
A oncologista Ana Coradazzi não esquece, mesmo muitos anos depois, o impacto que uma paciente teve em sua trajetória na medicina. Internada, a mulher em questão ouvia Ana ao longo de diversos dias explicar suas condutas técnicas. Ao longo das visitas, a especialista detalhava à paciente que iria, por exemplo, usar um antibiótico para dar conta de uma alteração, ou sugerir novas abordagens na quimioterapia, entre outras alternativas. Sempre focando nos aspectos técnicos daquele atendimento. Em um certo momento, porém, a paciente ergueu as mãos e respondeu à médica: “chega, não faça mais isso comigo!”, demonstrando claro cansaço da falta de tato da especialista.
—- Foi um momento transformador para mim. A partir daí fui buscar uma formação diferente, pois notei que não estava minimamente alinhada com o que ela precisava. Foi um momento muito doloroso, no qual decidi que não queria nunca mais passar por isso — afirma.
Passado o episódio, Ana dedicou-se ao estudo dos cuidados paliativos — aqueles dedicados aos pacientes com gravidade, que não têm cura disponível, mas são tratados tendo seu bem-estar como norte, considerando também seus familiares — e dedicou-se a falar sobre a prática médica baseada na empatia. Focada em disseminar esse entendimento, a especialista lançou recentemente o livro “O Médico Sutil”, pela MG Editores, em que há uma coletânea de textos focados na delicada relação entre médicos e pacientes. Há ali relatos nos quais escuta atenta é o atalho para melhorar a vida de quem enfrenta um difícil diagnóstico, mas também a transcrição de condutas arrogantes e despreparadas para lidar com o sofrimento alheio, absolutamente inaceitáveis nos dias de hoje e que devem ser combatidas.
Ana, porém, não é a única de olho nessa temática. Especialistas das mais diversas áreas de atendimento dão conta que o cuidado compassivo e o atendimento que leva em consideração a situação sócioemocional do paciente ocupam cada vez mais espaço em consultórios brasileiros. Essa mudança está de mãos dadas com o que esperam os brasileiros. Ao menos é o que mostra uma pesquisa realizada com 2.794 pessoas, no ano passado, pela empresa de inteligência SoluCX, junto à Sociedade Brasileira de Experiência do Paciente e Cuidado Centrado na Pessoa (SOBREXP) e mais o The Beryl Institute, uma organização internacional focada no tema. No levantamento 70% dos respondentes dizem que a “empatia” é extremamente importante na relação com o médico.
— O maior desafio é ter tempo disponível para conhecer os valores e entender o paciente. Isso porque a medicina, cada vez mais, nos apresenta diversos caminhos a seguir (diante de um diagnóstico). E, não se trata mais de um cenário em que o médico decide e o paciente acata. Essa decisão é tomada em conjunto — conta Marina Sahade, oncologista do Hospital Sírio-Libanês. — Ouvir o paciente é muito importante. Cada vez mais se formam grupos de voluntários dispostos a falar o que passaram no tratamento médico. E eles contam coisas que nós não imaginávamos. Por exemplo, uma paciente jovem, com o diagnóstico de câncer ouve muito frequentemente “puxa, você é tão novinha!”. E a gente só vai notar que faz isso quando escuta uma reclamação sobre o tema.
No centro de atendimento liderado pelo endocrinologista Ricardo Cohen, no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, a preocupação com o conforto de quem é atendido se dá, inclusive, na dimensão de portas, poltronas e banheiros projetados em tamanho maior, para que todos possam usar com conforto. Isso porque Cohen é um dos maiores especialistas em obesidade no mundo e está acostumado a receber pacientes que tentaram, sem sucesso, diversas alternativas de tratamento para a doença. Nesse caso, a conversa com o médico também figura um dos principais trunfos acolher o paciente que precisa de atenção.
— Uma coisa muito comum na obesidade é ver o paciente com culpa. A primeira coisa que fazemos lá no hospital, todos, desde os endócrinos, passando pelos cardiologistas, nutricionistas e psicólogos, é mostrar para essa pessoa que não há razões para a culpa e que a obesidade é uma doença que pode ser tratada — diz Cohen. — Alguns chegam dizendo que não comem tanto assim para ter esse quadro de saúde. E nós explicamos que não é comer muito que leva à obesidade e sim o contrário (a doença leva ao aumento de peso). Metade dos que recebemos chegam a chorar ouvindo isso, porque estão acostumados a serem culpabilizados e a ouvir comentários pejorativos. Nós precisamos ajudar a mudar esse cenário.
No digital
Embora a telemedicina seja ainda uma estratégia nova de atendimento, cuja aplicação no Brasil só foi liberada diante da emergência de saúde deflagrada pela Covid-19, o serviço também pode ser um atalho para oferecer mais comodidade e atenção aos pacientes que procuram algum atendimento de saúde. É o que explica Ronaldo Gismondi, cardiologista e editor do Afya Whitebook, uma plataforma de divulgação de conteúdo científico para médicos.
— No digital não dá pra você ter, claro, o contato físico com seu paciente, mas dá para fazer algumas estratégias como: não olhar para baixo, anotar, enquanto ele estiver falando. É importante olhar para a tela, demonstrar por meio de expressões faciais que está entendendo enquanto o outro se comunica. Além disso, mesmo no digital, é possível validar o que a outra pessoa está dizendo. Isso é possível ao perguntar como o paciente está se sentido e porque decidiu procurar uma consulta médica naquele momento.
O grande desafio no setor, explica Ronaldo, que também é professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói, é justamente atrelar essa capacidade de dialogar com o paciente em esquema de consultas de tempo muito reduzido, como ocorre em alguns sistemas de convênio e também no Sistema Único de Saúde (SUS).
— Nesse caso, é importante focar na escuta ativa e na comunicação clara com o paciente, explicando os detalhes do tratamento. Esse é um desafio para diversos lugares do mundo que também operacionalizam grandes sistemas de saúde — comenta.
Voluntários consultores
A necessidade de ouvir os pacientes têm, inclusive, extrapolado os limites das paredes dos consultórios. Também no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, foi montado um conselho consultivo de pacientes voluntários que dá dicas, ideias e opiniões sobre como o centro de saúde poderia ser mais amigável aos pacientes e familiares. Foi dessa comitiva de participantes, por exemplo, que saiu a ideia de criar um tipo de “cartilha” de alta, onde os medicamentos a serem usados em casa pelos pacientes são descritos com detalhamento. A cor da roupa dos especialistas médicos, alvo de dúvida entre quem passa por cuidados de saúde, passou a ser explicada em quadros informativos, para que pacientes e familiares tenham mais segurança ao procurar a pessoa certa para tirar dúvidas. O grupo, que existe desde 2018, também foi um dos grandes aconselhadores para que o hospital incluísse um time de 80 voluntários voltados às atividades lúdicas como leitura, acompanhamento e entretenimento para quem está internado.
— Uma das coisas que discutimos no conselho e também é aplicada no pronto-socorro é que o especialista pergunte a quem chegue em busca de atendimento se ele está com algum medo. Isso é superimportante porque às vezes a pessoa está com tosse, mas na verdade está com receio de ser diagnosticada com Covid e ter infectado um parente. Nesse caso, o médico precisa entender o medo para que seja possível dar as explicações sobre o diagnóstico — comenta Fátima Gerolin, diretora executiva assistencial e de ensino do hospital. — Aqui, inclusive, nos preocupamos que o médico possa passar o máximo de tempo possível com os mesmos pacientes, tudo para que tenham a oportunidade de criar uma relação firme, de confiança e de abertura entre eles.
Fonte: O Globo
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