O número de crianças com menos de cinco anos que têm déficit de altura voltou a crescer no Brasil nos últimos anos.
🚨 Contexto: Enquanto em uma população saudável é esperado que cerca de 1% das crianças tenha uma altura considerada muito baixa, no Brasil, o número chegou a 5,3% em 2021.
📋 Motivos: Fome e desnutrição estão entre as razões que explicam esse cenário, agravado pela crise econômica e a pandemia.
⚡ Impacto: Quando expostas a esses problemas durante a primeira infância, que compreende a fase dos 0 aos 6 anos, as crianças raramente conseguem recuperar o déficit de altura. Os dados são de um levantamento obtido com exclusividade pela Globonews, feito pelo Laboratório de Avaliação do Estado Nutricional de Populações da Faculdade de Saúde Pública da USP (Lanpop USP) a partir de informações do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde.
O crescimento das crianças atua como um marcador indireto da saúde da população, relacionado a aspectos sociais. A estatura de um indivíduo é definida por heranças genéticas, mas também por fatores de saúde. Todo o ambiente favorece ou trava o crescimento. Uma criança com altura muito baixa pode ter tido doenças recorrentes, uma alimentação insuficiente, períodos de fome. — Wolney Conde, coordenador do Lanpop USP e um dos responsáveis pela pesquisa
Crianças com déficit de altura podem ter:
alterações no desenvolvimento cognitivo;
maior tendência a desenvolver doenças crônicas; e
maior probabilidade de contrair infecções.
"A estatura vem acompanhada de uma tempestade de problemas específicos. A população com baixa estatura tem maior chance de contrair esses problemas", explica o pediatra e nutrólogo Mauro Fisberg. Piora no cenário Há pelo menos 15 anos, a frequência de altura muito baixa estava caindo entre as crianças, mas a pesquisa do Lanpop USP mostra que, a partir de 2019, o índice começou a subir.
Apesar do aumento não ser tão significativo, o que chama atenção dos pesquisadores é a reversão da tendência de queda, uma vez que ela já ocorria há mais de uma década.
👉 Os dados dizem respeito somente a crianças que passaram pela Atenção Primária à Saúde, no Sistema Único de Saúde. Segundo o pesquisador do laboratório da USP, há dificuldade no registro desses índices no sistema — nem todos os atendimentos são lançados.
“Ainda não sabemos a capacidade desses números representarem a totalidade da população atendida no SUS, mas, assumindo a tendência de alta, a prevalência está acima do esperado”, afirma Conde.
Há cerca de quatro décadas, o Brasil chegou a ter prevalência de 25% da população com a frequência de estatura muito baixa.
“A média latinoamericana é de 14%. Então, estamos dentro de uma situação não tão ruim, mas uma situação muito longe da dos países mais desenvolvidos”, explica o pediatra Fisberg, que também é coordenador do Centro de Nutrição e Dificuldades Alimentares do Instituto PENSI. A pesquisa da USP também apontou que, quanto maior a renda média do município, menor a quantidade de crianças com déficit de altura. Mesmo assim, em todos os municípios se observou a tendência de aumento desse problema nos últimos anos. Desafios econômicos agravam problema A recessão a partir de 2015 e a pandemia são fatores que podem ter provocado o aumento na pobreza e na desnutrição, de acordo com o diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI) do Insper, Naércio Menezes Filho. "Foi um baque especialmente para os mais pobres que trabalhavam no setor informal e perderam suas fontes de renda", explica.
É o caso de Valci Souza Figueiredo, de 51 anos, moradora de Cotia, município localizado na Grande São Paulo. Ela e o marido moram com três netos, com idades entre 2 e 15 anos. Há alguns meses, os dois estão desempregados.
Na maior parte dos dias, as únicas refeições da família são o almoço e o jantar.
O café da manhã eu nem falo pra você que tem, porque não tem mesmo. — Valci Souza Figueiredo, de 51 anos, moradora de Cotia Ela afirma que consegue adicionar carne ou frango nas refeições apenas em dois dias do mês, assim que recebe o benefício do Bolsa Família. Nos outros dias, as refeições consistem somente em arroz e feijão.
O neto mais novo, Gael, de 2 anos, faz acompanhamento pediátrico. "A última vez que eu levei ele, o médico falou para mim que ele estava com peso baixo", diz Valci.
"Se dá certos tipos de fruta para ele, ele não sabe nem que fruta é. Aqui dentro de casa não entra, porque não tem dinheiro para comprar." Recuperação difícil Quando expostas a esses problemas durante a primeira infância, que compreende a fase dos 0 aos 6 anos, as crianças raramente conseguem recuperar o déficit de altura.
Isso só é possível por meio de intervenções clínicas — que não são viáveis e nem adequadas de serem feitas em larga escala.
Os especialistas ouvidos pela reportagem concordam que, para mitigar o problema da desnutrição na primeira infância, as políticas públicas associadas à atenção básica precisam ser fortalecidas.
Em março deste ano, o Bolsa Família foi recriado e passou a contar com um adicional de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos. “Nos últimos anos os problemas foram se avolumando no Brasil. Muitas políticas públicas foram desmontadas no governo anterior”, afirma o economista Menezes Filho. “A partir do momento em que essas políticas começaram a ser abandonadas parcialmente, um movimento de desinvestimento, o quadro nutricional infantil começa a mostrar esse efeito”, diz Conde, pesquisador da USP.
Segundo o pediatra Fisberg, a estatura é a medida menos realizada nos serviços de saúde. “Sem isso, eu deixo de ter uma medida adequada para investigar e investir de forma correta. Temos que voltar a investir que não só se pese, mas se meça”, afirma.
De acordo com o especialista, é essencial acompanhar a estatura das crianças permite que o sistema de saúde faça a detecção de um diagnóstico precoce individual.
“E [é preciso] informar isso para os sistemas de análise de dados de forma contínua para que se possa intervir nas pequenas variações, e não esperar que exista um grande número da população que esteja com um problema que já é muito difícil de trabalhar”, afirma o médico.
Fonte: G1
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