“Na hora em que abri o envelope, desabei. Esqueci tudo que sabia sobre medicina oncológica”, lembra Karina Fontão. Em novembro de 2021, com o diagnóstico de câncer de pulmão em mãos, a pneumologista se transformou em paciente.
Karina tinha 50 anos e não se encaixava no perfil de pacientes com este tipo de tumor: cerca de 80% das pessoas que recebem o diagnóstico são fumantes, ativos ou passivos. A médica nunca tinha fumado e cumpria uma rotina constante de exercícios, correndo regularmente 21 quilômetros.
“Foi um susto tremendo. Nunca tive hábitos ruins, sou corredora, pratico trapézio, faço musculação e, ainda assim, tive câncer. Aprendi com essa jornada que não podemos pressupor que a doença está relacionada sempre aos maus hábitos. Tive, mesmo levando uma vida saudável”, diz.
O câncer dela se desenvolveu devido a fatores genéticos. O pai dele teve um câncer de próstata antes dos 50 anos e isso já havia deixado a família atenta. Mas Karina supunha que o mais provável era que o tumor aparecesse nas mamas.
Câncer encontrado na mamografia
“Durante a mamografia, meu médico disse que havia uma lesão no pulmão. Eu, como pneumologista, disse para ele não se preocupar, que deveria ser uma cicatriz de uma tuberculose assintomática, que acontece com muitas pessoas “, conta a médica.
O médico insistiu que ela continuasse a investigar e o exame de biópsia revelou um adenocarcinoma, que estava no estágio 1, o mais leve da doença. Em uma cirurgia realizada no início de 2022, a pneumologista teve 2,3 cm da parte superior do pulmão retirada.
Além disso, para diminuir as chances de remissão do câncer, ela começou a quimioterapia com uma medicação chamada tagrisso, uma evolução de um outro medicamento que ela conhecia bastante por ter participado como médica das pesquisas de desenvolvimento. “Às vezes, esqueço que tive esse câncer. É na hora de tomar o remédio que me lembro”, afirma.
“Parece coisa de destino que eu tenha me dedicado tantos anos a entender o câncer de pulmão e que tenha acontecido comigo justamente um tumor neste órgão. Mas aprendi muito com a doença. O câncer de pulmão tem um estigma muito grande. Eu mesma tive vergonha de contar aos meus colegas, pensei em tirar férias para fazer a cirurgia e não contar a ninguém”, diz ela.
Por que aconteceu com Karina
A genética causou o câncer de Karina. Durante seu percurso com a doença, ela descobriu que possui a síndrome de Li-Fraumeni (SLF), uma mutação no gene TP53, que aumenta o risco para tumores. Estimativas apontam que cerca de 300 mil pessoas no Brasil carreguem esta mutação, ainda que nem todas venham a desenvolver o câncer.
As pessoas que possuem a síndrome têm uma tendência maior de desenvolver um câncer precoce, antes dos 50 anos, mas muitos pacientes que têm tumores não sabem que possuem a alteração genética. “Infelizmente fazer uma avaliação molecular que permite identificar a origem do câncer é difícil, burocrático de caro”, diz Karina.
Graças à descoberta da condição, porém, a médica convenceu os familiares a fazerem testes genéticos para verificar a propensão deles ao problema. “Sabendo, podemos estar mais atentos. Eu, por exemplo, farei uma retirada preventiva das minhas mamas para evitar o aparecimento de cânceres no futuro”, conclui a pneumologista.
Diagnóstico mais rápido
A ciência tem estudado como melhorar o rastreamento do câncer de pulmão. Uma das metas é incentivar que pessoas do grupo de risco, especialmente os fumantes, sejam incentivadas a fazerem tomografias de baixa dosagem.
Gustavo Prado, coordenador da Comissão de Câncer de Pulmão da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), reforça a necessidade de se enfrentar o câncer de pulmão o mais cedo possível. “Já temos evidências de que o rastreamento utilizando a tomografia com baixa dose de radiação é capaz de aumentar e antecipar os diagnósticos, além de reduzir a mortalidade por câncer de pulmão em até 24%”, afirma o médico.
Prado afirma que a SBPT publicará ainda em 2023 uma nova diretriz sobre o assunto aos médicos.
Fonte: Metrópoles
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