série de perguntas aos participantes. Em uma escala de um a dez, quão tontos estavam? Quanta sede sentiam? Quão enjoados ficaram?
Os pesquisadores também analisaram estudos anteriores com diferentes grupos, incluindo estudantes do ensino médio, adultos em áreas rurais do estado norte-americano de Michigan e pessoas em tratamento por transtorno de uso de álcool. As descobertas em todos esses estudos mostraram que, em média, cerca de um quarto das pessoas não sentia ressaca.
— O mesmo número se confirmava repetidas vezes — afirma Howland.
A única questão era: por quê? Ninguém entende todos os fatores que causam ressacas, ressalta Howland, o que torna a resistência a ela difícil de estudar. Mas os pesquisadores levantaram algumas teorias sobre por que alguns poucos sortudos permanecem imunes.
Um dos suspeitos é a genética, que ajuda a determinar a velocidade com que nossos corpos metabolizam o álcool. Pessoas que metabolizam o álcool mais rapidamente tendem a ter ressacas menos severas, explica Ann-Kathrin Stock, neurocientista da Universidade Técnica de Dresden.
— A genética parece ter um papel maior para algumas populações do que para outras — complementa.
Por exemplo, pessoas de ascendência asiática frequentemente relatam ressacas terríveis, o que pode ocorrer porque muitas têm níveis muito baixos de uma enzima que ajuda a processar o álcool e seus metabólitos tóxicos.
Segundo Stock, outra teoria é que pessoas com sistemas imunológicos mais fracos podem ser mais suscetíveis a ressacas. O álcool pode desencadear uma inflamação generalizada — é por isso que uma ressaca ruim pode parecer uma doença — e mais inflamação normalmente significa que a pessoa se sente mais doente.
— Pessoas resistentes à ressaca também costumam relatar baixos níveis de ansiedade de forma geral, enquanto aquelas que já estão estressadas ou deprimidas são mais propensas a sofrer ressacas, e das piores — acrescenta Stock.
Muito sobre a ressaca ainda é um mistério. Os pesquisadores ainda não sabem se pessoas que têm ressacas piores são mais suscetíveis a outros efeitos negativos do álcool ou se a resistência à ressaca leva as pessoas a beber mais. Mas Rohsenow afirma que é difícil conseguir financiamento para estudar o tema em laboratório. E sem mais testes, pessoas como Matthew Slater continuam sendo algo como uma maravilha médica.
Da sua parte, Slater sabe que seus amigos sentem inveja de sua vida sem ressacas. Mas ele também se pergunta se beberia menos se, como outras pessoas, se sentisse péssimo no dia seguinte.
Fonte: O Globo
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