Antes de começar a tomar metadona, Vinny Parisi teve 16 overdoses por usar drogas de rua, incluindo fentanil. Comendo de latas de lixo e dormindo sob uma ponte no bairro do Harlem, em Nova York, ele finalmente chegou ao fundo do poço, conta.
Agora, Parisi vai todas as manhãs de segunda a sexta-feira a uma van branca do tamanho de um trailer estacionada em um hotel da rede Days Inn no South Bronx. Em poucos minutos, ele bebe um líquido rosa brilhante — uma dose de metadona —, economizando as horas de deslocamento e espera que muitas vezes são necessárias para visitar uma clínica física para obter a droga.
— Isso definitivamente funciona, eu sou a prova viva — afirmou Parisi em uma terça-feira recente, fora da van, onde ele estava esperando com cerca de uma dúzia de outros homens do seu programa de tratamento residencial para dependentes químicos.
Ele tem apenas 30 anos, mas está entrando e saindo de programas de tratamento desde os 15 anos, após começar a abusar de analgésicos em Staten Island.
— Minha mãe me enviou uma foto de mim e de 12 amigos, e eu sou o único que ainda está vivo — conta.
Difícil de conseguir
Parisi é um dos aproximadamente 450 mil americanos que tomam metadona, uma arma poderosa na luta contra a crise de overdose de fentanil que se esconde à vista de todos. A metadona, um opioide potente, tem sido usada há décadas para tratar pessoas viciadas em drogas como heroína. Mas também pode ser difícil de conseguir, devido às regras governamentais que mantêm sua distribuição rigorosamente controlada.
À medida que a crise mortal de overdose nos Estados Unidos piorou, no entanto, algumas dessas regras estão sendo flexibilizadas. Agora, alguns especialistas em saúde pública esperam que programas de tratamento móveis, como o do Bronx, ajudem a aumentar o acesso.
— A metadona é um medicamento extremamente eficaz — diz Noa Krawczyk, especialista em tratamentos para transtorno do uso de opioides na Faculdade de Medicina Grossman da Universidade de Nova York. — Salvou milhares, provavelmente milhões, de vidas ao redor do mundo. E, no entanto, nos EUA, é extremamente difícil de conseguir.
As vans foram aprovadas pelo governo federal em 2021, levantando uma moratória sobre seu uso que estava em vigor desde 2007. Seu objetivo é alcançar alguns dos milhões de americanos que lutam contra o vício em opioides que as aproximadamente 2 mil clínicas de metadona do país não podem.
Enquanto outros tratamentos para dependência podem ser prescritos por médicos e retirados em farmácias, a metadona só pode ser distribuída em clínicas especiais que impõem regras rigorosas aos destinatários, e agora em vans afiliadas a essas clínicas. Na modalidade de tratamento em uma clínica, os pacientes muitas vezes têm que passar por lá seis dias por semana e fazer testes regulares de drogas e aconselhamento.
Automedicação
Os regulamentos foram projetados para limitar a chance de que a metadona fosse vendida na rua ou mal utilizada, o que poderia causar overdoses. A metadona é muito menos potente do que o fentanil, mas tem valor no mercado paralelo, muitas vezes entre aqueles que querem se automedicar para evitar os sintomas de abstinência de opioides.
Um número crescente de estudos, no entanto, tem mostrado que os riscos da droga são significativamente superados por seus benefícios, especialmente agora que os opioides de rua são tão perigosos.
— Não há razão para que a metadona só possa ser prescrita e fornecida em um programa de tratamento de opiáceos — defende Nora Volkow, diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Institutos Nacionais de Saúde.
Estima-se que 107.500 pessoas morreram de overdose de drogas nos Estados Unidos em 2023, cerca de 74.700 delas após ingerirem fentanil. Isso foi uma sutil diminuição em relação ao ano anterior, quando cerca de 76.200 pessoas morreram de overdoses de fentanil, quase 5 mil delas no estado de Nova York, de acordo com os dados mais recentes disponíveis.
Ainda assim, as vans não são uma panaceia.
Embora tornem o tratamento mais acessível, ressalta Volkow, o custo e as restrições contínuas limitam o número de pessoas que elas podem ajudar.
Alto custo
Construir e equipar uma van de metadona custa cerca de US$ 375 mil, de acordo com as organizações de Nova York que as operam. Os veículos precisam replicar o ambiente de alta segurança das clínicas, com um guarda de segurança, câmeras de 360 graus e um cofre para os medicamentos.
— Precisamos pensar sobre a sustentabilidade desses custos — obsera Volkow.
Atualmente, existem 42 vans registradas nos EUA, embora nem todas estejam operacionais ainda, afirma Linda Hurley, membro do conselho da Associação Americana para o Tratamento da Dependência de Opioides e diretora de uma organização que opera uma van de metadona em Rhode Island. Em Nova York, as autoridades estaduais aprovaram 11 vans, mas até agora, apenas duas estão nas ruas, ambas na cidade de Nova York, informa Chinazo Cunningham, comissária do Escritório de Serviços e Apoio ao Vício do estado.
— Isso é algo novo, então não sabemos, mas esperamos que melhore o acesso e que alcancemos pessoas que normalmente não seriam alcançadas — diz Cunningham.
Quase metade dos 62 condados de Nova York não têm sites de tratamento para opioides, de acordo com uma análise recente. Os programas que existem estão frequentemente concentrados na cidade.
Mas, até agora, o alcance das vans de metadona de Nova York é limitado. Desde que começou a operar em dezembro passado, a van no Bronx teve apenas 63 pacientes diferentes.
O veículo é operado pela Acacia Network, um provedor de serviços sociais. Por enquanto, ele tem apenas uma parada, um estacionamento em um Days Inn que serve como um abrigo para homens sem-teto, onde trata cerca de 25 a 30 pessoas por dia.
Busca por locais
A organização está planejando adicionar uma segunda parada no Bronx em breve, provavelmente perto de um movimentado hub na Third Avenue com a 149th Street, onde o uso aberto de drogas é comum. Mas encontrar um lugar para estacionar lá que seja aceito pelos vizinhos e que forneça alguma privacidade para os pacientes está demorando. Além disso, a Acacia queria começar devagar, para “resolver qualquer problema que surja”, explica David C. Collymore, diretor médico da organização.
Um subsídio inicial de US$ 550 mil do estado para essa van provavelmente precisará de complementação em breve, segundo Collymore. A Acacia também está equipando vans que serão lançadas no Brooklyn, Albany, Buffalo e Dunkirk, uma cidade a sudoeste de Buffalo.
A outra van operando na cidade de Nova York é gerida pelos Serviços Comunitários VIP. Ela para uma ou duas vezes por semana em frente a três instalações de tratamento residencial — no Harlem, na Wards Island e em Long Island City — e trata cerca de 90 pacientes por semana, afirma a organização.
Alguns especialistas na área da medicina de dependência querem que a metadona esteja disponível em farmácias locais. Outros, no entanto, dizem que o aconselhamento e a conexão com outros serviços que uma van ou clínica podem fornecer são essenciais, já que os pacientes muitas vezes têm outras necessidades médicas e a metadona pode ser perigosa.
— É bom acordar e não ter que se preocupar em se medicar de outra maneira — acrescena ele — Porque, sabe, eu morri algumas vezes por causa dessas drogas de rua.
Fonte: O Globo
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