Você acorda já prometendo para si mesmo que não vai beber naquele dia? Se esta é uma preocupação, pode ser um grande indício de que você tenha problema com bebida alcoólica. A constatação é da carioca Adriana S., que contou ao g1 sobre sua luta para sair do alcoolismo, após 30 anos de vício, ingressando no Alcoólicos Anônimos (AA).
Adriana começou a beber aos 15 anos e só conseguiu parar aos 45, após participar de reuniões exclusivas para mulheres e seguindo os 12 passos que o AA orienta. Hoje, está há 2 anos e 10 meses sem álcool e diz que beber se tornou um acessório desnecessário, porque “a vida ganhou uma outra cor”.
Hoje ela acorda cedo, pratica esporte, aproveita a vida mais de dia e acha “chique” não beber. A maior parte dos amigos que a acompanhavam antes na bebida não são mais seus amigos hoje porque os assuntos se tornaram outros e as atividades também.
Nesse período sem álcool, ela já deixou de gastar mais de R$ 70 mil em bebida (uma média de 5 long necks por dia).
Adriana conta que não tem ninguém na família com problema de alcoolismo, que sempre foi uma excelente aluna na escola, que os pais tinham diálogo com ela e não havia tabus. Mas ela prezava pela liberdade e foi criada com muitos limites.
“Desde as primeiras vezes que eu bebi, eu não gostava da bebida, eu gostava do estado alterado de consciência que o álcool proporcionava. Ele liberava as minhas neuras. E todo mundo parava de beber quando ficava enjoado e eu não conseguia parar. Eu desconhecia o efeito da compulsão que o álcool causa em quem sofre de alcoolismo”, revela.
Quando começou a época de ter relacionamentos amorosos, usar álcool era a forma de não encarar os conflitos e não sofrer. Ela conta que tinha dificuldade de lidar com frustrações de todos os níveis.
“O alcoólatra não lida bem com o sofrimento de nenhuma espécie e se coloca numa posição de autopiedade muito grande. E não existe vida 100% indolor. O pano de fundo são questões emocionais, a incapacidade de lidar com as emoções e com as situações que a vida apresenta. E depois que a gente para de beber, a gente aprende que a vida continua e lida de uma maneira mais saudável”.
Adriana conta que cometeu muitas insanidades e se encontrou em situações de extrema vulnerabilidade, como dirigir alcoolizada; dormir dentro de um carro numa via movimentada do Rio de Janeiro, onde de manhã não era permitido estacionar, e até ser levada para casa por um estranho.
Numa viagem aérea, começou a beber antes da decolagem e, ao acordar, uma aeromoça perguntou se estava tudo bem. Pouco depois, percebeu que tinha um galo na cabeça e não se lembrava de como ela pode ter se machucado.
Em outro momento, o porteiro do prédio onde ela morava ligou para a mãe dela, porque ela não atendia ao interfone para receber uma encomenda. Quando a mãe dela chegou, Adriana estava deitada no chão, sem roupas, e totalmente “apagada”.
“Eu achava que eu era destemida e na verdade eu era insana e inconsequente. Eu desconhecia o agravante, de até que nível poderia chegar. O máximo que eu sabia era do risco de uma cirrose. Eu desconhecia a demência alcóolica que o álcool pode gerar. Eu fui lá no fundo do poço e eu resolvi e refazer minha vida”.
Adriana, que é empresária, também perdeu oportunidades de negócios e viu um relacionamento amoroso acabar por conta do vício.
Aparentemente, para quem estava de fora, ela até parecia estar bem, porque nunca parou de trabalhar, mas vivia com um alto nível de sofrimento.
O ponto de virada foi quando ela viu seu melhor amigo, que também bebia muito, melhorar de vida depois de largar a bebida.
“Ele estava num nível de alcoolismo que não conseguia mais formular frases, num nível de autodestruição, com um risco de não ter volta. E ele foi uma grande inspiração para eu procurar o Alcoólicos Anônimos. Quando ele parou, eu vi o que aconteceu com ele e falei: ‘pelo amor de Deus, me ajuda, eu vou morrer’”.
Adriana destaca os dois primeiros dos 12 passos do programa do AA, que são: admitir ser impotente perante o álcool e acreditar que um poder superior pode devolver a sanidade.
“No momento em que você reconhece que é impotente perante a substância, isso vai te dar um alerta de que você perdeu, que não dá mais. E o segundo passo é: um poder superior a você pode te devolver a sanidade. Se eu estou com uma dor de dente, eu não vou pegar um alicate, abrir a boca e tentar mexer no meu dente. O dentista é um poder superior, porque é uma coisa externa. Não sou eu resolvendo. Um poder superior que me devolve a sanidade pode ser uma sala de AA”.
Ao comentar sobre como alertar os jovens a não se afundarem na bebida, Adriana defende ser importante indicar alternativas que funcionem, como a prática esportiva, um serviço voluntário, ou algo que mostre que existe um outro caminho além daquele da bebida.
“Você começa a fumar filando um cigarro de alguém, depois você vai lá e se junta com as pessoas que estão fumando. Depois você compra um cigarro a varejo, depois você compra o maço. Até chegar ao ponto de você sair de madrugada para comprar cigarro, teve uma jornada de dependência”.
Adriana destaca que o jovem precisa fazer parte de núcleos onde há propósitos em comum, porque só dizer que aquele caminho da bebida não funciona pode não ser o suficiente.
“Eu achava que o álcool me dava liberdade. Hoje eu tenho a liberdade de viver livre, porque o álcool não determina aonde eu vou. Hoje eu não preciso dele para nada. Hoje eu tenho outro nível de liberdade”.
Consumo de álcool no Brasil e no mundo
Um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em junho deste ano destacou que o álcool provoca 2,6 milhões de mortes todos os anos no mundo e os homens representam quase 75% das mortes. O relatório é baseado em dados de 2019, as últimas estatísticas disponíveis.
O consumo de álcool é atribuído a uma em cada 20 mortes no mundo todos os anos, devido a acidentes de trânsito, problemas de dependência e doenças cardiovasculares, câncer ou cirrose.
Até pequenas quantidades podem ser carcinogênicas, o que levou a Organização Mundial da Saúde a declarar que "quando o assunto é o consumo de álcool, não existe quantidade segura que não afete a saúde".
Na maioria dos países europeus e no Brasil, a idade mínima para a compra de bebida alcoólica é de 18 anos, enquanto, nos Estados Unidos, é de 21 anos de idade.
Fonte: G1
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