EUA, França e Canadá reduzem drasticamente o nº de doses máximas 'recomendadas' de álcool: afinal, qual é o limite seguro?
- Portal Saúde Agora
- 18 de out. de 2024
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Nos últimos anos, houve um aumento nas mortes relacionadas ao álcool e uma onda constante de notícias sobre os riscos à saúde do consumo de bebidas alcoólicas. Os apelos para que as pessoas bebam apenas com moderação tornaram-se mais urgentes. Mas o que, exatamente, isso significa?
— Brincando, as pessoas definiram isso como não beber mais do que o seu médico — diz o cientista Tim Stockwell, do Instituto Canadense de Pesquisa sobre o Uso de Substâncias.
Oficialmente, nos Estados Unidos, o consumo moderado de álcool é definido como uma dose ou menos por dia para mulheres e até duas doses por dia para homens, assim como no Brasil. Mas outros países definem o consumo moderado, também chamado de consumo de baixo risco, de maneira diferente, e pesquisas recentes sobre os danos à saúde relacionados ao álcool levantaram questões sobre as diretrizes atuais.
Como as diretrizes são definidas?
Especialistas costumavam pensar que quantidades baixas ou moderadas de álcool eram benéficas para a saúde. Essa suposição era baseada em pesquisas que mostravam uma longevidade maior de pessoas que bebiam moderadamente em comparação a quem se abstinha ou bebia excessivamente. O benefício em termos de longevidade desaparecia em cerca de duas doses por dia para mulheres e três para homens, de acordo com Stockwell.
Mas muitos pesquisadores agora acreditam que essas conclusões foram baseadas em análises de dados que tinham "todos os tipos de problemas metodológicos", argumenta a professora de nutrição e medicina, Elizabeth Mayer-Davis, da Universidade da Carolina do Norte.
Por exemplo, um problema era que muitas pessoas que se abstinham do álcool o faziam porque já tinham problemas de saúde, enquanto as pessoas que bebiam moderadamente eram mais propensas a ter hábitos de vida saudáveis. Isso criou "uma ilusão de benefícios à saúde com quantidades baixas a moderadas de álcool", diz Mayer-Davis.
Um novo método para estabelecer risco foca apenas nas mortes por condições diretamente relacionadas ao álcool, como cirrose hepática, intoxicação alcoólica, pancreatite e certos tipos de câncer.
— É muito menos tendencioso e confuso se você se concentrar apenas em condições causadas pelo álcool — revela Stockwell.
Usando esse método, os especialistas descobriram que o consumo de baixo risco envolve menos álcool do que o que muitos países, incluindo os Estados Unidos, atualmente recomendam. Mas o nível preciso em que o consumo de álcool começa a prejudicar a saúde, e o que é considerado um nível aceitável de risco, ainda está em debate.
Alguns países ajustaram suas recomendações. Austrália e França agora aconselham que ambos os sexos não consumam mais de 10 doses por semana. (Isso representa uma redução em relação às duas doses por dia para homens e mulheres, recomendada anteriormente na Austrália; e três doses por dia para homens, e duas para mulheres, na França). As diretrizes mais recentes do Canadá, nas quais Stockwell participou, são mais rigorosas: o consumo de baixo risco é definido como não mais do que duas doses por semana, independentemente do sexo.
Para as diretrizes americanas mais recentes, emitidas em 2020, um comitê consultivo liderado por Mayer-Davis recomendou que homens e mulheres consumissem não mais do que uma dose de bebida alcoólica por dia. Essa orientação incorporou as pesquisas mais recentes que mostraram que "não havia quantidade de álcool que beneficiasse a saúde," diz a médica.
— Mas não vamos tão longe a ponto de dizer que todos precisam parar de beber, porque isso não é realista — acrescenta.
O Departamento de Agricultura e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA, que definem as diretrizes oficiais, rejeitaram o conselho do comitê. Quando questionados por que, um representante do Departamento de Agricultura afirmou em um e-mail que "as evidências emergentes mencionadas no relatório do comitê não refletem a preponderância de evidências neste momento". O próximo conjunto de diretrizes alimentares está programado para ser divulgado em 2025; ainda não se sabe se, e quanto, elas mudarão.
O limite de consumo deve ser diferente para homens e mulheres?
Apesar da tendência de estabelecer um limite único para ambos os sexos, alguns especialistas dizem que ter diretrizes separadas faz sentido.
Isso porque é necessário menos álcool para afetar negativamente a saúde das mulheres do que a dos homens, incluindo um maior risco de danos ao fígado relacionados ao álcool, doenças cardíacas e certos tipos de câncer, afirma Aaron White, conselheiro científico sênior do diretor do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo dos EUA.
Parte desse risco maior pode resultar de diferenças de tamanho. Mas mesmo que "uma mulher e um homem da mesma idade e do mesmo peso bebam exatamente a mesma quantidade de álcool, a mulher terá uma concentração de álcool no sangue mais elevada do que o homem", explica Sherry McKee, diretora do Programa de Yale para Diferenças Sexuais no Transtorno por Uso de Álcool.
Uma razão potencial para isso é que o álcool não entra no tecido adiposo, e as mulheres tendem a ter uma proporção maior de gordura do que os homens. Isso significa que há menos espaço para o álcool se distribuir pelo corpo, resultando em concentrações mais altas. As mulheres também não metabolizam o álcool tão facilmente quanto os homens, portanto, mais álcool permanece em seus corpos por mais tempo, o que pode resultar em mais danos.
As mudanças e inconsistentes recomendações podem "frustrar bastante o público", argumenta Mayer-Davis.
— Mas isso é o melhor que podemos fazer, que é fazer recomendações baseadas na ciência com a literatura e o conhecimento disponíveis.
Embora os detalhes permaneçam indefinidos, há uma coisa com a qual a maioria dos especialistas concorda.
— Menos é mais; menos é melhor — diz Stockwell. — Beba menos; viva mais.
Fonte: O Globo
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