
Fazem elogios ambíguos. Te comparam com outras pessoas. Te insultam sob o pretexto de "crítica construtiva". Sempre tentam te superar ou demonstrar que são melhores. Disfarçam insultos com perguntas e, quando são confrontados por seus comentários, dizem que estão "fazendo uma piada", escreve uma usuária da rede social Reddit em uma postagem sobre negging, um neologismo que o Dicionário Cambridge define como: "A prática de fazer comentários negativos ou levemente insultantes a alguém que considera atraente para despertar seu interesse".
A palavra vem do inglês e é um acrônimo de “negative compliment”, (“elogio negativo”, em tradução livre). O negging é um tipo de manipulação emocional cujo objetivo é enfraquecer a autoestima da vítima por meio de comentários que, a princípio, soam inofensivos, mas que, a longo prazo, podem ter consequências na psique do receptor.
Ali Jackson, uma das influenciadoras digitais pioneiras em expor o mundo dos encontros e o ‘lado B’ da vida amorosa, explicou em seu podcast o pano de fundo desse mecanismo tóxico de atração. — Acontece quando alguém te insulta para aumentar seu valor na sua cabeça. Assim, uma parte do cérebro pensa que quem faz os comentários negativos deve ser melhor e, portanto, você sente a necessidade de se provar para essa pessoa e demonstrar que está à altura para se relacionar com ela. —, comenta.
Alguns exemplos de negging:
Elogios ambíguos: “Adoro que você não se importe com a forma como se veste”; “Você é muito inteligente para alguém que estudou (X curso)”; “Eu não costumo sair com pessoas como você, mas gosto de você”.
Mencionam seus ex de uma maneira que gera insegurança ou comparação: “Minha ex tinha um corpão, malhava todo dia na academia”; “Minha ex nunca fazia drama com essas coisas, era uma pessoa super tranquila”.
Piadas com tom de insulto: “Tem algo estranho com você para ainda estar solteiro”; “Você é um partidão... pena que ninguém percebeu isso ainda”; “Se você não tivesse um temperamento tão difícil, já estaria casado(a)”.
Fingem que estão fazendo um favor: “Olha que eu não costumo sair com pessoas como você, mas algo me atraiu”; “Eu nunca me abro emocionalmente com ninguém, mas desta vez estou fazendo uma exceção”.
Uma forma de manipulação que surgiu nos anos 90
Erik von Markovik, um escritor, artista e animador canadense, mais conhecido por seus seguidores como ‘Mystery’, foi quem propagou, na década de 90, um movimento de estratégias misóginas para seduzir mulheres, entre as quais se destaca o negging.
Na verdade, foi o The New York Times que, há 20 anos, afirmou que von Markovik inventou o termo com o objetivo de diminuir momentaneamente a autoestima das mulheres e sugerir um desinteresse irresistível. No entanto, é importante destacar que o guru norte-americano alertava que “essa tática deve ser usada apenas com mulheres excepcionalmente bonitas e acostumadas a receber constantes elogios”.
A filosofia por trás do método é contundente: destruir a confiança da outra pessoa para elevar o próprio valor relativo e ganhar poder na relação. Mystery descreveu o negging como “um comentário negativo, feito sutilmente, que faz com que o alvo baixe a guarda e questione seu próprio valor”.
Foi nessa mesma época que começaram a se popularizar os gurus ou coaches que ensinavam homens ‘estratégias de conquista’ por meio de discursos dominados por uma visão machista. Um exemplo claro desse tipo de ensinamento é o personagem de Tom Cruise no filme Magnólia; nele, o ator interpreta Frank T.J. Mackey, um coach motivacional que ensina os homens a “seduzir e destruir”.
As consequências para as vítimas
A princípio, Sol Buscio, psicóloga, explica que a manipulação é uma tendência inata dos seres humanos, mas o problema surge quando alguém — consciente ou inconscientemente — usa essa habilidade para fazer com que outra pessoa, seja um parceiro, amigo ou conhecido, aja de uma determinada maneira. — Algumas das formas mais fáceis de conseguir isso são gerando culpa no outro ou assumindo um papel de superioridade para ir persuadindo a outra pessoa a fazer o que se deseja —, explica.
Profissionais da saúde mental garantem que o negging pode ter efeitos psicológicos significativos em quem o recebe, especialmente se for um tipo de interação frequente ou se a vítima já tiver problemas de autoestima ou inseguranças prévias.
— A autoestima é um dos principais aspectos afetados, pois, nesse tipo de vínculo, o manipulador questiona ou minimiza a realidade da vítima —, acrescenta Buscio. Além disso, ela ressalta que as consequências podem levar a vítima ao isolamento e ao aumento da angústia, podendo causar grandes danos.
Estudos como o intitulado “Elogios ambíguos: como as comparações negativas minam os elogios”, publicado pela Escola de Neg[ocios da Universidade de Harvard, revelam que esse tipo de comentário ambíguo é uma forma comum de abuso verbal em relações afetivas. Embora os manipuladores usem o negging para impor um status mais alto ou parecerem superiores aos outros, os pesquisadores concluíram que, no geral, “os receptores e observadores externos não percebem aqueles que fazem esses elogios como pessoas de maior status ou simpatia. Além disso, os elogios de duplo sentido reduzem a motivação de quem os recebe.”
A pesquisa também menciona que uma preocupação excessiva com a própria imagem é o que impulsiona as pessoas a fazer esse tipo de ‘elogio’, levando-as, a longo prazo, a serem percebidas negativamente pelos outros.
Sobre a possibilidade de reverter os efeitos da manipulação, Ailin Gómez Mari, psicóloga, considera que sim. — Isso implica um trabalho terapêutico para que a pessoa possa revisar suas formas de se relacionar e começar a enxergar o outro em uma posição de igualdade —, afirma. Em relação ao agressor, ela destaca que é difícil que ele aceite esse tipo de trabalho, pois isso implicaria abrir mão de uma posição familiar, que lhe traz benefícios.
Fonte: O Globo
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