Comer menos e fazer mais exercícios. Essa seria uma fórmula simples para combater a obesidade. Mas especialistas alertam que está enganado quem pensa que a obesidade está ligada apenas à falta de exercício e a uma alimentação desregulada. Obesidade é uma doença multifatorial, não o resultado de um simples desleixo.
Relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2021, apontou que mais de um quinto (22%) da população adulta está obesa no Brasil. Entre os mais novos (5 a 19 anos), o índice é de 10,8%.
"Seria simples associar a obesidade à alimentação e exercício físico, mas existe uma complexidade maior. A humanidade foi selecionada para armazenar energia, guardar esse energia para períodos de restrição, quando não tivesse acesso à comida. Em virtude disso, temos uma vulnerabilidade biológica", explica a endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
"Temos pequenas alterações no nosso comportamento alimentar, no nosso armazenamento de energia, que possibilitam a eficiência no gasto calórico ou na dificuldade de perder peso", completa.
Segundo Maria Edna, a regulação do nosso apetite é feita basicamente no sistema nervoso central. "Essas regiões que regulam fome, saciedade e gasto energético são mais primitivas. Por isso é tão difícil a gente resistir a alguns alimentos, principalmente os que são hiperpalatáveis - com alta quantidade de açúcar, gordura ou sal", completa.
Os fatores por trás da obesidade
A obesidade é uma doença multifatorial, com estilo de vida e fatores genéticos que influenciam a composição corporal. Falta de exercício físico, hábitos alimentares pouco saudáveis, sono insuficiente e estresse podem aumentar o Índice de Massa Corpórea (IMC). Baixo status socioeconômico, ambientes insalubres e fácil acesso a alimentos não saudáveis também são fatores que devem ser levados em conta.
Fatores genéticos
A obesidade pode ter uma predisposição tanto genética quanto biológica. "Quanto mais grave a obesidade na família, maior a herança genética relacionada à obesidade. Mas a pessoa também pode ir adquirindo ao longo da vida. A partir do momento que comemos mal, começamos a acumular gordura. Neste caso, podemos criar a predisposição biológica", explica Maria Edna.
Alterações nos níveis de leptina e grelina também podem colaborar com a obesidade. Eles são hormônios importantes para regular o apetite. Quando não estão com o funcionamento regulado, a pessoa pode sentir mais fome que o normal.
Privação do sono
Diversos estudos mostram que existe uma relação direta entra a privação do sono com o aumento de peso e obesidade.
A privação do sono reduz os níveis de leptina (hormônio da saciedade), aumenta os níveis de grelina (hormônio da fome), além de gerar cansaço e também aumentar as oportunidades para buscar alimentos.
"Estes fatores aumentam a fome, diminuem o gasto energético e aumentam a ingestão de alimentos com alta densidade energética, resultando no ganho de peso. Assim, indivíduos com o sono desregulado acabam entrando em um ciclo vicioso, no qual ficarão cada vez mais cansados e com menor disposição para os exercícios físicos", alerta a SBEM.
Estresse
O estresse também pode estar ligado à obesidade. Maria Edna de Melo explica que o estresse eleva o cortisol, um hormônio que tem ação na regulação do apetite.
"Quando ele eleva, pode estimular o desejo por alimentos que tragam alguma sensação de prazer e bem-estar, como aqueles que são mais gordurosos e açucarados", diz.
Aspectos sociais/ambiente
O ambiente também pode influenciar na nossa alimentação. Baixo status socioeconômico, ambientes insalubres e fácil acesso a alimentos não saudáveis são fatores que podem estar ligados à obesidade.
A endocrinologista traz como exemplo o excesso de trabalho. "Às vezes trabalhar muito pode atrapalhar o planejamento alimentar. Além disso, também sobra menos tempo para atividade física e mais tempo para o sedentarismo".
A disponibilidade de alimentos calóricos também contribui para a obesidade. “A pessoa vai ao supermercado e vê produtos ultraprocessados, com baixo custo, que vai matar a fome da família toda e ninguém vai reclamar. Somos induzidos a buscar por esse tipo de alimento. Com as nossas características biológicas é difícil resistir”, alerta Maria Edna de Melo.
Para a endocrinologista, a disponibilidade desses alimentos em uma população biologicamente vulnerável é o principal fator determinante desse boom de obesidade no mundo.
Remédios
Alguns remédios para a depressão, medicações para ansiedade (principalmente os que agem no sistema nervoso central) e corticoides podem estar associados ao ganho de peso. No entanto, isso não significa que você deve parar de tomar algum medicamento para emagrecer. Você deve conversar com o especialista sobre o assunto.
Sedentarismo
O sedentarismo é uma das principais causas da obesidade. Maria Edna diz que pequenas mudanças de hábitos já fazem a diferença. “Estudos mostram que o exercício físico diário, como caminhada todos os dias, é fundamental para a saúde global. Você não precisa de exercícios de alto impacto. O importante é balancear a atividade diária com a ingestão calórica”.
Doenças endócrinas
É raro uma doença hormonal ser a causa exclusiva da obesidade. No entanto, algumas pessoas com síndrome de Cushing e hipotireoidismo, por exemplo, têm maior risco de serem obesas.
“Doenças endócrinas podem desencadear a obesidade, mas para se ter obesidade associada à alteração da tireoide é mais difícil, porque conseguimos tratar e controlar”, diz a endocrinologista.
Alimentação
A alimentação é muito importante para a manutenção do peso e para a saúde em geral. "É importante que as pessoas tenham conscientização sobre o que deve ser consumido e o que está em casa. Hoje temos famílias que buscam uma alimentação mais saudável, mas não é fácil. A oferta de produtos calóricos, de fácil acesso e palatáveis é muito grande", orienta Maria Edna de Melo. Os hábitos saudáveis começam na primeira infância. Os pais devem oferecer alimentos mais saudáveis desde a primeira refeição da criança e não devem desistir no primeiro 'não gosto'. "A alimentação é um hábito aprendido. Os pais precisam apresentar os alimentos e oferecer desde cedo verduras e legumes. Caso a criança diga 'não gosto', eles devem oferecer de outras formas, seja no preparo", alerta a endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). Por que é difícil emagrecer? Quem controla a fome e a saciedade no nosso corpo é uma região do cérebro chamada hipotálamo, que não é controlada pela vontade da pessoa. Essa região funciona tentando manter o organismo equilibrado: se você tem fome, você come. Se você está satisfeito, você para de comer. No entanto, a pessoa com obesidade tem esse mecanismo um pouco alterado e precisa de mais alimento para se sentir saciado. Por isso, não cabe falar que a pessoa está acima do peso por falta de força de vontade. A região do hipotálamo funciona independente de pensamentos e vontades.
"O hipotálamo controla o nosso peso. Por razões que não sabemos bem quais são, em pessoas que têm obesidade, o hipotálamo acha que aquele peso é o normal. Toda vez que você faz um esforço para emagrecer, o hipotálamo vai fazer de tudo para você voltar a engordar. A fome aumenta, o gasto energético cai e a tendência é você recuperar o peso", explica o endocrinologista Bruno Halpern.
Fonte: G1
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