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'Nova era na medicina': EUA aprovam 1º terapia com edição genética; entenda



A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, aprovou nesta sexta-feira a primeira terapia com a tecnologia de edição genética CRISPR, que rendeu o Prêmio Nobel de Química a uma dupla de cientistas em 2020. O aval foi concedido para o Casgevy, tratamento para pacientes a partir de 12 anos com anemia falciforme, desenvolvido pela farmacêutica Vertex.


A autorização acontece cerca de um mês depois que a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA) se tornou a primeira no mundo a dar um sinal verde para um fármaco que utiliza o CRISPR – também o Casgevy. Cientistas celebraram as decisões como o início de uma nova etapa na medicina genética.


“A terapia genética promete fornecer tratamentos mais direcionados e eficazes, especialmente para indivíduos com doenças raras, onde as opções de tratamento atuais são limitadas”, destaca a diretora do Escritório de Produtos Terapêuticos do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA, Nicole Verdun, em comunicado.


Na mesma decisão desta sexta, a FDA aprovou o Lyfgenia, da Bluebird Bio, que, embora não utilize o CRISPR, é também uma terapia genética para anemia falciforme. Ambas são as primeiras alternativas terapêuticas do tipo para a doença, cujo tratamento até então se limitava a transfusões de sangue, uso de oxigênio e medicamentos para controlar os sintomas.


A anemia falciforme, que afeta cerca de 100 mil pessoas nos EUA, especialmente a população negra, é caracterizada por uma mutação na hemoglobina, proteína dos glóbulos vermelhos que carregam o oxigênio. Com isso, o glóbulo vermelho desenvolve um formato de foice, o que restringe seu fluxo nos vasos sanguíneos e limita o fornecimento do oxigênio pelo corpo.


Ela pode causar dor intensa e danos aos órgãos, nos chamados eventos vaso-oclusivos (VOEs) ou crises vaso-oclusivas (VOCs). Nos testes clínicos do Cagsevy, porém, 97% dos pacientes permaneceram sem dores intensas por pelo menos 12 meses após o tratamento, e 93% sem os VOCs. Com o Lyfgenia, 88% dos pacientes não manifestaram as VOEs entre 8 e 12 meses após a terapia.


“Essas aprovações representam um importante avanço médico com o uso de terapias genéticas inovadoras baseadas em células para combater doenças potencialmente devastadoras e melhorar a saúde pública. As ações de hoje seguem avaliações rigorosas dos dados científicos e clínicos necessários para apoiar a aprovação, refletindo o compromisso da FDA em facilitar o desenvolvimento de tratamentos seguros e eficazes para condições com graves impactos na saúde humana”, diz o diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA, Peter Marks.


O que é o CRISPR?


A técnica CRISPR é considerada revolucionária e alvo de estudos em diversas frentes de pesquisa médica, embora essas sejam as primeiras aprovações para uso clínico. O método funciona como uma espécie de "tesoura genética" para fazer “recortes” com precisão em locais do DNA. Na medicina, o objetivo é que essas edições nos genes consigam tratar doenças genéticas.


— A aprovação é uma situação semelhante à da vacina da Covid-19 de RNA mensageiro, que inaugurou uma técnica nova no uso clínico. Existem estudos com o CRISPR para câncer, doenças degenerativas, diabetes tipo 1, a tecnologia tem um grande potencial para diversos diagnósticos — disse o doutor em Genética pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Salmo Raskin, diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba.


Na prática, com o Casgevy, o método funciona por meio da retirada de células-tronco da medula óssea do paciente para que elas sejam editadas em laboratório com o CRISPR e reintroduzidas no indivíduo. Raskin explica que existe uma produção de hemoglobina durante a fase fetal que é interrompida graças a um gene chamado BCL11A. Por isso, a técnica "recorta" esse gene, para que essa hemoglobina volte a ser produzida nos pacientes e compense as alteradas pela doença.


O Lyfgenia também envolve a retirada das células para que sejam manipuladas e, posteriormente, reintroduzidas. Porém, as alterações são feitas por meio de um vetor viral que é utilizado como um veículo para modificações genéticas. O objetivo, neste caso, não é recortar o DNA, mas realizar mudanças que levem à produção de um tipo diferente de hemoglobina que é mais próxima à de indivíduos saudáveis.


Os procedimentos são promissores e têm levado a novos tratamentos em desenvolvimento para diversas doenças genéticas. Porém, são delicados. Envolvem internação hospitalar e um preparo semelhante ao do transplante de medula. No caso do Casgevy, por exemplo, os efeitos colaterais relatados foram também parecidos com os da cirurgia, como náuseas, fadiga, febre e aumento do risco de infecção.


Além disso, depois de as células editadas serem reintroduzidas, os pacientes precisam permanecer pelo menos um mês no hospital para que elas se instalem na medula óssea e comecem a produzir glóbulos vermelhos com a forma estável da hemoglobina.


— Existe o uso do CRISPR in vivo e ex vivo. O ex vivo é esse em que eles retiram as células, fazem a edição e depois realizam a reintrodução. Isso é mais complexo, caro e requer diversos cuidados. Existem testes in vivo com a técnica, que é realizado direto no local. Um recentemente mostrou resultados muito animadores para tratar colesterol alto em pacientes com uma doença genética que causa o aumento — explicou Raskin.


E há riscos que ainda estão sendo desvendados associados às terapias genéticas. Segundo a FDA, com o Lyfgenia houve casos registrados de pacientes que desenvolveram câncer hematológico, por isso esse risco estará incluso na embalagem. Além disso, os pacientes deverão ter um monitoramento ativo para o resto da vida em relação ao possível surgimento de doenças do tipo.


A agência disse ainda que todos que receberam tanto o Lyfgenia, como o Casgevy, serão acompanhados por um estudo de longa duração para obter mais informações sobre segurança e eficácia.

Fonte: O Globo

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