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'Fiquei tetraplégico após um mergulho': o preocupante alerta sobre acidentes na água



Em 25 de dezembro de 2019, o comerciante Elder Souza celebrava uma nova fase da vida junto com a família. Ele e a esposa esperavam a chegada do primeiro filho do casal e queriam que os meses seguintes fossem de alegria e dedicação aos preparativos para o nascimento do bebê.


Naquele Natal, Elder, hoje com 29 anos, havia se reunido com os familiares em um sítio no município de Bodoquena, no interior de Mato Grosso do Sul. No período da tarde, ele e os parentes foram para um rio da região. "Fiquei um pouco pra trás porque estava com a minha esposa grávida, e o acesso não é muito fácil. Todos os meus parentes foram chegando e entrando no rio", diz Elder à BBC News Brasil. "Quando cheguei no rio, notei que havia uma parte rasa e uma outra funda. Vi que o meu tio tinha pulado e caiu direto no fundo. Então, eu também queria pular direto na parte funda. Fui até um barranco próximo e corri para pegar impulso para saltar. Pulei de cabeça no rio. Bati a cabeça em um banco de areia e quase desmaiei. Senti tudo preto e na hora só pensei: não posso morrer, porque tenho o meu filho", conta o comerciante. Elder diz que os parentes pensaram, a princípio, que ele estava brincando quando não levantou da água. Porém, pouco depois, os familiares perceberam que algo estava errado. "Não conseguia sentir mais nada no meu corpo", relata o comerciante. "O meu cunhado, que tem experiência em resgates, me puxou devagar e me levou pra beira do rio. Falei que não sentia o meu corpo. Então, pegaram uma tábua ali perto, me amarraram em cima, me levaram para um lugar fora do rio e buscaram por sinal para ligar para o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência)", conta Elder.

No hospital, os exames apontaram que ele havia sofrido uma grave lesão na medula e tinha perdido os movimentos abaixo do pescoço. "A gente constatou que o Elder estava tetraplégico. Era uma lesão medular completa", explica o neurocirurgião Adalberto Santiago Junior, que acompanhou o comerciante. Casos de pessoas que sofrem grave lesão na medula após mergulhar na água — seja em rio, mar, cachoeira ou piscina — não são considerados raros. Especialistas consideram que essa situação é recorrente.

Entidades como a Sociedade Brasileira de Coluna (SBC) apontam o mergulho em águas rasas como uma das principais causas de lesão na coluna no país, principalmente durante o verão.

"Esse problema ocorre quando dão aquele salto que chamam de pulo "de bico" ou de "ponta cabeça". Isso ocorre, principalmente, quando a pessoa desconhece completamente a água onde está se jogando. Pode ser um lago, um rio, uma praia ou uma piscina. Se a água for turva, é pior ainda porque a pessoa não enxerga nada", explica o ortopedista e traumatologista Orlando Righesso Neto, um dos coordenadores da SBC. 'O mundo desabou pra mim' No hospital, Elder passou por uma cirurgia para fixação da coluna vertebral.

"Uma vértebra dele que estava toda fraturada foi retirada e foi colocado algo como se fosse uma gaiola metálica no lugar, como se fosse um substituto para aquele corpo vertebral fraturado, junto com enxerto ósseo, uma placa e mais alguns parafusos para fixação definitiva, como se fosse uma fusão com as outras vértebras para virar um bloco ósseo fixo", explica Adalberto Santiago, que foi um dos responsáveis por realizar o procedimento no comerciante.

O neurocirurgião frisa, porém, que essa cirurgia não significa que o paciente irá retomar os movimentos. "Mesmo sabendo que ele tinha uma lesão completa e considerada definitiva na medula, a gente fez essa estabilização porque ele tinha uma instabilidade na coluna que não o deixava, por exemplo, manter a cabeça sustentada", diz o médico. "Quando o paciente tem uma fratura instável na coluna, é preciso que ela seja estabilizada para devolver essa sustentação da cabeça. Embora a gente restabeleça a anatomia, retirando aquilo que comprimia a coluna, a recuperação dos movimentos depende do grau da lesão inicial", acrescenta o especialista. Depois da cirurgia, Elder notou que, assim como quando foi retirado da água, permanecia sem os movimentos dos braços e das pernas. Logo, foi informado que havia ficado tetraplégico. "Quando o médico me contou, no dia seguinte à cirurgia, eu pensei: bem, vamos ver o que vem pela frente. Sempre pensei positivamente", diz.

Naquele momento, o rapaz que se considerava aventureiro e amava viajar começou a rever os objetivos para o futuro.

Ele passou quase duas semanas no hospital. Ao receber alta, o comerciante passou cerca de três meses na casa dos pais. Depois, foi para a cidade em que mora com a esposa, Maira Lazarini, 35 anos, em Nova Andradina (MS). O retorno para casa é classificado por ele como o momento em que "a ficha caiu". "O mundo desabou pra mim. Ali precisei encarar a realidade e depender de uma cuidadora, uma pessoa que não era da minha família, até mesmo para me alimentar. Eu só queria a minha esposa, mas ela não podia me ajudar tanto porque o nosso filho estava prestes a nascer", diz Elder. Os riscos dos mergulhos Enquanto vivia a nova realidade, Elder ficou mais atento às histórias de lesões causadas por mergulho em água rasa. Ele passou a notar que seu caso estava longe de ser o único. "Vi vários relatos de pessoas que passaram por algo assim. Por exemplo, soube de um caso que aconteceu três dias após o meu e outro que ocorreu um mês depois", diz Helder. Segundo a SBC, o país não possui dados específicos sobre lesões causadas por esse tipo de situação. Os relatos médicos, conforme a Sociedade Brasileira de Coluna, apontam que a imensa maioria desses casos envolvem homens. Os mergulhos em águas rasas podem causar grave lesão medular quando a pessoa bate a cabeça ao pular. O trauma ocorre porque esse impacto comprime a coluna, o que causa a lesão que pode ter diferentes níveis — nos casos mais graves pode causar tetraplegia ou até mesmo levar à morte. "O problema é quando a pessoa se projeta para dentro da água de cabeça e desconhece a profundidade. A lesão acontece porque ela acaba atingindo o fundo, o corpo se projeta por cima do crânio e isso impacta a coluna cervical, que é muito frágil porque é composta por ossos pequenos. Dependendo do nível que a coluna fica comprometida, isso pode interromper a respiração espontânea e levar à morte", comenta o traumatologista Orlando Righesso. Ele menciona que lesões do tipo podem ocorrer também em acidentes automobilísticos ou quedas. "Tudo isso pode causar lesão cervical quando o pescoço torce", diz o médico. Nos casos da água, Righesso frisa que outro risco é que a pessoa pode morrer afogada se não receber ajuda com urgência, já que perde os movimentos dos membros após o impacto. Entre as orientações para coibir acidentes do tipo na água estão conselhos como evitar mergulhar em água turva ou desconhecida, não mergulhar após consumir bebidas alcoólicas ou substâncias que atrapalhem os reflexos e não empurrar pessoas para dentro da água. Os especialistas destacam que caso precise ajudar uma pessoa acidentada, é preciso evitar que ela mexa a cabeça para não piorar a lesão e é fundamental buscar uma forma de imobilizar o pescoço, além de chamar ajuda médica com urgência. 'Espero ficar independente o máximo que conseguir' A tetraplegia, apontam especialistas, costuma ser uma situação irreversível. "Se for uma lesão parcial ou incompleta da medula, depois de muito tratamento e fisioterapia a pessoa pode voltar a andar com ajuda de muleta ou andador. Mas em caso de tetraplegia, quando há a lesão completa da medula, os casos são irreversíveis. Até o momento não existe cura para a tetraplegia, não há nada que possa reverter uma lesão medular completa. Já há testes com células-tronco, mas nada certo até o momento", diz Righesso. Para tentar evoluir nos movimentos, Elder faz fisioterapia com frequência. Ele comemora que conseguiu, nos últimos anos, controlar um pouco mais o tronco e também parte dos braços. Mas o comerciante considera que ainda está muito distante de seu objetivo. "Espero ficar independente o máximo que conseguir. É difícil precisar de alguém para tomar banho, dirigir, me alimentar ou até tomar água. É muito melhor fazer as coisas com as nossas próprias mãos", diz. Atualmente, Elder retomou a rotina de trabalho na loja de roupas que tem junto com a esposa. Para as atividades do cotidiano, ele recebe o apoio de uma cuidadora. "Levanto cedo e a cuidadora me leva para a loja. Ela chega, me tira da cama, faz a higienização, coloca roupa, me ajuda a tomar café…", detalha. Todo o acompanhamento que ele recebe é feito de modo particular. A família considera que o custo com a recuperação dele é uma das maiores dificuldades.

"No primeiro ano, a gente passou se desprendendo de todo o recurso que juntamos, como carro, para custear o acompanhamento", detalha Elder.

"O mais difícil é a falta de amparo. Não recebemos nenhum apoio (do poder público). Foi como se falassem: vai para casa, se virem para arrumar uma cama hospitalar, uma cadeira de rodas… A família correu atrás do que dava. Conseguimos pagar fisioterapeuta e o Elder teve um bom acompanhamento. Só conseguimos fazer um plano de saúde agora, porque nenhum aceitava a gente após o acidente. Precisamos entrar no Procon para que o plano aceitasse a gente", diz Maira, esposa de Elder.

Para ajudar a custear os gastos, o casal costuma fazer diversas ações nas redes sociais, como rifas.

Apesar dos problemas, Elder considera que as dificuldades foram amenizadas pelo nascimento do filho, hoje com dois anos. "Ele foi a luz no fim do túnel e a minha alegria. Depois do nascimento dele, aprendi a me adaptar melhor a essa nova realidade", diz. Mesmo tendo ouvido que dificilmente conseguiria retomar plenamente os movimentos, Elder ainda tem esperança de que possa surgir um tratamento que possa ajudá-lo a voltar a andar. Fonte: G1

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