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Depressão na pandemia: a cada dia, 174 moradores do DF acionam o CVV


 
 

É com receio que Alice* se recorda de seus momentos de maior desesperança. Afetada há três anos por uma depressão profunda, a jovem de 22 anos viu sua condição piorar durante o ano de 2020. A doença, relata, tomou conta de seus pensamentos e da forma como enxergava o mundo.


“Não se resumia ao sentimento de tristeza. Era também uma apatia, dor e, por vezes, desespero”, conta. “Chegou uma hora que eu pensei que a única solução seria acabar com tudo, e foi o que tentei fazer.”


Amparada por amigos e familiares, Alice sobreviveu à tentativa de suicídio. Ela afirma que, aos poucos, conseguiu se recuperar do ocorrido.


“Agora as coisas estão melhorando muito. Pude ver o que não via antes: que há, sim, uma luz no fim do túnel, mesmo que tudo pareça perdido”, emociona-se. “Esse é meu recado para quem pensa em fazer o mesmo: busque ajuda. Você não está sozinho. É possível se recuperar.”

Foi por pouco que Alice não passou a integrar uma triste estatística. De acordo com dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, foram identificados 140 óbitos resultantes de lesões autoprovocadas intencionalmente no ano de 2020: em média, uma pessoa morreu a cada dois dias.


Em 2019, registrou-se 199 casos. É preciso olhar com cuidado para esses índices, conforme ressalta Dayse Miranda, socióloga, diretora-executiva do Instituto de Pesquisa Prevenção e Estudos em Suicídio (IPPES) e doutora em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

“O suicídio vem crescendo no Brasil há 10 anos, independentemente da pandemia”, explica.


“Existem vários fatores para serem considerados antes de dizer se houve, de fato, redução. Não é possível apenas correlacionar e afirmar que a pandemia determinou esses números.”


Em fevereiro deste ano, cerca de 5 mil pessoas do Distrito Federal ligaram para o Centro de Valorização da Vida (CVV). Já em fevereiro de 2020, foram aproximadamente 5,5 mil chamadas originadas no DF. A média para cada mês no ano, no DF, é de 5 mil ligações, ou 174 por dia. Em 2019, foram 2.985.177 telefonemas em todo Brasil; no ano passado, 3.132.598: um aumento de 5%.


Grupo de risco


“O início da pandemia marcou muitos eventos para mim. Minha vida mudou completamente e não tinha nada que eu pudesse fazer para mudar a situação. Passei meses apática, não tinha motivos para continuar, sair da cama, me alimentar… viver.”


O relato nada incomum é da universitária Cora*, 22 anos de idade. Mesmo apresentando os sintomas da depressão há anos, ela nunca deu a devida atenção a eles. “Analisando o passado, posso dizer que deveria ter procurado ajuda antes, mas não conseguia.”


Cora integra o grupo etário mais exposto ao risco do suicídio em decorrência da depressão: o de jovens entre 20 e 29 anos. Das 848 tentativas de autoextermínio registradas pela SES-DF até metade de 2020, 334 notificações eram de pessoas nesta faixa de idade.


“O que temos visto num país é um aumento da taxa entre jovens. E, na pandemia, esse grupo de risco fica mais vulnerável”, expõe Dayse Miranda.


Cora está em tratamento contra a depressão há 5 meses. Foi necessária uma mudança em sua rotina e estilo de vida. “Não é simplesmente tomar um remédio e tudo fica bem.” Ela ressalta que a melhor alternativa é buscar ajuda. “Ainda não estou 100% recuperada, mas voltei a me sentir como eu mesma novamente. E isso já fez uma grande diferença”, finaliza.


É possível. Busque ajuda


O CVV atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente a todos que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype.


O serviço telefônico 188 funciona 24 horas por dia. Quem quiser também pode mandar um e-mail ou acionar o chat, pelo site.

“O CVV apoia a pessoa emocionalmente, não aconselhamos ou apontamos direção ou damos recomendações. Mas neste momento singular é importante apoiar quem está ao nosso lado, ouvindo, compreendendo como a pessoa está. Praticando a escuta empática, aquela na qual a gente está totalmente presente, ouvindo cada palavra, numa escuta genuína, interessada e respeitosa, sem julgamentos, conselhos ou críticas. Aproveitar a tecnologia e estar de forma mais próxima, ainda que remota, com aquele amigo que está sumido, aquele familiar mais vulnerável”, destaca Leila Herédia, porta-voz do CVV no DF.

É importante estar atento aos sinais da depressão. Conforme relembra Cristina Moura, psicóloga atuante no Distrito Federal, alguns sinais podem ser observados: desânimo, sensação de que todos os dias são iguais, quadros de ansiedade, falta de perspectiva, alteração no apetite, sentimento de menos valia, entre outros.

“Neste momento de isolamento e pandemia, é importante também tomar cuidado com o medo exagerado de contaminação, que, conforme observado, tem se transformado num quadro de ansiedade”, pontua a terapeuta. “Em casos de pensamentos recorrentes, procure os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), psicólogos e psiquiatras.”

Prevenção

Para Dayse Miranda, diretora do IPPES, os governos precisam trabalhar com prevenção, não apenas contra momentos de crise. “O Brasil perdeu grandes oportunidades, como os temas ’13 Reasons Why‘ e ‘Baleia azul’. Tiraram da gaveta o plano de prevenção, mas ele não saiu do papel”, critica.

O psicólogo Rubens Bias, do Conselho de Saúde, descreve a prevenção ao suicídio como uma luta contínua.

“A prevenção ao suicídio deve ser um papel de todos nós, não apenas durante o setembro amarelo. É fundamental que a gente discuta saúde mental de janeiro a janeiro. Todos nós temos um papel. Precisamos estar atentos ao sofrimento que causamos aos demais.” Bias acredita que o cuidado com os outros nos espaços que ocupamos também pode ajudar a promover o tema da saúde mental. Direito a alimentação, moradia e trabalho são elementos fundamentais para que alguém permaneça saudável.

No âmbito da saúde, ele destaca o papel de rodas de conversa, de orientações e consultas individuais; além do destaque dos CAPS e do CVV.

Isolamento

Agora o Brasil vive um momento em que o isolamento se faz necessário. É natural sentir falta de abraços e da socialização.

“Vivemos em um país onde nem todas as casas estão preparadas para que os adultos trabalhem e as crianças estudem ao mesmo tempo, seja por falta de espaço físico ou por falta de computador e internet de qualidade”, assinala Patrícia Cruz, psicóloga, sobre o home office.

“Cabe falar aqui também da sobrecarga que muitas mães estão sentindo, tendo em vista que muitas delas são agora as responsáveis por: acompanhar as aulas das crianças, cuidar do serviço doméstico e home office”, conclui a psicóloga. Outro fator importante para a profissional da saúde envolve o fato de que muitas pessoas tiveram de encarar questões relacionais, afetivas e/ou educacionais dos filhos.


Patrícia Cruz considera estes meses como de incertezas, as quais podem agravar os sintomas daqueles que já apresentavam quadro depressivo ou ansioso. Da mesma forma, é possível desencadear outros adoecimentos físicos e emocionais em quem, até então, não apresentava sintomas.


Ela ressalta que, embora tenham sido identificados os efeitos do isolamento e do adoecimento mental, não é possível afirmar quais são todas as consequências.


Autocuidado


A terapeuta Sarah de Moraes Simões destaca a importância de exercícios físicos na prevenção. É fundamental, segundo ela, manter a rotina de atividade física, boa alimentação, ingestão de água, sono de qualidade e cuidado com a saúde emocional.


“Alguns estudos vêm mostrando como pessoas que mantêm atividades físicas regulares, pelo menos 30 minutos diários, têm maior probabilidade de recuperação do adoecimento”, argumenta. “Inicie ingerindo água, cuidando melhor da alimentação e, na medida do possível, adaptando exercícios físicos. Uma opção é correr ou caminhar nas avenidas e parques.”


Saudade, amor que fica


A saudade sentida por Maria das Graças Soares de Oliveira, 42 anos, potencializou-se durante o tempo de pandemia e isolamento social. O marido dela, agente da PCDF Francisco Antônio Lopes de Oliveira, apresentava indícios de distúrbio psíquico quando estava na ativa e lotado na 31ª Delegacia de Polícia (Planaltina-DF). Em 2014, ele tirou a própria vida.


Desde então, Maria das Graças faz o possível para orientar aqueles que passam por ideação suicida. Ela tem um grande conselho para aqueles que precisam no momento: busque apoio.


“É importante admitir suas fraquezas e que está precisando de ajuda. Digo pela minha experiência: não tente ser forte o tempo todo. Você não vai conseguir. Aprenda a lidar com as suas frustrações, emoções, com o vazio que todo o ser humano passa”, salienta. “Esse não saber lidar com as emoções é que leva a pensar que essa atitude aliviaria as dores.”


O maior objetivo de Maria das Graças é conseguir evitar que outros passem pelo que ela e seus filhos tiveram de enfrentar. “Quando você toma essa decisão, não vai aparecer uma tela com as pessoas que te amaram. Quero levar isso para que muitas famílias deixem de passar pelo que passamos.”


Fonte: Metrópoles

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